Falta de foco e perguntas mornas marcam CPI

A CPI das Finanças ouviu 11 testemunhas de segunda-feira, dia 19, até quinta-feira, dia 22. Os depoimentos mais produtivos foram os de funcionários da secretaria de Finanças que lidavam diariamente com o ex-secretário Olívio Barcelos de Menezes e com a coordenadora de compras exonerada, Luana Della Valle Marcon. Dos membros do primeiro escalão da administração de Roberto Lunelli (PT), poucas foram as revelações. A maioria apenas assumiu uma postura de confiança traída e deu declarações em torno da vergonha sentida pelo momento atual e de que houve um grande complô contra o prefeito. Muitos falaram que deve haver mais envolvidos, entretanto desconhecem quem poderiam ser essas pessoas. 

A responsabilidade pelas declarações vagas dadas pelos secretários é em parte dos vereadores, que inúmeras vezes fizeram perguntas que nada estavam relacionadas com o foco das investigações. Os questionamentos incluíram o número de fichas distribuídas nos postos de saúde, o fechamento de escolinhas de futebol, o possível comprometimento da participação do município na Copa 2014 em razão dos recentes escândalos, a contratação de Gabriel, O Pensador para a Feira do Livro e possíveis irregularidades em vagas de escolas infantis. 

Outro exemplo de falta de objetividade foi o do vereador Airton Minúsculi (PT), que solicitou que o pregoeiro e presidente da comissão de licitações, Álvaro Luvison, fizesse uma avaliação da atuação dele enquanto secretário de Meio Ambiente. 

Atrito e polêmica

Minúsculi não é membro da comissão, mas participou ativamente dos depoimentos, fazendo perguntas. A interferência chamou atenção da comunidade e dos próprios vereadores que compõem a comissão. No quarto dia de depoimentos, o grupo se reuniu para votar a proibição de participação dos demais vereadores na CPI. No momento de debate da proposta, houve desentendimentos. Ficou acordado que todos os vereadores terão direito a perguntas, mas só os membros poderão protocolar requerimentos. O petista ficou visivelmente chateado com o ocorrido, o que gerou manifestações de revolta de Minúsculi durante os depoimentos. 

Na mesma sessão, outro ponto de desentendimento foi o teor das perguntas feitas às testemunhas. Enquanto a secretária de Educação prestava seu depoimento, Ivar Castagnetti (PMDB) ocupou o microfone para criticar  o fato de algumas perguntas estarem fora de contexto e de outras dirigidas às pessoas erradas. Em resposta, o presidente da CPI, Vanderlei Santos, garantiu que todas as pessoas suspeitas de envolvimento ou que possam contribuir com as investigações serão ouvidas. Até agora, a documentação referente à CPI ocupa 1,4 mil páginas. A seguir você confere um resumo de cada depoimento, com a ordem cronológica em que foram prestados. 

Depoimentos


Prefeito Roberto Lunelli 

O depoimento do prefeito, um dos mais alardeados – até mesmo por ser o que abriu a série – não trouxe grandes novidades. Por diversas vezes Lunelli reafirmou que confiou em quem não merecia, declaração já dada insistentemente desde que o escândalo de desvio de recursos públicos veio à tona. Ele afirmou não conhecer Luana antes da sua contratação e que lhe deu poderes para agilizar os trabalhos e não para “fazer coisas fora da lei”. Disse também disse que sabia das irregularidades desde agosto, mas as providências foram tomadas somente após ter a confirmação. O prefeito comentou ainda que quer que a verdade venha à tona e que o dinheiro desviado seja devolvido.

Vice-prefeito Gentil Santalucia

O depoimento do vice-prefeito foi um dos que mais surpreendeu no primeiro dia de oitivas. Sentindo-se visivelmente magoado, ele disse acreditar que Lunelli é o maior responsável pela crise. “Se ele tivesse me deixado comandar as compras talvez isso não tivesse acontecido”, alegou. O atrito entre Santalucia e Lunelli não é novidade. Em 2010, logo após as eleições, quando concorreu ao cargo de deputado federal, Santalucia convocou coletiva dentro da prefeitura para dizer que se sentia traído. Ele chegou a assumir o cargo de diretor de compras e posteriormente foi afastado. Nesta semana, revelou que ficou quase dois anos sem falar com o prefeito e só retomou contato às vésperas do pleito. Questionado sobre o motivo que o levou a novamente aceitar o cargo, ele disse que lhe foram feitas promessas de mudanças e que concorreu com a expectativa de que, em 2014, Lunelli deixasse o cargo para concorrer a deputado. Sobre os desvios, disse ter ficado sabendo apenas 15 dias antes das eleições. “Se soubesse disso antes, jamais teria aceitado concorrer novamente”, afirma. Ele foi o único a dizer que acredita na inocência de Menezes. Santalucia também comentou que foi alertado por alguém do PDT, antes de Menezes assumir o cargo, que ele teria tido problemas na prefeitura de Veranópolis. A informação teria sido repassada à Lunelli. 

