Gosto de Saudade

Polenta brustolada, salame, queijo, torta tirolesa, esfregolá, pão e biscoitos caseiros, geleias e pinhão sapecado na grimpa (galhos secos da araucária). A mesa farta com produtos coloniais vindos de diferentes famílias do distrito de Tuiuty foi o café da manhã do nosso primeiro dia de visitas e reproduz um cardápio comum à maioria dos imigrantes. “Para mim, tem gosto de infância. Não estamos enfeitando nada, a única diferença é que não tinha mesa, comiam no chão. É nosso jeito de ser”, resume Bernardete Cainelli, da Vinícola Cainelli. Servida no café da manhã, a polenta, junto com o ovo, o queijo e o salame, dava força necessária para aguentar a lida na roça. “Mas vocês não precisam se preocupar que não vão ter que fazer força depois”, tranquiliza o piadista Nei Tomasi, encarregado de preparar o pinhão.

É incrível o poder de representar e resgatar o passado que a comida tem. Naquele mesmo dia, o almoço oferecido pela Cristofoli Vinhedos e Vinhos FInos, em Faria Lemos, sustentou a atmosfera saudosista. O porão – tradicional berço de muitas das nossas vinícolas e onde também eram curados os embutidos – fez as vezes de restaurante. Cresci ouvindo histórias de como a polenta era presença constante na mesa dos antepassados. Durante muito tempo, não compreendia o porquê de tanto fascínio em torno da mistura de farinha de milho e água, mas hoje, quando desejo saborear algo reconfortante, sempre salivo ao pensar em uma polenta mole coberta com bastante queijo e algum molho gostoso. O molho, aliás, como bem lembrou a enóloga Bruna Cristofoli, era a estrela de qualquer preparação. Era ele que dava sabor e fazia a comida render. Imagine ter apenas duas sardinhas para 13 filhos? Só com muito toccio (molho, em dialeto talian)!

Para quem também quer uma refeição com o sabor do passado, a Casa Madeira, no Vale dos Vinhedos, se encarrega da tarefa. A proposta do restaurante é um breve resgate histórico da original culinária dos primeiros imigrantes italianos. Sob a orientação do historiador da região, Remi Valduga, e do padre Julio Giordani (sobrinho neto do primeiro dono do imóvel) e a coordenação do chef da casa, o cardápio busca traduzir a culinária do período de 1876 a 1920. A época era de desbravamento de mata nativa, caça de aves e criação de pequenos animais, início de plantio do milho e, principalmente, da uva. O almoço era o momento mais esperado, composto normalmente por uma ave oriunda de caça (traduzida ali pela codorna) elaborada com muito molho para manter o corpo aquecido e acompanhar a polenta mole, bígoli (massa feita à mão) ou nhoque e salada de radicci com panceta.         

Até nos restaurantes que apostam na culinária contemporânea, o passado dá as caras. É o caso da releitura do chef Rodrigo Bellora para o pien, que ganhou uma versão doce no Valle Rústico. O pien de nozes, servido com sorvete de creme e calda de mel, arrancou suspiros – e me deixa com água na boca só de lembrar.

O tradicional recheio dos capelettis, como explica o chef, era usado pelos imigrantes para dar mais sustança a carnes e legumes. Mesmo em sua versão doce e reinventada – bem distante da tradicional –, esse talvez tenha sido o prato que mais tenha me transportado ao passado. Talvez porque era meu prato preferido nos almoços de domingo na casa dos avós paternos.

Já faz mais de 20 anos que a nona Catarina nos deixou, mas ainda consigo lembrar o gosto do pien que ela preparava e cozinhava dentro do brodo todos os finais de semana. Pien tem gosto de saudade.

A série completa

07/08 – Comer, beber e recordar

14/08 – Gosto de saudade

21/08 – Do lazer ao progresso

28/08 – Paixão por história(s)

04/09 – Turismo para quem é daqui

*O SERRANOSSA foi um dos veículos convidados para a Press Trip de Inverno, promovida pela secretaria municipal de Turismo, em parceria com o Bento Convention Bureau e o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Região Uva e Vinho (SHBRS), com suporte do Laghetto Viverone Bento e operacionalização da Conceitocom Brasil.


Reportagem: Carina Furlanetto


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