Juiz da 1ª Vara Civil aposta na virtualização do Judiciário para atender alta demanda de processos

O SERRANOSSA recebeu na semana passada a visita do juiz Carlos Koester, que assumiu a titularidade da 1ª Vara Cível de Bento Gonçalves no dia 08/02. Natural de Augusto Pestana, no noroeste do Estado, Carlos ingressou na magistratura em 1997 e desde então já atuou em São Borja, Iraí e Nova Prata.
Nesta entrevista, ele comenta sobre a situação da comarca que assumiu, as mudanças impostas pela pandemia e, ainda, opina sobre a relação do Judiciário com a sociedade. Confira trechos da entrevista, que pode ser conferida de forma completa em vídeo na fanpage do SERRANOSSA.


 

SERRANOSSA: Gostaria de saber como surgiu a oportunidade de vir a Bento Gonçalves e como têm sido estes primeiros dias aqui na cidade?
Carlos Koester:
A última comarca que atuei foi em Nova Prata, onde fiquei por 14 anos. A remoção para Bento foi através de promoção. Tenho vários amigos aqui e mantenho proximidade com aqueles que deixei em Nova Prata. E, em Bento, também tenho a oportunidade de atuar na área cível, pois há 25 anos estou na área judicial, que basicamente atende de tudo: cível, criminal, júri, execução criminal, eleitoral, enfim, e agora se restringe apenas a cível. Sempre fui muito exigente com meu trabalho e o objetivo sempre é prestar o melhor serviço para a comunidade.

SN: O senhor assume a titularidade da 1ª Vara Cível e em Bento nós temos três varas cíveis. Qual a diferença das três e como são divididas estas demandas? 
Koester:
As demandas das áreas cíveis são distribuídas de maneira igualitária entre as três. E dentro da área cível entra falência, execução fiscal, comercial, família, enfim. Só para ter uma ideia, a 1ª vara, que acabei de assumir, está com 13 mil processos e a segunda e terceira, cada uma com 10 mil, ou seja, temos aproximadamente 33 mil processos nas três. 

SN: Tendo em vista essa alta demanda de processos, como se define o que é prioridade e urgente? 
Koester:
Tem algumas prioridades que decorrem de lei, como os processos que estão nas metas do Conselho Nacional de Justiça e são processos muito antigos e que estão esperando uma solução, um julgamento. Tem a questão dos processos que envolvem idosos e ainda tem aqueles que são urgentes por conta da sua natureza, como uma ação de medicamento, que exige uma rapidez porque é uma questão de saúde. Outra prioridade são as liminares, que têm que ser enfrentadas rapidamente, como foi o caso da Feira Ecológica, que, se analisada na semana seguinte, não teria nenhuma utilidade. Mas depois disso o processo pode entrar na fila de espera como qualquer outro.  Em um universo muito grande de processos, a gente acaba tendo que escolher as prioridades dentro das próprias prioridades e acabamos observando a consequência de uma eventual omissão daquele processo.

SN: E como vocês têm enfrentado essa situação de alta demanda e toda a morosidade do Judiciário?
Koester:
O Judiciário tem tentado de todas as maneiras contornar essa situação e uma delas é a virtualização de todos os processos judiciais. O processo físico ele é jurássico, que já deveria ter sido eliminado há muito tempo. Porque se nós pensarmos nas diversas tarefas que o processo físico exige é surreal e inviável. Um processo já dá trabalho, agora multiplica por mil. No início da pandemia, os processos físicos tiveram seus prazos suspensos, pois o papel seria uma fonte de transmissão. Mas hoje já temos uma aceleração da forma eletrônica.

SN: Mas por outro lado, há certa insegurança, tendo em vista o ataque hacker no último dia 28/04 ao Tribunal de Justiça do RS, que levou, inclusive,  a suspensão dos prazos processuais. Essa situação já foi normalizada?
Koester:
É o efeito colateral da modernização.  A virtualização dos processos é algo irreversível. Estamos ainda engatinhando. Quando iniciei na magistratura, o tribunal nem disponibilizava computador. Na sala de audiências em 1997 era tudo feito na máquina de escrever e a gente podia ouvir no máximo sete pessoas por dia. Com o tempo, com a possibilidade de gravar as audiências, já dava para ouvir 30 pessoas por dia. A inovação tecnológica é essencial para diminuir a morosidade. Hoje estamos utilizando Eproc, sistema 100% virtual, que contempla o maior número de processos e agiliza muito. O ataque cibernético paralisou o sistema, mas hoje o acesso externo é muito mais rígido e em breve o tribunal deve regularizar a situação. Todos nós, todos os dias, estamos suscetíveis a riscos, quando se usa celular, computador, mas é um efeito colateral das evoluções tecnológicas. Mas é isso ou voltar para o papel. E eu prefiro o virtual.

SN: Como o senhor analisa a relação do Judiciário com a sociedade?
Koester:
O Brasil legisla para tudo. Por exemplo, o que mais me chamou atenção foi quando foi instituído o Estatuto do Torcedor. Precisamos de uma lei para dizer como o torcedor deve agir! Estamos nos preocupando demais com leis e esquecendo o princípio. A lei não vai ter a capacidade de regrar todos os fenômenos sociais e todas as particularidades que uma sociedade produz. Não é humanamente possível e também não podemos engessar as pessoas. A lei sempre vai ter lacunas. Se tivéssemos o princípio impregnado na nossa cultura, não pensaríamos como contornar uma lei e sim o que posso fazer para me manter dentro dela. Precisa de uma lei para dizer que é errado ouvir som alto? Será que não é um problema de princípio, onde basta pensar que eu posso incomodar meu vizinho com o barulho? E pensando nisso, nós, do Judiciário, temos que preencher algumas lacunas. Temos que analisar as situações aplicando a lei. E hoje o que vejo no Brasil são ataques às instituições democráticas do país de todos os lados, seja por decisões do STF ou da União. É complicado. As instituições podem não ser perfeitas, mas podem ser aprimoradas e quem faz isso é o povo através do voto.