Final de ano e as duas etapas do processo de Luto

Estamos em novembro (de novo). A maioria das pessoas com quem eu converso tem a mesma sensação: de que o ano passou muito rápido. De fato, parece que, depois da pandemia, a nossa dimensão de tempo e espaço das coisas sofreu transformações ainda maiores. Talvez porque as mudanças que acabamos precisando ter dentro da gente também tenham sido importantes. Afinal, não tem como passarmos por grandes eventos sem que também sejamos afetados. Não é à toa que o luto, efeito do rompimento daquilo que nos é significativo na vida, contempla duas etapas: a de quem nós fomos antes e de quem seremos depois de atravessar o processo.

Nos últimos anos, tivemos de enfrentar o medo de uma pandemia, a incerteza do amanhã, a saudade antecipada de quem não tivemos a oportunidade de nos aproximarmos, a dolorosa ausência de quem nos foi roubado pela morte, a angustiante solidão imposta pelo isolamento, a instabilidade financeira e inseguranças quanto ao futuro, a necessidade de nos reconhecermos diante de tantas mudanças na vida pessoal e profissional, o horror testemunhado por uma guerra, a intolerância avizinhada ao período de eleições, as emoções que ainda passaremos com a representação do nosso país num ano de copa do mundo, etc. Tudo muito rápido, muito junto, muito intenso. As coisas mudaram escandalosamente do lado de fora… e a gente se transformou do lado de dentro na mesma proporção, seja para suportarmos as perdas, seja para nos ajustarmos às novas formas de ser diante de um mundo que também ficou desconhecido. Esse luto de duas etapas… do antes e do depois.

Eu não entendo que a gente precise passar por situações dolorosas na vida para aprendermos algo de bom, mas se hoje estamos aqui, depois de tudo, precisamos pensar que existem razões para começarmos a fazer diferente (e com urgência)… e o próximo ano que avança rapidamente talvez possa ser uma oportunidade para abrirmos as portas do desejo por sermos melhores.

Vai chegando a época dos festejos familiares, com amigos ou pessoas próximas, um tempo para fortalecer a espiritualidade, reavaliar comportamentos, refletir a respeito das mudanças, reconhecer as perdas e frustrações, agradecer pelos ganhos de todos os dias, renovar projetos, ideais e elaborar planos para o próximo ano. Os espaços festivos têm a finalidade de reparação, pois oportunizam memórias, anulam diferenças, expressam gratidão e possibilitam a união. Nos deixa de olhos abertos para redescobrirmos sentimentos, paixões, e a saudade que permanece daquelas pessoas queridas, mesmo que não estejam mais entre nós.

É também um grande momento para entrar em contato com o que nos deixa mais sensíveis e emotivos, sobretudo diante daquilo que nos limita, que é a morte. Isto não quer dizer de forma alguma que ficamos enfraquecidos. Pelo contrário, nos tornamos humanizados para olharmos com verdade para aquilo que faz parte de nós independentemente do tempo. É um tempo cheio de beleza, pois convoca a cada um de nós a olharmos para a nossa história, para o que estamos fazendo dela, o que estamos nos tornando, o que ainda pretendemos fazer e que legados queremos deixar eternizados. Há o resgate dos nossos contos, dramas e tragédias, nossos enlaces e rupturas, que formam quem nós somos e para que viemos.

Então, que a gente possa, nesse “depois” do luto, atribuirmos novos significados à nossa existência, porque mesmo diferente, vale a pena continuar vivendo.