Falta de mão de obra preocupa setor gastronômico e turístico em toda a região

A aparente volta da normalidade após as restrições impostas pela pandemia e o grande fluxo de turistas vindo de todo o Brasil para conhecer as belezas da Serra Gaúcha têm animado empreendimentos do setor gastronômico e turístico de Bento e da região. Há quatro semanas em bandeira laranja, podendo utilizar os protocolos de amarela, por conta do modelo de cogestão, a Serra está de portas abertas e com novas atrações para seus visitantes. No entanto, uma dificuldade tem tirado o sono dos empreendedores: a falta de mão de obra qualificada e até não qualificada para atuar, especialmente, aos finais de semana – dias de maior movimento e faturamento para setor.
No ano passado, com o fechamento de bares, restaurantes, hotéis, vinícolas e parques, muitos profissionais do ramo de serviços foram desligados das empresas: garçons, cozinheiros, seguranças, camareiros, atendentes, entre outros, acabaram buscando outras ocupações, como na indústria e ainda empreendendo. O empresário Marcos Giordani, que é proprietário de dois restaurantes e também diretor do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (Segh), confirma que durante o fechamento foi difícil manter os profissionais empregados e depois com a retomada muitos sentiram o gostinho do final de semana e não quiseram mais voltar. “Ficamos muito tempo fechados. A gente teve que demitir. Optamos na nossa empresa de manter os profissionais que não tinham outra fonte de renda, e desligamos os que só atuavam aos finais de semana, porque, afinal, não estávamos atendendo o público. As demissões foram inevitáveis. Dos 15 funcionários que atuavam, ficamos com apenas cinco. Foi muito difícil”, comenta o empresário, que afirma que seis antigos funcionários desistiram de atuar aos finais de semana.


Após retomada, empresário perdeu seis funcionários que optaram em não trabalhar mais aos finais de semana no restaurante

DIFICULDADE NO TRANSPORTE
Além da falta de profissionais, outra dificuldade enfrentada pelo setor é o transporte. Isso porque o turismo local é basicamente no interior e os horários de ônibus são bem restritos. “As linhas são voltadas para atender a indústria. Como temos outros horários de atendimento e um número menor de funcionários, acabamos não sendo atendidos neste sentido. Então, ao contratar, temos que pensar em toda a logística de como o funcionário vai chegar até o nosso estabelecimento, porque muitos não têm como vir”, comenta Marcos. 
Quem também enfrenta esta dificuldade é Daniel Panizzi, diretor de uma vinícola em Pinto Bandeira. Ele acaba de inaugurar uma nova atração no local, voltada a atender quem busca experiências ao ar livre, como piqueniques, e sente na pele a dificuldade de encontrar mão de obra. “A gente tem se virado com a equipe que temos. O que estamos fazendo é qualificando os filhos dos nossos funcionários e até mesmo buscando pessoal de Porto Alegre e de outras regiões, porque realmente está muito difícil”, lamenta. Prestes a abrir um restaurante de alta gastronomia no local, a preocupação agora é encontrar pessoal qualificado para atuar no novo espaço. “Ter capacitação na área neste caso é fundamental, porque o atendimento de excelência faz parte da experiência do cliente”, comenta.


Novas atrações que chegam na região, como restaurante de alta gastronomia e piqueniques ao ar livre, já demandam mão de obra vinda de fora para atender as necessidades dos empreendimentos

Outro empreendedor que busca pessoal para atuar aos finais de semana é Evandro Fachinelli, que tem um empreendimento nos Caminhos de Pedra. “Encontrar alguém com experiência é raro e achar pessoas para trabalhar aos finais de semana também é difícil. Quem vem ainda faz o preço deles e o tempo que vai trabalhar, o que limita muito pra gente que trabalha durante todo o dia”, desabafa.

 

AÇÕES VISAM INCENTIVAR JOVENS
A diretora executiva do SEGH Região Uva e Vinho, Márcia Ferronato, comenta que com os avanços das flexibilizações e o início da vacinação, aumentou a abertura de vagas no setor. No momento, há oportunidades para recepção, camareira, garçom, cozinheiro e auxiliar, gerência, supervisão, administrativo e em quase todas as funções. O assunto foi pauta de uma reunião entre associados e diretores da entidade, que reforçaram a necessidade de incentivar os jovens a entrarem na área. “Vamos trabalhar para fazer um reforço com capacitação e uma ação com adolescentes e jovens sensibilizando este contingente para atuar nesta cadeia, além da inclusão de pessoas com mais idade. Estamos definindo a forma de abordagem, para em março ir a campo”, explica. 

