Inventário apontará mudanças na paisagem histórica
Até o final do ano, Bento Gonçalves deverá ter um diagnóstico de como o crescimento da cidade interferiu na preservação do patrimônio histórico nos últimos anos. Iniciada em 2013, a revisão do inventário que lista as edificações com interesse de preservação segue em andamento pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb) e, além de apontar as mudanças nos bens catalogados na primeira versão do documento – elaborada entre 1994 e 1996 –, indicará a necessidade de inclusão de outros imóveis.
Fruto de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a prefeitura e o Ministério Público (MP) ainda em 2011, e atualização do material servirá como um balizador para as próximas intervenções em locais que possam ser considerados de relevância histórica. Embora estejam proibidas as demolições de edificações que se enquadrem nesse perfil, outras ações ainda podem ser autorizadas, como a manutenção parcial de algumas estruturas – em alguns casos, apenas a fachada fica de pé.
O novo inventário também deverá servir de parâmetro para uma nova lei sobre o tema, abrangendo de forma mais detalhada um assunto que hoje tem como principal referencial o Plano Diretor elaborado em 2006. Mesmo que possa trazer novidades, a revisão não indicará, obrigatoriamente, um “engessamento” total, impedido que novas construções ganhem espaço.
Por outro lado, a medida estabelecerá critérios mais específicos para determinar até que ponto os imóveis poderão sofrer interferências em sua estrutura original. “A preservação não tem que significar um congelamento da cidade. E é exatamente por isso que precisamos pensar de forma mais ampla, e não apenas analisar casos isolados. O olhar macro pode nos apresentar um motivo, e as situações isoladas podem nos trazer apenas impasses. Temos que considerar o planejamento urbano e entender que não se trata apenas de antiguidade, é uma questão de processo histórico”, destaca a arquiteta Cristiane Bertoco, presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc). Atualmente, é o colegiado, formado por entidades de classe representativas e membros do Poder Público, que analisa cada pedido.
Área central
O foco dos trabalhos se volta agora para a área central de Bento, principalmente em vias como a Marechal Floriano, Marechal Deodoro e Saldanha Marinho, que com poucas exceções deverão ter praticamente todas as edificações inseridas na nova edição do inventário. “As construções da época de 1900 são excepcionais e já estão protegidas. Mas isso não tira o valor de muitas outras de períodos como 1950 em diante”, acrescenta Cristiane.
Outro aspecto que ganhará destaque na atualização do documento é a inclusão de patrimônios empresariais, que desde o Plano Diretor já figuram como edificações de interesse patrimonial, mas ainda não estavam presentes no inventário. Nesta lista, estão, por exemplo, locais como a Cooperativa Vinícola Aurora, o Moinho Tondo, o Clube Ipiranga e o Parque de Eventos da Fundaparque.
Roteiros
Se a análise do desenvolvimento na zona urbana pode indicar a perda de muitos imóveis de importância histórica nos últimos anos, a avaliação no meio rural parece ser mais positiva. Cristiane destaca que, apesar de muitas propriedades do interior do município estarem mais propensas à deterioração, a criação de rotas turísticas como o Caminhos de Pedra, por exemplo, impulsionou importantes iniciativas de conservação. “Nós somos muito reconhecidos pelos roteiros como um exemplo de preservação. Eles são, ao mesmo tempo, o valor e a solução. O que mais tem surpreendido nesse trabalho de revisão é que tínhamos a expectativa de que muita coisa a mais tivesse se perdido. Felizmente, não foi tanto assim”, completa a arquiteta.
Por fim, a presidente do Compahc ressalta que, na sua opinião, é preciso que a população bento-gonçalvense também abrace causas de proteção ao patrimônio e acompanhe de perto o andamento de empreendimentos que possam interferir em imóveis que guardam consigo parte da história da cidade. “A manifestação da comunidade é essencial para a preservação. E não faz sentido pensar em preservar se não for para a própria sociedade. É ela que tem que manter essa vigilância”, conclui Cristiane.
Perda sempre lamentada
Na área central, uma das construções de grande relevância histórica para o município, e que mais teve a sua perda lamentada nas últimas décadas, foi o palacete que ficou conhecido como o “Solar dos Mônaco”. Erguido na esquina das ruas Saldanha Marinho e Ramiro Barcelos, a edificação foi concluída em 1928 e nasceu para ser residência do médico Bartholomeu Tacchini, ficando justamente em frente ao primeiro prédio do hospital que hoje leva seu nome. Em 1934, a propriedade foi vendida à família Mônaco e teve algumas modificações em sua estrutura, com a inclusão de uma peça frontal e um anexo nos fundos. No começo da década de 1980, o Solar foi demolido às pressas para dar lugar a uma galeria comercial, durante um fim de semana de Carnaval, “sem que as autoridades municipais movessem um dedo pela sua preservação”, como conta o pesquisador Ademir Bacca, em uma das histórias do livro em que atualmente trabalha. “Registre-se a incansável luta do Dr. Amélio Casagrande (proprietário de um imóvel em frente, hoje tombado como patrimônio histórico) pela preservação do Solar dos Mônaco, que, infelizmente para a história do município, não encontrou eco junto às autoridades que poderiam ter impedido a sua demolição”, completa o texto de Bacca.
Reportagem: Jorge Bronzato Jr.
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