Exames em Bento, só para urgências

Um ofício datado de 29 de outubro, assinado pelo coordenador médico da secretaria municipal de Saúde de Bento Gonçalves, Rudinei Martins de Souza, e distribuído aos médicos ligados à pasta nos últimos dias, revela a gravidade da crise financeira pela qual passa a prefeitura e os desdobramentos que afetam a população que depende dos serviços prestados pelo município. No documento, fica determinado que apenas exames de “extrema urgência” ou “mais urgentes” sejam solicitados pelos profissionais de saúde, ficando os outros cancelados. Além disso, o documento pede economia de materiais médico-hospitalares e revela que está ocorrendo em Bento Gonçalves o racionamento de medicações.
As medidas são recomendadas pela secretaria em face da crise financeira que o município enfrenta. Após a passagem do ex-secretário Olívio Barcelos de Menezes pela pasta das Finanças, segundo o prefeito Roberto Lunelli, o cenário é de caos nas contas municipais. Não se sabe onde estão as verbas para o pagamento de fornecedores e, portanto, resta à secretaria de Saúde economizar materiais e recursos enquanto a situação não se normaliza e os artigos esgotados sejam repostos.A crise pode gerar problemas ainda maiores nos próximos dias. Caso a prefeitura não seja capaz de pagar fornecedores, não está descartada uma série de demissões de trabalhadores terceirizados, muitos deles da saúde, pela Fundação Araucária, que presta serviços ao município. A posição da fundação, no entanto, é de que ainda está aguardando informação da prefeitura acerca de pagamentos atrasados.Mesmo assim, segundo o diretor-administrativo da fundação em Bento Gonçalves, Lídio Bassani, já foram demitidos 32 profissionais que atuavam no âmbito da assistência social e cerca de 50 que trabalhavam na área da educação.
SamuNo Samu, o clima entre os funcionários é de demissão consumada. Alguns já preparam-se para cumprir aviso prévio, caso sejam realmente demitidos pela Fundação Araucária. Nenhum foi demitido ainda, segundo os próprios trabalhadores, mas entre os enfermeiros a sensação é de desligamento iminente. A Fundação Araucária e a prefeitura reuniriam-se nesta semana para tratar da questão e encontrar soluções para evitar demissões.

Falta de atendimento

A população de Bento Gonçalves já sofre os efeitos da crise desencadeada com a desorganização das finanças da prefeitura. Serviços de assistência social, educação infantil e odontologia já vêm recusando atendimento por conta da crise.Em uma creche do bairro São Francisco, os pais de crianças que frequentam o local beneficiadas pela compra de vagas pela administração municipal foram chamados para reuniões com a direção. Foram avisados que podem ter que arcar com a mensalidade de mais de R$ 300 ou retirar seus filhos da creche caso a prefeitura não pague logo pelas vagas que contratou. A justificativa é de que o estabelecimento não tem condições financeiras de manter o atendimento às crianças sem pagamento.Anita Nery Smalti, mãe de um jovem autista, teve atendimento recusado um consultório odontológico que tem convênio com a prefeitura. A exemplo da creche, o consultório não tem recebido pelos atendimentos que realiza para pacientes especiais encaminhados pela prefeitura. “Não há dentista em Bento Gonçalves que atenda crianças autistas. Isso me deixou muito triste. Quem vão sofrer são as crianças”, lamenta Anita. O SERRANOSSA tentou contato com o consultório para tratar da questão, sem sucesso. Ela aponta ainda outro problema causado pela bagunça financeira na administração municipal: foi informada da suspensão da distribuição de fraldas para pessoas com deficiência e com baixo poder aquisitivo.Cristina Isabel Soldi, mãe de um menino de 5 anos que possui a Síndrome de Williams, doença que impõe uma série de dificuldades psicomotoras e também afeta coração e rins, entre outros, também terá que enfrentar os resultados da má administração do município. Para frequentar a escola, o menino precisa de acompanhamento de uma monitora. Com a crise e o calote da prefeitura, a profissional foi demitida pela Fundação Araucária e não o acompanhará mais nas aulas. Ao menino, restou deixar a escola: seu último dia seria nesta sexta-feira, 9 de novembro. “Ele tem várias dificuldades e não pode ir para a escola sem atenção especial, mas estava se adaptando bem com essa monitora”, lamenta Cristina. “Não foi disponibilizada outra pessoa e ele terá que sair da escola. Ano que vem, será preciso começar todo o processo de novo.”

Ordens recebidas

O ofício traz determinações a cinco setores da saúde municipal. As diretrizes são simples: economizar materiais e atender apenas solicitações urgentes de exames.*Radiologia: o coordenador pede que sejam solicitados apenas exames “com extrema urgência”, por conta da “dificuldade de reposição de filmes radiológicos e ecográficos”. As requisições de exames eletivos ficam sem agendamento “até segunda ordem”;*Laboratório: a prioridade é para “exames mais urgentes” e aqueles do Pronto Atendimento 24 horas. Os exames considerados eletivos terão “uma agenda mais prolongada”;*Almoxarifado: o coordenador determina que haja economia de materiais, “principalmente quanto à diluição de medicamentos e manutenção de veia periférica”, e recomenda “fazer medicação diretamente no acesso venoso”, quando possível. Segundo o ofício, há dificuldade de reposição de material médico-hospitalar, “inclusive itens básicos como equipamento de soro, material de sutura, material de expediente, sondas, luvas tamanho M, etc”;*Farmácia: o ofício avisa que está ocorrendo racionamento de medicações por conta da dificuldade de reposição;*Compra e serviços externos: exames de imagem de alta complexidade, como tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas, cintilografias, densitometrias e outros, serão autorizados somente “com justificativa de extrema urgência”. Há dificuldade de pagamento de serviços terceirizados, segundo o documento.

Reportagem: Eduardo Kopp

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