Fenavinho: “É preciso pés no chão”

Sempre que o tema Fenavinho é retomado, Moysés Michelon, presidente da primeira edição do evento, parece transformar a cadeira do seu escritório em uma máquina do tempo e voltar, em poucos minutos, para o ano de 1967. Lembra facilmente de nomes, fatos, cruzeiros gastos e, principalmente, da mobilização social que agitou a pequena Bento Gonçalves de mais de quatro décadas e meia atrás. Ele pode falar horas e horas sobre o assunto, como se as histórias recontadas permanecessem se repetindo em suas lembranças ininterruptamente, apenas esperando serem novamente fisgadas. As mãos passeiam no ar para ajudar no resgate das memórias e só repousam silenciosamente sobre a mesa quando o empresário é questionado sobre o futuro da festa que projetou a cidade no cenário nacional e ergueu o Parque de Eventos.

Após 15 edições, algumas nem tão exitosas, a Fenavinho ainda não morreu para Michelon. Mas, segundo ele, adormeceu, vítima de um distanciamento cada vez maior com o seu principal motor: a comunidade bento-gonçalvense. E talvez exija, agora, como a ação mais urgente para garantir a sua continuidade, que esse laço seja reatado. Diante dessa necessidade de um novo planejamento – e o “acordo de cavalheiros” com Caxias do Sul, para não realizar o evento no mesmo ano de Festa da Uva –, o empresário praticamente descarta 2014 como o ano da retomada. Michelon acredita que o melhor seja aproveitar essa parada forçada para equacionar definitivamente as pendências de 2011 e voltar em 2015 com uma nova proposta, com foco no envolvimento comunitário e no aspecto realmente festivo do encontro. Confira a entrevista:

Jornal SERRANOSSA – Na sua opinião, pela mobilização que se percebe, ou justamente a falta dela, é possível termos Fenavinho em 2014?

Moysés Michelon – Existe um compromisso informal com Caxias do Sul, que é o de não realizar a Fenavinho nos anos em que acontece a Festa da Uva. Então, teremos que pular mais um ano. A razão desse “acordo de cavalheiros” é justamente facilitar a busca de patrocinadores e de verbas. Temos que respeitar. Se for no mesmo ano, será difícil para as duas promoções aqui da Serra disputarem essas verbas. Temos que nos preparar, equacionando os problemas da última Fenavinho e repensando uma nova estrutura. Uma Fenavinho, para mim, tem que ser um movimento comunitário, assim como na primeira edição. A Fenavinho não é um evento do setor vinícola nem do setor turístico, ela nasceu de um movimento da comunidade. Ela é a mãe de todos os eventos, é a origem do Parque. As outras feiras são setoriais, têm sua importância, sem sombra de dúvida, mas elas atingem determinados setores. Quem pode dar essa repercussão nacional é a Fenavinho.

SERRANOSSA – Na sua opinião, ela precisa retomar esse caráter mais festivo?

Michelon – A primeira Fenavinho acabou se desdobrando também em várias outras feiras que temos hoje. A ExpoBento, os móveis e a indústria metalmecânica já estavam lá. Diante das atuais circunstâncias, a Fenavinho precisa ter muito mais características de festa, de congraçamento comunitário, envolvendo principalmente o homem do interior. Essa é uma questão que deve ser resolvida, mesmo estando em época de safra, e eu acho que a Fenavinho tem que ser na vindima, porque a uva é um grande promotor da Fenavinho. Temos que realmente avaliar como fazer essa participação. É necessário também discutir se será só nos finais de semana ou se em todos os dias. Temos experiências regionais em que muitas das promoções são feitas nos finais de semana, e me parece que é suficiente. Seria interessante que, para a promoção do turismo, houvesse essa mobilização durante toda a semana, mas nós temos que pensar no conjunto, o que é possível e factível. É preciso ter um forte apelo de festa. Volto a dizer, nas primeiras edições, havia muito mais participação comunitária.

SERRANOSSA – Em outros momentos, o senhor já falou na necessidade de “voltar às origens”. O que essa retomada exigiria hoje?

