Lições de bom humor e otimismo
“Na hora em que você recebe a notícia tem duas escolhas: ou abaixa a cabeça, desiste e murmura ou olha para cima e luta para vencer. E foi isso que eu fiz”, ensina Irete Mileski da Silva, de 45 anos, que em 2013 descobriu um tumor na mama esquerda e, dois anos depois, um nódulo na axila. Para o enfrentamento das doenças buscou forças na fé e contou com apoio da família, sobretudo da irmã Claudete Mileski Zelbrasikowoki, 56 anos, que já havia passado por dois diagnósticos semelhantes – na mama esquerda em 2002 e na direita, dez anos depois. Quem convive com as duas garante que o bom humor e o otimismo sempre foram constantes, mesmo nos dias mais difíceis do tratamento. É com um largo sorriso no rosto que elas compartilham suas trajetórias de superação.
Naturais de Alpestre, as duas residem em Bento Gonçalves há 40 anos. Com cerca de 30 casos de câncer na família, sempre souberam que a prevenção era uma grande aliada. E foi no autoexame, realizado durante o banho, que elas descobriram as alterações nas mamas. “É certo que levei um susto, mas fiquei mais tranquila porque estava cuidando de uma prima mais nova. Ela estava muito mal e eu fiquei cuidando dela até o último dia”, conta Claudete, explicando que durante esse período já havia detectado um caroço, mas deu prioridade para a prima e só fez o exame posteriormente. Em menos de um mês após a confirmação, iniciou o tratamento que durou cerca de um ano, todo via Sistema Único de Saúde (SUS). Foram seis sessões de quimioterapia e 30 de radioterapia – nos dois diagnósticos – sendo necessária a retirada apenas dos quadrantes das mamas afetados. Por conta da imunidade baixa, Claudete precisou ficar mais reclusa, evitando grandes aglomerações.
Apenas na segunda vez, quando a terapia foi mais agressiva, é que Claudete começou a perder os cabelos. O médico já havia alertado que o efeito colateral ocorreria 15 dias após a primeira sessão. Sem perder o bom humor, antecipou o processo e saiu do salão de beleza com as mechas bem curtinhas. Até tentou usar peruca, mas como era verão sentia muito calor. Os lenços e chapéus dos quais lançou mão logo depois repassou para a irmã, que ficou careca por duas vezes.
Fé e autoestima
Segundo as irmãs, a grande responsável por tornar a batalha contra o câncer mais suportável foi a fé. Apesar de seguirem religiões diferentes – Claudete é católica e Irete, evangélica – as duas apegaram-se ao mesmo propósito e respeitam a crença uma da outra. “Toda mulher é uma mulher valorosa. É preciso ter força para erguer a cabeça em qualquer dificuldade. Deus é um Deus de cura, de milagre, quando estamos lá embaixo, se buscarmos Deus e nos prostrarmos diante Dele, Ele vem com as mãos e nos coloca de pé, nos faz vencer. Foi Ele quem me curou através das mãos dos médicos. Eu não tenho medo da morte, eu queria viver, não aceitava a enfermidade. A gente não sabe como o Senhor vai agir. Talvez tenha sido uma decisão de um médico ou de um remédio certo. Tudo isso foi plano de Deus”, acredita Irete. Segundo ela, sua fé era tão grande que até os especialistas que a operaram relatam terem sentido uma paz durante os procedimentos. “Cada vez que eu entrava em uma mesa de cirurgia, antes de dormir eu pedia para ser operada por Jesus”, acrescenta.
Apesar da boa imunidade, o tratamento de Irete foi mais agressivo. Além das quimioterapias e radioterapias, precisou retirar toda a mama afetada pelo tumor. De forma preventiva, também foi orientada a fazer o mesmo na mama direita. Ela foi a primeira mulher em Bento Gonçalves a realizar a cirurgia de reconstrução imediata após a mastectomia pelo SUS. “Fui tratada como uma princesa”, afirma.
Irete encarou as doenças como uma oportunidade de levar o amor de Deus para os outros pacientes. “Quando a gente frequenta a oncologia, vê muita gente sofrendo, principalmente na radioterapia”, comenta. Em especial, ela recorda de um senhor, sempre vestido com trajes gaúchos, que parecia bastante abalado. Ela já estava saindo do setor, após terminar a sua sessão, mas sentiu que precisava voltar para falar com ele. “Por isso eu digo que Deus tem um propósito para a vida da gente, que ele usa a gente como ele quer. Eu tive oportunidade de conversar com aquele homem, disse que era para ele ter fé, ser firme e não ter medo, porque o que impede a cura e a fé é o medo”, lembra.