Diretora do SEGH, Márcia Ferronato, afirma que há vagas abertas em todas as áreas do setor do turismo, hoteleiro e gastrônimico em Bento

O empresário Marcos Giordani afirma que a ideia é buscar junto ao Poder Público, através das secretarias de Educação e Cultura, escolas e instituições que possam oferecer qualificações gratuitas para quem tiver interesse em entrar para esse ramo. “Queremos mostrar que trabalhar no final de semana pode ser muito gratificante e rentável para os jovens”, explica. “Esta cadeia que engloba gastronomia, hotelaria, turismo faz parte da matriz econômica de Bento Gonçalves e região, traz além de divisas, visibilidade positiva a este território. Por esta razão o tema está em pauta, na busca de alternativas para valorizar e estimular empreendedores e trabalhadores visando o desenvolvimento sustentável. Hoje geramos um em cada 10 empregos no mundo, são novos tempos, é preciso apostar nesta cadeia cada vez mais”, complemente Márcia. 
Para tentar acelerar as contratações o SEGH está intermediando as negociações e recebendo currículos e encaminhando para os empreendimentos, que podem ser enviados para: segh@seghuvaevinho.com.br.

 

De empregado para empreendedor

Aurélio Luan Zacarias Damiano atua há 10 anos como cozinheiro. Graduado em gastronomia, pós-graduado na PUC-RS, em cozinha autoral, sommelier internacional pela Fisar, chef internacional pelo ICif/UCS e especializado em panificação com fermentação natural, foi afastado do restaurante que comandava no início da pandemia, em março. Teve 60 dias de afastamento inicial e depois mais 30 dias de redução de carga horária. Viu seu salário diminuir pela metade, enquanto suas contas continuavam crescendo.
Com o futuro incerto ele resolveu empreender e hoje faz parte do grupo de profissionais que não voltaram a atuar nos restaurantes após a retomada. Iniciou um projeto de produção de pizzas e pães de fermentação natural, começou a produzir conteúdo nas redes sociais, ganhou visibilidade e começou a faturar. O sucesso de seus produtos ainda lhe rendeu o convite para ministrar oficinas e aulas no Senac. Para ele, voltar a atuar na cozinha de um restaurante já não é mais uma opção. “Acho que de uma forma geral a profissão de cozinheiro no Brasil não é valorizada. Os salários são baixos e a carga horária alta. Mas isso quem entra na cozinha sabe. Acontece que quando você investe alto em cursos, qualificações, você quer muito mais que elogios, você quer dinheiro. E eu coloquei na balança e achei melhor sair e trabalhar por conta própria. E, para ser sincero, queria passar o Natal com a minha família também, coisa que não passava há 3 anos”, confessa.
Ele explica que encontrar pessoas qualificadas no setor é difícil por conta do alto custo dos cursos. “Estudar gastronomia, cursos técnicos e afins são muito caros em relação ao que ganhamos. Para ter uma noção básica: a faculdade está em torno de R$ 1200, curso de chef internacional R$ 20 mil, curso de panificação básica R$ 2 mil e curso de cozinheiro R$ 8 mil, e o salário médio de cozinheiro fica em torno de R$ 1600 a R$ 1800. A conta não fecha”, desabafa.

 

Garçom experiente virou artigo raro

Vanderlei Locatelli, de 49 anos, é garçom há 20 anos. Hoje ele é considerado artigo de luxo: tem experiência, conhecimento de causa e com frequência é disputado por novos empreendimentos que chegam à região. Ele atua em dois estabelecimentos – um wine bar à noite e aos finais de semana, e um gastrô bar ao meio-dia e aos finais de semana. Para ele, a demissão dos funcionários antigos e com experiência no auge da pandemia foi o grande “erro” dos empreendedores. “Muitos não pensaram que lá na frente teriam que recontratar e disputar com outros estabelecimentos e outros setores. E muitos profissionais dos serviços encontraram ocupações na indústria, comércio, sem a necessidade de atuar aos finais de semana, então agora está muito mais complicado resgatar esses profissionais”, confessa.
Como a mão de obra está escassa, Vanderlei acredita que os empreendimentos que valorizarem e remunerarem melhor seus funcionários vão se dar bem. “O maior investimento de uma empresa são as pessoas. São elas que atendem o cliente, que criam, produzem e entregam o seu produto, que são os porta-vozes do teu restaurante, bar, enfim. E quando eu falo em investir é profissionalizar e remunerar melhor”, comenta.