Michelon – Voltar às origens seria ter esse envolvimento mais forte da comunidade, mesmo vivendo esse momento diferente. Na primeira, tínhamos 18 comissões comunitárias e cada uma tinha, no mínimo, de 10 a 15 lideranças profundamente envolvidas e comprometidas. Se tivermos isso, ou algo parecido, naturalmente traremos a comunidade para participar da elaboração, do desenvolvimento e, principalmente, do ato de receber. Não se exclui ninguém, Fenavinho é a festa de Bento Gonçalves. Todos têm que participar, ela é o nosso guarda-chuva. Temos que dedicar tempo, esforços, inteligência.

SERRANOSSA – E os recursos para se fazer isso?

Michelon – É claro que é preciso um investimento da prefeitura, não há como desconsiderar isso. Mas acho que o principal poderia ser, por exemplo, por meio da Lei Rouanet. É um processo que leva tempo, tem que elaborar projeto, aprovar junto a órgãos competentes e fazer a captação, que é o mais importante. Depois, é necessário buscar essa abertura junto às empresas, tentar garantir esse retorno de imposto que não vai para Brasília, mas fica para nós. Só que não pode ser de última hora, então já estamos atrasados. Também temos que buscar parcerias, ter uma visão de que todos se unam para que os resultados se voltem em benefício da comunidade. O foco na primeira edição foi a construção do Parque de Eventos, agora é dar vida aos pavilhões, o que também exige grandes investimentos. 

SERRANOSSA – De que forma a comunidade poderia auxiliar nesse processo?

Michelon – Principalmente, não se omitindo. Todas as entidades devem estar envolvidas, do Trade Turístico ao CIC, seja dando sugestões ou participando efetivamente em algum trabalho. Temos clubes sociais, CTGs, associações de bairros. Essa gente quer participar, mas eles têm que ser chamados e motivados. Na primeira Fenavinho, tivemos o Lions cuidando dos ingressos, um banco cuidou da recepção. O 1º Batalhão Ferroviário veio com soldados para limpar o bosque. As comissões trabalharam decorando e pintando casas, mulheres plantando flores nas praças. No desfile de carros alegóricos, não gastamos nada. Foi entregue um tema para as escolas – as 12 passagens do vinho na Bíblia – e elas desenvolveram os carros. Foram os padres Ernesto Mânica e Rui Lorenzi que desenvolveram esse tema. Hoje, talvez não precisemos de tudo isso, mas é uma forma de demonstrar como foi importante essa participação comunitária. 

SERRANOSSA – Com que sentimento o senhor vê a situação atual da Fenavinho? A imagem da “festa-mãe” de Bento Gonçalves está manchada?

Michelon – Pelo fato de existirem pendências financeiras perante alguns setores ficou essa mancha. Mas não é nada que não possa ser revertido. Temos que recuperar, Bento Gonçalves precisa disso. Naturalmente, os compromissos têm que ser cumpridos, mas esperar que isso se dê por uma próxima Fenavinho não vai ser possível. Tem que ser buscado outro mecanismo, porque a arrecadação da próxima não pode ser para resgatar compromissos anteriores. E volto a dizer: temos que ter os pés no chão. Quando projetar, é preciso contar com um orçamento bem-feito e ficar comprometido com ele. Se, no impulso, forem sendo autorizadas despesas e ficarem esperando receitas, depois de passada a festa, fica muito mais difícil.

SERRANOSSA – Seria o momento de parar e repensar?

Michelon – Essa parada serve para duas coisas. Primeiro, para sentir a necessidade e a utilidade da Fenavinho. Muita gente sente a falta de toda essa mobilização. Segundo: a grande liderança em uma comunidade é sempre o prefeito. Eu acho que o prefeito, apesar do sistema jurídico de hoje, em que a Fenavinho é uma Oscip [Organização da Sociedade Civil de Interesse Público], é um presidente de honra e acho que ele teria que buscar essa mobilização comunitária e esse consenso. Volto a dizer: a prefeitura também não pode se omitir, ficar alheia, mesmo financeiramente. Mas tem que ser uma coisa racional, porque dinheiro público não pode ser esbanjado. Ele tem que ser corretamente utilizado. E se nós não pudermos fazer uma Fenavinho de repercussão nacional, que seja regional, mais no Sul do país. Fenavinho tem que ser na época da safra, justamente quando temos outros competidores no turismo, então para ter melhor resultado, é preciso ter o foco aqui no sul. O que vier “de cima” é lucro.

