Há os que amam e os que desistem
O tenista Vitas Gerulaitis perdeu 16 partidas seguidas para Jimmy Connors, quando na décima sétima ele finalmente o venceu disparou para um repórter: “Que isso sirva de lição. Ninguém vence Vitas Gerulaitis 17 vezes seguidas”.
Será que não somos todos nós, em parte, como Gerulaitis? Vemos muitas pessoas falando em desistir, mas quantas realmente desistem? Talvez a essência humana de tentar até tornar possível tenha apenas aprendido a fingir se render. É mais fácil fingir a desistência do que aguentar a pressão pela realização. Vejo muito disso nas crianças que, diante de outros, fazem não se importar, mas quando sozinhas insistem até conseguir.
Eu demorei 28 anos para aprender a encontrar a constelação de escorpião. Inúmeras vezes inclinei-me sob o céu noturno buscando as estrelas que me dessem pistas sobre aquelas que formavam meu signo. Demorei, mas aprendi. Hoje, diante da facilidade desse encontro, acabo não lembrando como um dia isso beirou o impossível.
O jornalista britânico Malcolm Gladwell se tornou mundialmente conhecido por suas teorias. Em uma delas, ele diz que para nos tornarmos verdadeiramente bons em algo precisamos praticar 10.000 horas. Dizem que o método acabou se tornando uma espécie de “lema” dentro do mais requisitado e capacitado grupo teatral do mundo, o Cirque du Soleil.
Levando em conta os números de Gladwell, constatamos que se treinássemos uma hora por dia levaríamos 27 anos para nos tornarmos “bons” naquela respectiva atividade. Com três horas, seriam 10 anos. E com oito horas, nos bastariam 3 anos e meio de esforços para atingirmos o nível “automático”.
Bem, nenhum de nós precisa treinar uma, três ou oito horas por dia para saber que, se não gostarmos realmente daquilo que estamos repetidamente fazendo, será um processo chato e extremamente angustiante. Amar o que se faz é uma receita de sucesso pelo simples fato do prazer que temos em repetir aquilo que amamos fazer. Logicamente, mesmo os maiores amores por vezes nos entediam, mas esse é o grande bônus de amar: o cansaço nunca significa o abandono – se houver, não era realmente amor.
Por muitas vezes vi pessoas abandonarem seus ditos sonhos, aquilo que em certas épocas era descrito por elas como a parte mais importante de suas vidas: Mas como? Como alguém consegue desistir daquilo que teoricamente a faz feliz? Alguém que sente ter nascido para compor pode simplesmente nunca mais riscar seu caderno? Alguém que deseja dia após dia, ano após ano aprender a tocar violão pode nunca fazê-lo? Eu não consigo acreditar que alegrias possam ser simplesmente abandonadas: se forem, não lhes cabe a palavra amor, nem mesmo paixão, apenas a ilusão.
Só tropeça quem caminha, mas se você fica ao chão como pode dizer que ama caminhar? Talvez você ame o chão, quem sabe não tenha nascido para contemplar as pedras mais do que propriamente o caminho? Não é um defeito, mas pode vir a se tornar doloroso o simples fato de mentir para si mesmo fingindo gostar de caminhar, quando na verdade você gosta de ficar ao chão.
Vemos todos os dias pessoas abdicarem de si. Não sabem se querem o dinheiro ou prazer, fama ou privacidade, oito horas por 3 anos ou uma hora durante 27… As pessoas deixaram de identificar o que é alegria a elas próprias, pois abdicaram de sentir para se concentrarem no que é dito, repetido e exaltado como sendo a priori.
Se somos todos diferentes, obviamente nos alegram coisas também diferentes. Como então se basear no que outros dizem e não no que a gente mesmo sente? É esse barulho ao lado de fora que nos faz surdos ao que lá dentro grita.