Jovem de Bento na final da Olimpíada de Português

A única representante gaúcha na etapa final da Olimpíada Nacional de Língua Portuguesa na categoria “Memórias Literárias” foi de Bento Gonçalves. Bruna Curzel, de 14 anos, aluna da escola Santa Helena, esteve em Brasília nesta semana, onde disputou a medalha de ouro com outros 37 estudantes de todo o país. O 1º lugar acabou não saindo, mas a jovem assegura que a experiência valeu a pena. “A sensação é ótima, estou realizada com todo o trabalho feito”, garante. 

A participação iniciou com a etapa escolar. Depois de ter seu texto selecionado entre os melhores do município, Bruna concorreu na fase estadual, julgada em outubro. No mês seguinte, partiu para Maceió, onde recebeu a medalha de prata pelo nível regional. 

O texto que a aluna escreveu para participar é o mesmo desde o início do concurso. Ele foi apenas sofrendo pequenas alterações ao longo de cada etapa. As últimas adaptações foram feitas nas oficinas das quais Bruna participou quando esteve na capital alagoana. “Integramos atividades de melhorias textuais, mas pouca coisa foi alterada da versão original. É um trabalho muito bom”, elogia a professora de Português da estudante, Claudete Rigo, que a acompanhou ao longo da olimpíada, inclusive nas viagens interestaduais. 

Com a definição do tema “O lugar onde vivo”, os alunos do 7º e 8º ano da escola Santa Helena escreveram sobre a história da bento-gonçalvense Celita Terezinha Todeschini Fontanari. Aos 85 anos, a filha do proprietário da fábrica de acordeões Todeschini contou aos estudantes um pouco sobre a história do município a partir da década de 1930 (confira o texto escrito por Bruna abaixo).

O resultado final foi divulgado na última quarta-feira, dia 17, em Brasília, para onde a aluna, a professora, a diretora da escola e a mãe da menina partiram ainda na manhã de terça. Bruna contou que estava se sentindo ansiosa e responsável por representar os colegas e o Estado. “Ficamos com a medalha de prata, mas o conhecimento e o que vivenciamos vale ouro. Percebemos que podemos melhorar cada vez mais”, declarou Claudete, após a divulgação do resultado – que foi comemorado, da mesma forma, com os outros participantes na capital brasileira.


A Olimpíada

A Olimpíada de Língua Portuguesa é um projeto do Ministério da Educação e da Fundação Itaú Social. “A proposta tem uma sequência didática preparada por especialistas para aplicarmos ao aluno, que está sempre aberto a esse tipo de orientação. Eles são muito capazes, precisamos apostar neles. A resposta é gratificante”, afirma a professora Claudete. “Este resultado me deixa feliz por mostrar que podemos desenvolver bons trabalhos em escola pública”, conclui.

Texto escrito por Bruna Curzel:

“Só restou a música

Trazer à tona vivências tão profundas como as que vou contar me faz um bem danado. São memórias muito antigas, assim como eu. Brotam do meu peito como boas lembranças da época em que as vivi. Histórias regadas de sonhos e de amor pela música.

Falar do nome Todeschini é falar da minha cidade, Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Esta cidade que hoje vive da uva, do vinho e dos móveis, já viveu da música.

Na década de 30, meu amado pai Luís Mateus Todeschinifoi, de amante dessa arte a dono de uma fábrica de acordeões que se consagrou no cenário musical e se tornou grande e única.

Fui apresentada as notas musicais antes mesmo de ser alfabetizada. Uma paralisia infantil comprometeu meu andar e atrasou minha ida à escola. Isso fez com que papai me introduzisse bem cedo a esse fascinante mundo. Conduzia-me pela fábrica e eu observava quietamente a delicada e suave construção de um acordeão.

Pequena ainda, já era uma artista! Sim, uma artista! Aos oito anos ganhei de meu pai um acordeãozinho cor de rosa e já ensaiava algumas notas. Tive vários, eu crescia e o tamanho deles também. Crescia também minha paixão pela música.

Uma pianista do Rio de Janeiro veio conhecer os acordeões, encantou-se, aprendeu a tocar e ficou para ensinar. Dava aula no hotel Paris, para mim e para outras meninas. Era um orgulho para as famílias daquela época ter uma filha que tocasse acordeão. Sabe onde hoje é a Via Del Vino? Lá ficava o hotel Paris, ao lado da Prefeitura. Lindo! À entrada, longos tapetes de veludo vermelho evidenciavam todo o “glamour” do hotel. Eu não perdia uma aula. Minha cabeça voava no embalo das notas musicais limpas e harmoniosas saídas dos acordeões que ainda hoje estão vivas em minha memória querendo ressurgir e fugir a cada música que ouço.

Agora Bento é cidade grande, mas naquela época, era pequena que nem sei! Só havia duas ruas: uma que levava pro morro, atualmente Cidade Alta, onde ficava a nossa casa e a Fábrica; outra no centro, a Marechal Deodoro aparecendo a Igreja com a torre do sino que, com suas badaladas, aos domingos, acordava a gente pra missa. E os casarões… Ah! Os casarões da Marechal Deodoro! Arquitetura belíssima, de alvenaria ou de madeira, abas bordadas com lambrequins. Causavam uma bela impressão…E que impressão! Dói saber que hoje pouco restam. Foram substituídos por prédios, prédios e prédios.

Também no centro, no final da rua, ficava o Clube Aliança. Lá acontecia a vida social da cidade. Era o sonho de todas nós, meninas, frequentá-lo para dançar. Lembro-me da primeira vez que entrei no Clube, junto de meu pai. Mamãe havia me preparado com vestidinho de tafetá, godê, com um laçarote amarrado às costas. Dançava-se valsas, tangos… E a minha preferida: milonga. Era abrir o acordeão, soltar a primeira nota, todos pegavam seus pares e se colocavam no meio do salão. Bailávamos sem parar, até amanhecer.

Bons tempos aqueles. Os anos que se seguiram foram de glória para o Clube Aliança, para a fábrica de acordeões, para a cidade e para minha vida.

Entretanto, no final dos anos 60 e início de 70, com o violão e a guitarra, a procura pelos acordeões caiu. Mas nada, nem meus piores pesadelos me levaria a imaginar o que iria acontecer. Agosto, sexta-feira 13, 1971, aquela imensa fábrica rodeada da magia vinda do encanto de produzir acordeões virou em cinzas. Um pequeno grande descuido levou tudo às chamas por três dias. Foi um fato que silenciou a minha vida e principalmente, a vida da minha cidade.

Assim como a Fênix, a fábrica renasceu, não mais de acordeões, mas de móveis. Hoje, quarenta anos depois, a Todeschini de móveis não pertence mais a minha família, mas as memórias e as lembranças da linda época em que tive oportunidade de viver ninguém poderá me tirar.

A Todeschini de acordeões está descansando debaixo do asfalto, das casas, dos prédios e de tudo o que para mim passou a ser novo no decorrer do tempo. Sobrou a música em minha vida e, o orgulho de carregar este nome que é a marca da cidade onde vivi e vivo, que com minhas meras palavras conhecidas por um vocabulário pequeno não consigo explicar.” 

Reportagem: Priscila Pilletti


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