SERRANOSSA – Qual é o principal desafio para a retomada?

Michelon – Penso que nós temos um grande desafio, que não existia em 1967, quando 90% da população daqui era bento-gonçalvense. Eu não era, sou natural de Caxias. O pulsar de Bento Gonçalves, naquela época, era muito mais forte do que hoje, porque agora quem nasceu aqui ou já é radicado em Bento há muito tempo representa 60% da população. Os 40% são pessoas que vêm de fora, que ainda não têm o mesmo espírito. Mas temos o desafio de conquistá-los. Essas pessoas são muito bem-vindas, mas precisam se unir nesse esforço. Por outro lado, quem vem de fora parece enxergar melhor as oportunidades. Nós é que talvez não estejamos percebendo o que realmente temos aqui.

SERRANOSSA – A primeira Fenavinho trouxe um presidente da República e mais de 120 mil visitantes à cidade. Que exemplo essa mobilização realizada há mais de 45 anos poderia dar para os atuais organizadores?

Michelon – Havia um clima de união na comunidade. Não podemos dizer que era tudo unanimidade, mas existia uma grande força comum. Tínhamos opiniões divergentes, mas conseguimos unir todos. É esse espírito que precisamos resgatar aqui. Eu lembro que em 1967 tínhamos apenas seis empresas no setor vinícola e uma delas estava em concordata. A outra, embora com dificuldade, nos doou todo o vinho e não foi à falência com isso, porque deu visibilidade não só a ela, mas ao vinho e a Bento, à Capital Brasileira do Vinho. Esse título surgiu na primeira Fenavinho. Também surgiram a bandeira, o brasão, o hino de Bento. E na bandeira diz “Paz e Trabalho”. Existiam muitas disputas políticas naquelas circunstâncias e isso foi como um “vamos parar com brigas e vamos trabalhar”. Nas próprias comissões não se discutia quem era de um partido e quem era de outro. O vinho foi o gancho e atrás disso vendemos móveis e produtos de outros setores, que surgiram na primeira Fenavinho. O vice-presidente era o Luiz Matheus Todeschini, que não tinha nada a ver com vinho. A primeira indústria de móveis em série, a Barzenski, fez o “debut” dela na Fenavinho. E foi com isso que nos tornamos um polo moveleiro, por exemplo.

SERRANOSSA – Faz falta uma maior representatividade política que pudesse dar mais visibilidade ao município e à Fenavinho?

Michelon – Nós trouxemos o presidente Castelo Branco aqui exatamente por meio de um canal político. Era uma relação que existia do padre Ernesto Mânica com o deputado Daniel Faraco, que depois foi ministro da Indústria e Comércio. Foi através disso que o presidente veio, em 25 de fevereiro de 1967, 20 dias antes de terminar o governo. Ele acolheu o convite feito através de uma simples carta. É para ver a importância do canal político. Depois disso, com pouco mais de 15 mil eleitores, chegamos a ter quatro deputados, dois estaduais e dois federais. Hoje, lamentavelmente, com mais de 80 mil eleitores, não somos capazes de nada. Isso é outra coisa que a comunidade precisa avaliar, vamos ter gente daqui que possa ser o meio de ligação com o poder, seja no Estado, seja no governo federal. É uma questão que também temos que repensar.

SERRANOSSA – Que tipo de ajuda o cidadão Moysés Michelon pode oferecer?

Michelon – Eu estou disponível, não com a solução do problema, mas para contribuir com sugestões no sentido de que a gente possa associar novas ideias às velhas, para tentar reacender essa chama. O que posso fazer é isso, contribuir com essa experiência. Naturalmente, as coisas não se repetem, o que vivenciamos há mais de 45 anos é diferente de hoje, mas os princípios, alguns deles, podem ser os mesmos. Temos que começar com quem passou pela Fenavinho, todos os ex-presidentes, as cortes, cada um tem uma sugestão para dar. Se não conseguirmos congregar isso, como vamos congregar a comunidade?


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