Falta de planejamento e empatia dificulta mobilidade de deficientes visuais em Bento
Pisos táteis quebrados, mal colocados ou inexistentes já ocasionaram dezenas de acidentes na área central da cidade, além da falta de respeito de algumas pessoas que parecem não entender a importante função das faixas em alto-relevo
Na semana passada, o deficiente visual Marcelo Amaral estava andando pela Júlio de Castilhos, no Centro de Bento, quando colidiu contra a porta de um caminhão que estava estacionado em cima do piso tátil da calçada, fazendo uma entrega. Poucos dias atrás, ele quase foi atropelado na rua Marechal Deodoro ao não encontrar um piso tátil que o conduzisse à nova faixa de segurança, que foi modificada recentemente. Há algum tempo, Cleiton De Andrade precisou ser socorrido por uma ambulância ao cair também na Marechal Deodoro e trincar duas costelas. Caroline Rasador já perdeu as contas de cabeçadas dadas em placas e muros. Esses são apenas alguns dos relatos de usuários da Associação de Deficientes Visuais de Bento Gonçalves (ADVBG), que há anos lutam por melhorias na acessibilidade na área central do município.
Sair de casa, segundo eles, é um verdadeiro desafio. Toda a rota precisa ser previamente planejada para evitar acidentes. Entre os problemas que dificultam a mobilidade está a falta de planejamento em relação à instalação dos pisos táteis, faixas em alto-relevo que auxiliam na locomoção dos deficientes visuais. “A colocação desses pisos deve seguir regras e em Bento essas regras não são seguidas. A cada quadra, os pisos estão instalados em uma posição diferente, alguns no meio, outros mais aos cantos. Sem contar que muitos dão em árvores, em postes, em placas e paradas de ônibus”, relata a secretária da diretoria da ADVBG, Eloisa Morassutti, que tem baixa visão.
O deficiente visual Cleiton De Andrade cita um exemplo claro de falta de planejamento na Via Del Vino, em frente à prefeitura de Bento. Nos dois lados da via, os pisos táteis foram instalados próximos à rampa de acesso à faixa de pedestre. Entretanto, após a rampa, há um grande espaço em frente à prefeitura sem qualquer piso tátil. “Eu atravesso a rua e tenho que procurar o piso. Mas e para voltar? Como faço para ir ao local certo para cruzar a rua se não encontro o piso tátil?”, questiona. Em frente ao Shopping Bento também é outro local onde não há qualquer piso tátil.
Outra crítica diz respeito à qualidade do material utilizado. O SERRANOSSA acompanhou alguns deficientes visuais pela rua Marechal Deodoro e constatou diversos pisos táteis estragados ou mal colocados. Há menos de 15 dias, por exemplo, a prefeitura construiu uma faixa elevada de travessia de pedestres, onde foi instalado um piso tátil. No momento, o piso já está quebrado. “Eles colocam do jeito que querem e utilizando a pedra que querem, sem consultar especialistas ou mesmo a nossa associação para entender a forma correta de instalação”, desabafa Eloisa.
Falta respeito e empatia
Além da parte técnica relativa à colocação dos pisos táteis, os deficientes visuais criticam o comportamento de algumas pessoas e também de equipes da prefeitura que parecem não entender a importância dessas faixas. Alguns pedestres acabam parando nesses locais para conversar, colocam mercadorias em cima – como é o caso de vendedores ambulantes ou de caminhões de carga e descarga – ou colocam os contêineres de lixo nos pisos táteis. “É preciso educar a população e fiscalizar. Muitas pessoas, em vez de sair de cima do piso para nos deixar passar, acabam nos empurrando para não bater nelas. Nós que somos cegos muitas vezes temos que desviar dos obstáculos”, comenta Cleiton. “Próximo à Caixa Federal, por exemplo, tem piso dando em poste, aí tu desvia do poste e tem um contêiner. É bem complicado”, complementa Marcelo.
O grupo afirma que todas as demandas já foram repassadas à prefeitura de Bento Gonçalves, mas nenhum retorno efetivo foi dado até o momento. Pelo contrário, na avaliação dos deficientes visuais, as últimas mudanças apenas prejudicaram a locomoção desse público. E as demais que estão sendo estudadas também preocupam o grupo, como a alteração de sentido da rua Cândido Costa, em frente ao prédio onde fica a associação, com mão inglesa para quem vem da Barão do Rio Branco. “Se essa mudança acontecer, eles terão muita dificuldade para cruzar a rua”, adianta Eloisa.
Diante dos desafios, muitos deficientes visuais acabam evitando sair de casa desacompanhados. Muitos acabam sequer frequentando a associação por receio de se locomover pela área central. “Mesmo que colocássemos uma venda nos olhos dos responsáveis para que eles se colocassem em nosso lugar, não entenderiam nossas dificuldades. Porque depois que tirassem a venda, eles voltariam a enxergar. Nós não vamos voltar a enxergar e dependemos de acessibilidade para conseguirmos realizar nossas tarefas diárias, que são iguais a de todo mundo, como ir ao supermercado e ao banco”, expõe Cleiton. “Os sentimentos são de frustração, indignação e revolta. Nós nos sentimos totalmente ignorados. Impotentes. Gritamos e ninguém nos ouve”, lamenta Eloisa.
De acordo com o secretário de Gestão Integrada e Mobilidade Urbana (SEGIMU), Marcos Barbosa, a pasta está trabalhando em melhorias de acessibilidade, principalmente na área central, “a fim de permitir a melhor mobilidade também do pedestre”. “Conversamos com a empresa responsável pelos contêineres para que sejam mais bem alocados, evitando que fiquem na passagem dos pedestres. O IPURB também atua na fiscalização e na exigência do piso tátil nas construções e edificações novas”, afirma o secretário.
Como se aproximar?
Em conversa com o SERRANOSSA, os usuários da associação desabafaram sobre a forma como algumas pessoas se dirigem a eles nas ruas do município. Muitos, querendo ajudar, acabam empurrando ou puxando os deficientes visuais para desviarem de obstáculos. Outros não oferecem ajuda por receio de como a pessoa irá receber esse pedido. “Alguns têm medo de chegar na gente, mas nós queremos deixar bem claro que a ajuda é sempre bem-vinda, mas da maneira correta”, explica o usuário Cleiton De Andrade. “Às vezes estamos andando na rua e só sentimos alguém puxando e gritando ‘vem para cá, vem para cá’. Levamos um susto”, conta bem-humorada a usuária e auxiliar administrativo da associação, Caroline Rasador.
O correto, conforme os usuários da associação, é a pessoa pegar na mão esquerda do deficiente visual, colocar embaixo do seu cotovelo direito e apenas os conduzir por um local seguro. “As pessoas querem ajudar e nós queremos ajuda. Elas só precisam tentar entender mais a nossa situação e não ter medo de conversar conosco”, comenta Cleiton.
A Associação
Há 34 anos auxiliando na luta dos deficientes visuais em Bento, a ADVBG oferece diversas ferramentas para garantir uma melhor qualidade de vida aos usuários. No local são oferecidas oficinas de ginástica, violão e canto e atendimento com psicóloga e terapeuta ocupacional. Com isso, desenvolvem habilidades capazes de os auxiliarem no enfrentamento dos desafios diários. Atualmente, são 160 associados ativos.
“Agora também estamos retomando as visitas nas escolas, quando os deficientes visuais contam um pouco das suas histórias e das suas rotinas, a fim de que a criança conheça o diferente”, comenta a secretária Eloisa Morassutti. “Estamos sempre lutando para que os deficientes visuais sejam ouvidos e suas demandas sejam atendidas”, finaliza.