“Impacto do Coronavírus no sistema nervoso pode ser mais devastador do que o impacto nos pulmões”, alerta neurologista

 


Mesmo após um ano de pandemia, o Coronavírus e seus danos no organismo dos pacientes afetados ainda provocam uma série de questionamentos. Além de efeitos como o acometimento dos pulmões, rins e coração, a infecção pelo Coronavírus tem provocado traumas neurológicos e cerebrais ainda pouco conhecidos.  Os exemplos acima foram relatados por bento-gonçalvenses que preferiram não ser identificados. São depoimentos pessoais ou de pessoas conhecidas que apresentaram traumas psiquiátricos durante e/ou após a infecção. Mas o que leva o vírus a causar esses danos? Seriam esses efeitos decorrentes da infecção ou do trauma emocional causado pela situação da pandemia?

Conforme o neurologista Gustavo de David, as estimativas indicam que cerca de 50% dos pacientes diagnosticados com o vírus apresentaram problemas neurológicos. “O espectro de síndromes neurológicas associadas à COVID-19 inclui encefalite (inflamação no cérebro), anosmia (perda de olfato), acroparestesia (sensação de formigamento), aneurisma, acidente vascular cerebral (AVC), síndrome de Guillain-Barré e diversas outras doenças associadas”, cita. O médico ainda comenta que alguns pacientes, meses após a infecção pelo Coronavírus, manifestaram desorientação, perda de memória e alguns quadros neurológicos críticos, muitos resultando em óbito. “O impacto do vírus no sistema nervoso pode ser muito maior e mais devastador do que o impacto nos pulmões”, alerta o neurologista. 


Neurologista Gustavo de David. Foto: arquivo pessoal

Além de afetar o sistema nervoso, novos estudos evidenciaram que o vírus pode chegar ao cérebro, potencializando os danos neurais. Conforme o médico, é possível citar três formas distintas de comprometimento neurológico: consequências neurológicas da doença pulmonar e doença sistêmica associada – encefalopatia e acidente vascular cerebral; manifestações neurológicas causadas pela invasão direta do sistema nervoso central pelo vírus – encefalite e manifestações neurológicas causadas por complicações pós-infecciosas.

Outro ponto ressaltado pelo neurologista é a alteração do sistema imune, que pode levar a manifestações psicopatológicas. “Sequelas psiquiátricas já foram descritas após exposição ao Coronavírus e em epidemias anteriores. Sobreviventes da SARS [síndrome respiratória aguda grave] relataram sintomas psiquiátricos como Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), depressão, transtorno de pânico e transtorno obsessivo-compulsivo em avaliações de seguimento de 1 a 50 meses”, relata o médico. 

Dessa forma, com base em evidências e estudos, profissionais acreditam que o Coronavírus possa levar a sequelas psicopatológicas por consequência da infecção viral diretamente no sistema nervoso central ou, ainda, indiretamente por meio da resposta imunológica. “Levando em conta a evidência prévia a partir de epidemias de SARS e MERS e estudos preliminares em COVID, os autores estudaram a hipótese de que os sobreviventes de COVID-19 teriam um aumento na prevalência de condições psiquiátricas como Transtornos de humor, Transtornos de ansiedade, TEPT e insônia”, exemplifica. 

Caráter emocional

O isolamento, o medo do desconhecido, a rotina exaustiva de cuidados e o excesso de informações muitas vezes inverídicas nas redes sociais, por exemplo, também podem ser fatores responsáveis pelo surgimento de condições psiquiátricas. Essas, conforme o neurologista Gustavo de David, teriam caráter unicamente emocional. Mesmo assim, podem também gerar quadros graves de depressão, ansiedade e pânico, por exemplo. “O importante é buscar o equilíbrio nas emoções: elas não podem ser evitadas, mas podem ser gerenciadas”, aconselha o médico. 

Diante das diversas formas de acometimento do sistema neurológico e emocional dos pacientes, o médico ressalta a importância de buscar ajuda. “Os potenciais efeitos neurológicos de longo prazo da COVID-19 não devem ser negligenciados. Se o SARS-CoV-2 invadir o SNC, as manifestações neurológicas podem reaparecer em indivíduos predispostos após o vírus permanecer latente por um longo tempo”, alerta. “Dessa forma, há necessidade de atenção às manifestações do paciente por longo período, após ter passado pela infecção da COVID-19, como por exemplo, perda de memória, sensação de cansaço a mínimos esforços, cefaleia [dor de cabeça], tonturas, desorientação, entre outros sintomas ainda em observação”, complementa o neurologista.