Falta matéria-prima na indústria
A flexibilização das atividades nos últimos meses animou o comércio, a indústria e os serviços, que sofreram muito tempo com restrições, com seus negócios fechados e com a queda brusca das vendas no início da pandemia. No entanto, a expectativa de reaver os prejuízos do período de lockdown acabou em frustração, especialmente para a indústria. Isso porque está faltando matéria-prima em diversas áreas do setor produtivo.
De acordo com os especialistas, são diversos fatores que estão afetando a entrega dos produtos: a alta demanda, o consumo excessivo e a oferta reduzida. Por conta da pandemia, alguns fabricantes reduziram a jornada de trabalho de seus funcionários provocando assim um desabastecimento na cadeia produtiva, especialmente no setor moveleiro. Além disso, o dólar tem favorecido as exportações, diminuindo assim a oferta nacional.
foto: Jeferson Soldi
Momento delicado e inédito
Um dos setores que estão mais sentindo é o moveleiro. De acordo com o diretor comercial da Multimóveis, Euclides Longhi, a falta de matéria-prima começou a ser sentida no início de julho. “Como a nossa empresa possuía estoque de matéria-prima, demorou um pouco mais para sentir os efeitos desse desabastecimento. Mas agora estamos passando por um momento bem delicado, nunca antes visto”, comenta. Na empresa faltam painéis (chapas MDP/MDF), aço, ferragens, acessórios e papelão. Além da alta demanda, pouca oferta e o dólar alto favorecendo exportações, Euclides comenta que o comportamento do consumidor mudou. “As pessoas estão mais tempo em casa e querem renovar a sua mobília, consequentemente houve um aumento significativo no consumo de móveis e decoração”, aponta o empresário, complementando que a falta de matéria-prima e insumos limitam a capacidade produtiva e principalmente “altera drasticamente a forma de planejamento da indústria”.
Além do prejuízo financeiro, que segundo o empresário ainda não pode ser calculado, o maior dano é não conseguir atender a real necessidade dos clientes. “Atualmente o prazo médio de entrega varia de 30 a 60 dias dependendo o produto”, comenta.
Desabastecimento generalizado
De acordo com Rogério Francio, presidente Associação de Indústrias de Móveis do Rio Grande do Sul (Movergs), o setor tem buscado manter constante diálogo com as diversas entidades, no sentido de verificar as carências. “Inclusive, em agosto, enviamos um ofício à Abimóvel, nossa entidade maior, solicitando auxílio para que haja maior proteção às indústrias moveleiras”, comenta. O líder do setor acredita que esta situação perdure de forma irregular até o final do ano. “Esperamos que 2021 possa trazer uma normalização deste momento crítico”, espera Frâncio, apontando que o setor tem reclamado da falta de chapas de madeira como MDP e MDF, componentes como ferragens, tintas, vernizes, revestimentos, adesivos, colas, papel, papelão, embalagens e “vários outros insumos”.
Presidente da Movergs fala em desabastecimento generalizado
Questionado sobre o impacto para o consumidor final, Rogério Francio fala em falta de abastecimento generalizado. “Já estamos registrando atraso na entrega de produtos para o varejo e o consumidor final. Ressaltamos que esse não é um problema exclusivo do setor moveleiro, inúmeros outros setores têm enfrentado o mesmo problema. Trata-se de uma falta de abastecimento generalizada, motivada, principalmente, pela pandemia e as mudanças de comportamento no consumo”, afirma.
O presidente do Sindicato das Indústrias de Material Plástico do Vale dos Vinhedos (Simplavi), Ivanio Ângelo Arioli, afirma que a entidade tem buscado alternativas junto a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) e realizando movimentos com produtores locais e com o Governo. “Nosso objetivo é buscar alternativas quanto ao abastecimento e contenção de aumentos aplicados pelos fornecedores, bem como na facilitação de importação dos materiais”, afirma. Ele fala que é difícil prever o retorno da normalidade, mas aposta que em março “teremos o mercado mais estabilizado”.
Arioli falou ainda que é inevitável que a situação não atinja o consumidor final. “O cliente irá sentir o aumento de preços, falta de produtos e extensão dos prazos de entrega”, lamenta.
Presidente do Simplavi também lamenta o aumento aplicado pelos fornecedores
Setor de bebidas também sofre
Bruna Cristófoli, proprietária da vinícola Cristófoli, em Bento Gonçalves, afirma que são poucos os fornecedores de garrafas e estes, nos últimos anos, têm reduzido à oferta de modelos e ainda priorizando garrafas para cerveja. Neste ano a situação se agravou e as empresas nacionais, segundo Bruna, deixaram de produzir os principais modelos de garrafas de vinho, obrigando as vinícolas a comprarem no mercado externo, como Chile e a Argentina. “Além do custo de transporte, têm modelos que usamos que não encontramos nos países”, comenta.
Não bastasse isso, as entregas de caixa de papelão e outras embalagens estão atrasadas. “Como o real está desvalorizado, muitos fornecedores estão trabalhando com foco na exportação e isso está atrapalhando”, comenta Bruna, que deixou de lançar um novo vinho por conta da falta de embalagem. “O cenário é um pouco trágico, mas ainda assim estamos sobrevivendo”, desabafa.
Bruna Cristófoli adiou o lançamento de um vinho por conta da falta de garrafas
O presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) destaca que está acompanhando há alguns anos a dificuldade enfrentada pelas vinícolas em relação ao fornecimento de garrafas. Com a pandemia e a mudança de hábitos do consumidor, que passou a apreciar mais vinhos brasileiros em casa, as vendas ganharam um impulso, aproximando-se do desempenho de 2016. Entretanto, a indústria já vem enfrentando problemas para a compra de garrafas, situação que poderá prejudicar o setor. “Solicitamos ao Governo do Estado que sejam adotadas gestões necessárias para ampliar a oferta de vasilhame, estabelecendo um sistema concorrencial mais adequado. A instalação no Estado de uma nova fábrica de garrafas, destinada ao envasamento dos vinhos e derivados da uva, é a alternativa discutida”, comenta.
Falta insumo para cerveja
De acordo com Luís Fernando Conti, proprietário da cervejaria Jimmy Eagle, a situação do setor cervejeiro, em plena retomada das vendas por conta das altas temperaturas, também está caótica. Segundo ele, a empresa ainda não conseguiu comprar garrafas para o final do ano e também já está tendo dificuldade para encontrar malte e lúpulo. “Ainda bem que fiz um pedido grande de papelão e me abasteci pra virar o ano, pois hoje já não tem mais como colocar pedido em alguns fornecedores”, relata.
Luis Fernando Conti aponta que nas cervejarias já começa faltar malte e lúpulo
O presidente do Sindilojas, Daniel Amadio, afirma que o setor está acompanhando com preocupação toda essa situação. Ele afirma que somente no setor de vestuário ainda não houve reclamações, por conta do alto estoque, mas logo adiante poderá surgir problemas. O presidente ainda alerta: “Estamos às vésperas de Natal e o empresário que não adiantou seus pedidos junto aos fornecedores poderá ter problema de falta de mercadoria”, aponta Daniel, afirmando que no final do ano pode haver um movimento contrário: consumidor disposto a gastar e lojas sem produtos.