História marcada por constantes migrações

Ter uma vida melhor. É o que buscavam os primeiros grupos de italianos que chegaram à Colônia Dona Isabel, em 1875; é o que buscaram migrantes de outras regiões do Rio Grande do Sul que vieram para Bento Gonçalves à procura de emprego; e é o que também buscam os imigrantes que ainda hoje escolhem o município para viver. “As pessoas migram porque sonham, almejam ter para si e para os seus a oportunidade de viver melhor”, destaca a historiadora e professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Terciane Ângela Luchese.

Sonhando com uma oportunidade de emprego, Robson Sperotto, há dez anos, trocou Alpestre por Bento Gonçalves. Seu irmão mais velho já residia no município desde 2002, tendo vindo por intermédio de uma fábrica de móveis que foi buscar mão de obra no município do norte do Estado. Hoje, os dois irmãos são sócios de uma metalúrgica, ramo que Sperotto escolheu seguir após experiências em outras empresas. Uma oportunidade que, segundo ele, dificilmente teria tido se permanecesse em Alpestre.  Neste período, só voltou para a cidade natal por saudades da então namorada, e hoje esposa, Silmara Argenton, que em 2008, ao completar 18 anos, também se mudou para a Serra Gaúcha.

Quando estudante de Letras, Silmara transferiu os estudos de Chapecó (SC) para Bento Gonçalves e, atualmente, é professora. Devido à sua profissão, não teria dificuldade para conseguir emprego em outra cidade. “Às vezes, penso em voltar para Alpestre por causa da família, porque sei que meus pais, hoje aposentados, não pensam em sair de lá. Porém, pensando no progresso, aqui é melhor”, avalia. O marido também não planeja retornar ao local de origem, contudo, não descarta a possibilidade de, no futuro, trocar Bento por outro município. “Gosto daqui porque é um lugar de muitas oportunidades, mas, se tivesse a chance, trocaria por uma cidade um pouco maior”, argumenta. A única preocupação do casal seria com a segurança, já que, agora, a família aumentou, com a chegada de Gabriele, há dois meses. “Talvez uma grande metrópole, como Porto Alegre, não, mas uma cidade como Caxias do Sul”, exemplifica.

Deslocamentos
Esta constante migração é parte permanente da história de Bento Gonçalves. O início do município está associado à ocupação de imigrantes que, predominantemente, saíram da península itálica. Além deles, pequenos grupos de poloneses, espanhóis, suecos e franceses também ocuparam alguns lotes no período da colonização. Ao longo dos anos, outras etnias vieram para cá e contribuíram para o crescimento e desenvolvimento do município. Com a industrialização acentuada nas décadas de 60 e 70 e a geração de empregos, Bento Gonçalves atraiu migrantes de outros estados e outras regiões do Rio Grande do Sul, especialmente do Noroeste. Apesar de poder marcar e distinguir diferentes momentos, todo o processo histórico do município foi assinalado por deslocamentos, conforme Terciane. “É preciso lembrar quantas famílias precisaram migrar nas décadas de 1920 e 1930, de Bento Gonçalves para o Noroeste do Rio Grande do Sul, Oeste de Santa Catarina ou Oeste do Paraná, na época das frentes colonizadoras do Oeste do país. Deslocamentos e migrações marcam toda a nossa história”, comenta.

A soma dos legados destas diferentes etnias ajudou a construir a Bento de hoje. “Prefiro que pensemos que todos os que chegaram ou partiram dessas terras deixaram suas contribuições, sua cultura, aprenderam e ensinaram modos de ser, de pensar e de viver. Na dinâmica do tempo, constituímos o que somos no coletivo deste município”, analisa.

Diferenças
As diferenças culturais foram as maiores dificuldades encontradas por Ronald Dorval, que deixou o Haiti há três anos. “Foi complicado para acostumar, mas a gente consegue se virar”, garante. Hoje, o português, língua que ele não conhecia, já não é mais uma barreira, graças às aulas que frequenta.

Outros obstáculos, porém, surgiram logo na chegada. Dorval conta que, no seu país, a burocracia para alugar uma casa não é tão grande. “Lá, qualquer um aluga. Se tiver dinheiro, não precisa ter fiador”, compara. A adaptação incluiu acostumar-se também com o clima – no Haiti, não faz tanto frio como na Serra Gaúcha – e com a comida. “A carne, por exemplo, nós costumamos temperar com limão. As saladas são as mesmas, mas muda a forma de preparo”, explica.

Dorval formou-se em Direito, não chegando a exercer a profissão no Haiti. A escolha por Bento Gonçalves se deu em razão de contatos via internet com um conterrâneo que já residia aqui há cerca de oito meses. Atualmente, trabalha em uma metalúrgica e mora com outras quatro pessoas, incluindo a mulher e a filha mais velha. A mais nova ainda permanece na América Central. Ela já obteve o visto para vir para o Brasil, porém, a família ainda não conseguiu economizar o valor suficiente para pagar a passagem – que encareceu com a alta do dólar. “Hoje em dia, as coisas melhoraram bastante. No começo, era muito difícil, mas, agora, está bom”, resume. Dorval é o atual presidente da Associação de Direitos Humanos de Imigrantes Contemporâneos, que já conta com 1.800 associados. A entidade é uma ponte entre novos residentes e as lideranças do município e ajuda no processo de adaptação com a nova cultura.

Respeito
Segundo Terciane, educar para a convivência com respeito e para a paz entre os povos é um desafio mundial. “Minha posição é a de que a riqueza cultural está na diversidade. Conhecê-la e compreendê-la nos enriquece como humanos”, complementa.

Não são apenas os imigrantes haitianos e de outros países da África e América Central, que atualmente residem em Bento, que enfrentam dificuldades. Segundo a historiadora, muitos documentos do final do século 19 e início do século 20 demonstram como a diferença cultural gerou conflitos e negociações. “Entretanto, a cultura é sempre dinâmica e resulta do encontro entre diferentes. Creio que hoje, nesse processo, estamos aprendendo e descobrindo como conviver com os mais distintos grupos humanos. Mais do que pertencimento étnico, é preciso lembrar que somos humanos, com direitos e deveres que devem nos orientar na convivência e constituição do tecido social”, ressalta.

Impactos serão avaliados  no futuro
A geografia de Bento Gonçalves está profundamente marcada pela contribuição dos imigrantes italianos e pode ser percebida pela organização da propriedade e estrutura fundiária e pela cultura e tradição ligadas à vitivinicultura. Também há traços no patrimônio material e imaterial cultural, como a gastronomia, o canto coral e a religião. Muitos descendentes ainda mantêm elementos culturais importantes de sua identidade, na alimentação e no artesanato, por exemplo. A vinda dos novos imigrantes também traz suas contribuições para a transformação da sociedade. Como os processos ainda estão em curso, muitos dos impactos serão mais bem avaliados no futuro, segundo a doutora em Geografia e professora da UCS, Ivanira Falcade. “Um dos impactos é na cultura, em vários aspectos, como na língua e na religião. Outro aspecto relevante, diferentemente do passado, é que a grande maioria dos imigrantes atuais permanece nas áreas urbanas e, muitos deles, têm formação técnica ou superior”, observa.

Reportagem: Carina Furlanetto

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