Inclusão: por oportunidades além da cota

A Coordenadoria de Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência (Caispede) comemora, em agosto, a marca de um ano de seu plano de inclusão no mercado de trabalho. Nesse período, 30 pessoas com deficiência física ou intelectual iniciaram uma atividade profissional, consolidando um passo importante na luta pelo respeito às diferenças. De acordo com o censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 7.090 moradores de Bento Gonçalves possuem limitações auditivas, visuais, intelectuais ou motoras. No entanto, somente 2.655 deles estão cadastrados em algum programa social. 

“Sabemos que muitas dessas pessoas não saem de casa ou não são estimuladas a participar de grupos de apoio”, esclarece o vice-presidente da Associação dos Deficientes Visuais de Bento Gonçalves (ADVBG) e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comudef), Daniel Picoloto Bernardini.

De acordo com a presidente da Caispede, Marise Dorigon Gasperin, a maior dificuldade é posicionar profissionais com alto nível de escolaridade. “Muitas empresas preferem empregar trabalhadores com deficiência na linha de produção. Mas essas pessoas estão se profissionalizando. O que falta é uma política de inclusão e não apenas o preenchimento da cota”, opina, referindo-se à lei federal 8.213/91, que prevê destinação de 2% a 5% das vagas para esse público, conforme o número de funcionários.

A participação ativa de Bernardini na sociedade reflete sua preocupação com a mudança de pensamento do empresariado. Cursando Administração de Empresas e Análise de Desenvolvimento de Sistemas, nunca conseguiu uma oportunidade na área. “O principal problema é a falta de conhecimento da sociedade como um todo. A verdade é que ninguém acredita na capacidade do deficiente. Isso porque desconhecem pesquisas que comprovam produtividade superior dessas pessoas, muitas vezes, em relação aos considerados ‘normais’”, opina.

Exemplos

Limitação não é impeditivo

A lesão no braço direito de Richard William Rosalem (foto), de 19 anos, ocorreu depois de ele contrair meningite, aos oito meses de vida. O bullying sofrido até hoje, no entanto, não o impediu de correr em busca de seus objetivos. 

O adolescente exerce a função de auxiliar administrativo no Colégio Marista Nossa Senhora Aparecida, onde colabora com a organização e intermedia os processos internos, sempre com bom-humor e disposição. Seu maior desejo é ser jogador de futebol profissional. “Não tenho nenhum problema com a minha limitação física. Conheço pessoas consideradas ‘normais’ que não têm vontade de trabalhar e não acreditam em seus sonhos”, observa. 

De acordo com a diretora do colégio, Silvia Pagot Marodin, foi a lei de cotas que possibilitou a admissão de pessoas com algum tipo de deficiência, porém, na história da instituição sempre houve estudantes com as mais variadas restrições. “Temos alunos cadeirantes, deficientes auditivos e visuais. Com as reformas realizadas no prédio, chegamos a 80% de acessibilidade. Em breve será instalado um elevador que possibilitará o acesso a todos os espaços. Há quase 15 anos, quando a escola não possuía essa estrutura, fazíamos um mutirão para subir as escadas com uma aluna cadeirante que ficou conosco desde as séries primárias até se formar”, relata. 

Alegria em pessoa

O sorriso contagiante é a marca registrada do auxiliar administrativo da Rede Apolo de Supermercados, Thiago Turri Consoli, de 33 anos. Ele nasceu com deficiência auditiva em função da rubéola que acometeu sua mãe nos primeiros meses da gestação. Por causa disso, foi uma criança agitada e nervosa, comportamento que refletia a rejeição sofrida em seu meio social. “Houve um período difícil, mas nem sempre foi assim. Tive colegas maravilhosos que me ajudaram muito. Hoje lido melhor com essa situação, pois consigo entender as minhas atitudes”, analisa. 

A valorização profissional e o apoio da família são, para ele, os principais fatores responsáveis por sua felicidade. “Eles são de extrema importância. Sempre tiveram muita paciência e compreensão, nunca me rejeitaram e me amam do jeito que sou”, afirma. 

Na opinião dele, o município precisa desenvolver ainda mais sua política de acessibilidade urbana. “Faltam grupos de apoio para os deficientes auditivos. Se compararmos com Caxias do Sul ou Porto Alegre, estamos muito atrasados. Lá encontro amigos com quem compartilho experiências de vida e realizo atividades compatíveis com a falta da audição”, conta.

Percepções

O SERRANOSSA entrou em contato com mais de 20 empresas de Bento com o objetivo de entrevistar funcionários deficientes físicos ou intelectuais para a produção desta reportagem. Verificou-se que a maioria das indústrias emprega apenas pessoas com leves limitações, a falta de um dedo, por exemplo, como forma de cumprir a lei das cotas. Na maioria das vezes, a equipe recebeu resposta negativa sob a alegação de “evitar constrangimentos à família”.

Reportagem: Priscila Boeira


É proibida a reprodução, total ou parcial, do texto e de todo o conteúdo sem autorização expressa do Grupo SERRANOSSA.

Siga o SERRANOSSA!

Twitter: @SERRANOSSA

Facebook: Grupo SERRANOSSA

O SERRANOSSA não se responsabiliza pelas opiniões expressadas nos comentários publicados no portal.