Procuradora-geral do município e secretária interina de Finanças, Simone Azevedo Dias

Diretamente ligada à força-tarefa que tenta apurar a situação financeira do município, Simone classificou como “uma imperícia sem tamanho” o que foi cometido por Menezes. Segundo ela, desde agosto diversos pagamentos não estariam sendo efetuados, mas Menezes negava qualquer irregularidade. Ela contou que também já questionou as atitudes do ex-secretário durante reuniões de secretariado, nas quais os problemas também eram negados. “Se o ex-secretário mascarou a situação, não sabemos. Talvez a gente nunca saiba toda a verdade”, observou. Simone acredita que os desvios feitos por Luana devem ser maiores do que a quantia de R$ 421 mil apurada até agora. “É uma quantia relativamente pequena por toda a bagunça causada”, avalia. 

Pregoeiro Álvaro Luvison

Concursado da prefeitura há mais de 30 anos, Luvison, que também preside a comissão de licitações, nega que ele e seus colegas tenham sido coagidos por Menezes ou por qualquer outro secretário. No momento, os trabalhos no setor estão parados, mas os colaboradores ajudam os representantes do Tribunal de Contas do Estado (TCE) na auditoria realizada na secretaria. Segundo ele, Luana era responsável por encaminhar relatórios sobre as dotações orçamentárias para realização das licitações. O edital só poderia ser lançado se houvesse dotação orçamentária e quem dava o aval para a licitação prosseguir era o prefeito. Luvison acredita que Lunelli tinha ciência de todos os processos licitatórios. “Todos tinham a assinatura dele. Se a pessoa não concorda, não assina”, opinou. De acordo com seu depoimento, Luana não poderia fazer licitações, apenas compras diretas até o limite de R$ 8 mil. Luvison disse nunca ter desconfiado de irregularidades e que o golpe foi bem efetuado.


Secretário de Gestão Integrada e Mobilidade Urbana, Heber Moacir dos Santos

A pasta comandada por Santos é encarregada de diversas obras na cidade, especialmente as com recursos federais. Os trabalhos foram paralisados por instrução do prefeito, até mesmo os que dependessem exclusivamente de recursos federais.  Nesta semana, segundo ele, foi realizada uma reunião com equipe da Caixa Econômica Federal para estudar a possibilidade de autorizar a continuidade das obras com recursos federais, como o caso da Praça de Esportes e Cultura (PEC) no bairro Ouro Verde, com a condição de que a contrapartida só fosse paga no final da obra. Santos tinha contato constante com Menezes, inclusive fora do horário de expediente. “Conheço ele há mais de sete anos e tive com ele vários contatos, uma relação de partido. Quando trabalhava em Brasília, tinha muito contato com o prefeito de Veranópolis e consequentemente com o Olívio”, comenta, dizendo que jamais desconfiou de qualquer atitude suspeita. “O que me envergonha profundamente é acabar este governo da forma que está acabando. É uma vergonha para nós que estivemos no governo. É uma vergonha generalizada”, lamenta. 

Tesoureira Elisete Rech

Elisete contou que mantinha uma relação de amizade com Luana, que a conheceu dentro da secretaria de Finanças e que manteve contato telefônico com ela somente três vezes após a exoneração. Depois disso, a relação foi rompida. A tesoureira nunca desconfiou da postura de Luana, mas seu depoimento trouxe importantes revelações. Ela disse que por diversas vezes a contadora lhe pedia para analisar determinadas notas com urgência, pois deveriam ser pagas naquele dia. Outro ponto importante de suas declarações é que Luana detinha cópia da chave da secretaria e que por diversas vezes realizava trabalhos noturnos com a alegação de que havia muito serviço a ser feito e de que sozinha o trabalho renderia mais. Em alguns desses serões, Luana tinha companhia de funcionários da Delta, empresa responsável pelo sistema de informática. Na época o comportamento não chegou a levantar suspeitas. “Eu não sei o que ela fazia. Não era incumbência minha fiscalizar”, contou.  

