Há 10 meses livre da dependência química e das ruas, “Da Lua” dá exemplo de perseverança 

Foi no interior de Bento Gonçalves, em um espaço construído por pessoas de muita fé e amor, que o ex-morador de rua Valdir Paulo Rech, de 55 anos, encontrou uma nova chance de viver. Natural de Caxias do Sul, o homem conhecido como “Da Lua” guarda uma história de solidão e muitos desafios. Ainda jovem, Valdir se envolveu com a criminalidade e acabou sendo sentenciado ao cárcere, cumprindo pena de 17 anos na Penitenciária Estadual de Bento Gonçalves. Em liberdade, Da Lua encontrou emprego em uma recicladora da cidade, mas acabou se acidentando durante serviço. Foram oito dias em coma e mais de um mês internado no Hospital Tacchini. Mesmo recuperado, as sequelas da queda dificultaram sua eficiência no serviço. Sem emprego e sem perspectivas, Valdir foi parar nas ruas do município. “Hoje você sentiu cheiro de perfume em mim, antes eu fedia a cachorro molhado”, relembra, com divertimento e emoção ao mesmo tempo. 


 

Nas ruas, Valdir encontrou no álcool e nas drogas o seu alento. A fome, o frio e a solidão são marcas daqueles que passam pela condição de miséria. “A realidade de quem vive na rua, para entender, só quem vive na rua”, afirma. Valdir fez sua morada em diferentes bairros da cidade, inclusive no Centro, na rua Saldanha Marinho. Seu jeito engraçado de andar e sua simpatia deram origem ao apelido Da Lua, que faz referência ao personagem Tonho da Lua, interpretado por Marcos Frota na novela “Mulheres de Areia”. Mesmo chamando a atenção de muitos, durante dez anos, foram poucos aqueles que tiraram um tempo do seu dia para conversar e entender sua realidade. “A vida na rua é sofrida. Chove, não tem cobertor, não tem cama, travesseiro e comida. Eu comia do lixo. Tinha coisa boa lá, mas no meio de papel higiênico”, recorda. 


 

Em maio do ano passado, o idealizador do projeto “O Bom Samaritano”, Leandro Araújo, um dos poucos que vinha oferecendo assistência a Valdir, decidiu dar a oportunidade que faltava para ele sair da condição de rua. O projeto nasceu em 2017, a partir da doação de cestas básicas para famílias carentes e auxílio a moradores de rua. “Então começamos a trabalhar com dependentes químicos, porque eu venho desse passado. Fui por 17 anos usuário de drogas e hoje estou curado há quase oito anos e almejava ter um espaço para dar suporte a essas pessoas”, conta Araújo. 


 

Com o auxílio da esposa, Marise Araújo, Leandro alugou um sítio no interior da cidade e começou a dar vida ao projeto. O primeiro morador do Centro de Habilitação O Bom Samaritano foi o próprio Valdir Rech. “O Leandro me convidou para ir a um culto no Vila Nova no dia 7 de maio. Depois, vim direto para cá”, conta. Desde então, mesmo já tendo cumprido o período de nove meses de tratamento, Valdir afirma que encontrou no espaço e nos “irmãos” uma nova família. “Eu não quero sair mais daqui. Não quero voltar para a vida que levo antes. Vou fazer uma casinha aqui e vou continuar ajudando. Porque é um lugar que tem Deus e amor”, declara. 

Em fevereiro, após quase 30 anos, Valdir voltou a Caxias do Sul para visitar sua família. “Eles me receberam muito bem, mas eu não quero voltar para lá. Quero ficar aqui, porque Deus me deu uma nova família, para conseguir restaurar a outra”, comenta emocionado. 


 

Hoje recuperado física e emocionalmente, Valdir deixa uma mensagem para a comunidade: “olhe para o morador de rua com mais amor, mais atenção. Pergunte se ele precisa de comida, de uma coberta. Isso é carinho. É amor. É compaixão de uma alma, por outra”, desabafa. “Eu só tenho a agradecer por tudo. Quero segurar na mão de Deus para eu continuar nesse meu objetivo. Que é não retroceder, mas continuar caminhando”, complementa. 

Leandro relembra que todo morador de rua e/ou dependente químico tem uma história. “Todos tiveram família, mas foi um vacilo e hoje a sociedade cai em cima. Muitos chegam em uma casa ou padaria pedindo pão e as pessoas mandam sair, dizendo que não tem”, lamenta. “O Valdir é um testemunho vivo de que todo viciado é capaz de vencer. Sempre há esperança”, afirma. 

Sobre o Centro de Reabilitação

O espaço de reabilitação do projeto O Bom Samaritano conta com 12 vagas para dependentes químicos. Atualmente, nove homens residem no local. O tratamento tem duração média de nove meses, podendo variar de acordo com cada caso. No local, os moradores seguem uma rotina regrada de segunda a sábado, composta por alimentação, higiene, oração e atividades laborais – como cuidados com a horta e com os animais, preparação das refeições e limpeza. “Estamos com projeto de montar uma padaria, tem um rapaz padeiro profissional, que tem um primo interno e ele se colocou à disposição para ensinar a fazer biscoito e pão para vender e levantar fundos. Nos próximos dias já devemos iniciar”, adianta Leandro. Os residentes ainda contam com auxílio de uma psicóloga e enfermeira voluntárias e da equipe do Alcoólicos Anônimos (AA), que se desloca ao espaço a cada 15 dias para promover palestras. 


 

O projeto é sustentado por doações da comunidade, sejam materiais ou financeiras. “Contamos com voluntários, pessoas que doam alimentos, que nos ajudam a arrecadar produtos em supermercados, a divulgar nas redes sociais… toda ajuda é bem-vinda. Hoje a gente paga R$ 1.200 do aluguel, mais despesas como luz, água e remédios, por exemplo”, revela. 

“Para nós é um orgulho. São frutos de trabalho, que semeamos e esperamos lá na frente colher. Hoje eu tenho o Valdir como família. Ele é o que nos dá ânimo e força nos momentos difíceis, nos mostra que vale a pena”, finaliza Leandro. 


 

Fotos: Eduarda Bucco/SERRANOSSA