Ex-secretário de Saúde, Ivanir José Zandoná

O depoimento de Zandoná foi um dos mais desvirtuados pelos membros da CPI. Poucas foram as perguntas relacionadas diretamente com o objeto das investigações. O ex-secretário pouco revelou – até mesmo porque faltaram perguntas que pudessem direcionar melhor suas colocações. Apesar disso, deu várias declarações opinando que houve uma armadilha contra Lunelli. “A situação foi planejada. Quem faz um roubo não espera ser pego. É uma coisa tão absurda a que foi feita. Ele foi enganado e ludibriado. Na minha cabeça não tem outra forma de isso ter sido feito”,  comentou. “Os executores foram Olívio e Luana, mas quem estava por trás eu não sei”, complementou. Zandoná contou que conversou com Olívio no dia das eleições e não tinha atitudes suspeitas. “Dois, três dias depois levei um susto”, complementa. 

Secretário de Juventude, Esportee Lazer, José Antônio Gava

Gava foi o primeiro dos depoentes a confirmar que havia boatos na cidade sobre irregularidades. Esse foi um dos questionamentos feitos pelos vereadores a quase todas as testemunhas, porém a maioria afirmou jamais ter ouvido que haveria algo de errado com o caixa do município.  Segundo Gava, os comentários diziam que no tempo certo um escândalo iria estourar, mas ele não levou a sério, pois Menezes confirmava que havia R$ 21 milhões somente para obras. Diversas das perguntas direcionadas ao secretário também desviaram bastante do foco. Gava aproveitou para defender Lunelli. “Até o presente momento, tudo indica que foi uma grande armação. Em momento algum foi constatado que o prefeito recebeu dinheiro de alguém. O prefeito se perdeu pela sua bondade. O maior defeito dele é não saber dizer não. Ele somente trabalhou, não fez política”, declarou. Ele avaliou como justa a derrota nas urnas, pois a prefeitura “parou 40 dias antes das eleições”. “A eleição está perdida, mas a perseguição continua. Lunelli fez metade dos votos e pode ser uma ameaça daqui a quatro anos”, avisou.

Contadora Michele Piletti

Embora tivesse muito a falar, o depoimento de Michele foi um dos mais curtos até o momento: pouco menos de 30 minutos. Os vereadores perderam a oportunidade de arrancar mais informações da contadora, que sofreu clara perseguição dentro das Finanças (leia mais na página 9). Ela foi afastada da secretaria no início deste ano, quando retornou de licença-maternidade. A justificativa dada por Menezes é que ela teria ficado muito tempo longe da função e que ele havia encontrado uma excelente substituta: Luana. Ela retornou ao cargo apenas em outubro, quando a força-tarefa para apurar as irregularidades foi instaurada. 

Coordenadora da CTEC, Rita de Cássia dos Santos

O depoimento de Rita foi o mais demorado da CPI, com quase duas horas de duração. Ela disse acreditar na inocência de Menezes e revelou como a Ctec auxiliou a prefeitura a descobrir as modificações irregulares no sistema feitas por Luana (leia matéria na página 12). “Duvido que Olívio, Lunelli e os demais gestores soubessem do desvio. A desolação de Olívio quando soube foi autêntica”, afirmou. Rita contou que houve contradições no depoimento de Luana ao MP e que seu nome foi citado envolvendo contratações de empresas, o que não teria ocorrido. Como profissional na área de Tecnologia de Informação, a coordenadora acredita que o sistema da Delta não apresentava falhas. “O erro foi ter deixado Luana com acesso exclusivo aos dados”, avaliou. A empresa teria procurado a prefeitura para apresentar seus serviços.

Secretária de Educação, Jaqueline Fávero

As perguntas direcionadas à Jaqueline também desviaram bastante do foco. Em seu depoimento, ela respondeu a questionamentos como contratação de Gabriel, o Pensador, merenda escolar e vagas na educação infantil. Ela comentou que as dívidas da secretaria no momento concentram-se no contrato com a Fundação Araucária. Ela preferiu não se manifestar sobre quem seriam os culpados do caos em que a prefeitura se encontra. Grande parte do seu depoimento foi usado para fazer propaganda de suas ações frente à secretaria – até mesmo porque as perguntas não lhe direcionaram para outro foco.


Reportagem: Carina Furlanetto


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