Ao longo dos dois tratamentos foram mais de sete cirurgias – incluindo uma no braço esquerdo, por conta de uma fratura em quatro lugares. Ela ainda tem outros procedimentos pela frente, como a reconstrução do mamilo. Ela conta que se decidir submeter-se ao procedimento, o marido João a apoia, embora diga que a ama independente das sequelas deixadas pelos tratamentos. Apesar dos percalços, ela garante que não tem do que reclamar. “Eu louvo a Deus até pela dificuldade. Quando eu mais aprendi a dar valor à vida, quando eu mais tive crescimento como ser humano, foram nesses últimos anos. Eu sempre fui feliz, nunca deixei a tristeza entrar no meu coração. Nem quando eu me olhava no espelho sem mama, careca, inchada”, assegura.
Um batom vermelho, um belo par de brincos e um salto alto eram a receita de Irete para manter a autoestima elevada durante as terapias. “É a autoestima que nos faz bela”, complementa Claudete. Ela também relata que as doenças a fizeram ter um olhar diferente sobre a vida. No primeiro diagnóstico, quando iniciou o tratamento em Caxias do Sul, entre as mulheres que encontrou, recorda de uma de 26 anos, já mãe, e sem as duas mamas. Quando foram trocar de roupa juntas, Claudete não conseguiu deixar de reparar nos mais de 20 cortes que ela tinha na região do peito. “Não é por qualquer coisinha que a gente tem que reclamar da vida”, comenta.
Entre os vizinhos, ganhou o apelido de guerreira devido à sua forma de encarar os problemas. Se algum conhecido passa por uma situação semelhante, ela logo se dispõe a levar uma palavra de conforto e dar a força necessária para seguir com o tratamento. “A melhor coisa é se abrir com as pessoas. Não podemos nos fechar, não receber ninguém e não querer falar. Se você fala sobre isso para alguém, fica muito aliviada”, garante.
Família
Se Deus sempre esteve em primeiro lugar na vida das irmãs e o amor próprio em seguida, o apoio da família e dos amigos era o terceiro pilar. Claudete lembra que era a filha Cinara, apesar de ainda adolescente, quem lhe ajudava a trocar os curativos. A partir de então, decidiu que queria seguir carreira na área da saúde. Hoje, aos 31 anos, é auxiliar de enfermagem no Hospital Divina Providência, em Porto Alegre, e está se especializando para trabalhar na radioterapia. O filho Everaldo e o marido, Dorvalino, também deram apoio e foi graças aos diagnósticos que o marido também passou a ser mais assíduo nas consultas médicas. “É importante não procurar um médico só quando se está doente e fazer os exames preventivos. Quando se descobre a doença o pior não é o medo de não se curar, mas enfrentar o mal-estar, pois os tratamentos são fortes”, observa.
Irete também agradece o apoio que recebeu dos familiares, que inclusive lhe ajudaram a cuidar das filhas Marina, hoje com 16 anos, e Mariana, com sete. “A Marina teve que crescer de repente, cuidar de mim, tomar conta da casa. Ela teve que me ajudar a tomar banho, dar medicação. Foi um crescimento em toda casa. Para o meu esposo, em primeiro lugar vinha a empresa. Hoje já não. Deus sempre tem um propósito para estruturar a família”, acredita. “Deus colocou pessoas maravilhosas na minha vida. Não tenho nada do que me queixar. Agradeço a cada respirar, a cada passo que dou. Sei que Deus está comigo. Eu não perco nenhum segundo se eu tenho oportunidade de ser feliz”, finaliza.
A informação salva vidas
Outubro Rosa é uma campanha de conscientização realizada por diversos entes no mês de outubro dirigida à sociedade e às mulheres sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama. O movimento surgiu em 1990. O nome remete à cor do laço rosa que simboliza, mundialmente, a luta contra o câncer de mama.
Integrando as ações da campanha, na última semana a Liga de Combate ao Câncer de Bento Gonçalves promoveu um esclarecedor debate acerca de mitos e verdades a respeito da doença. O primeiro mito derrubado foi sobre o fato de a doença estar mais propensa a mulheres com histórico da enfermidade na família. “Qual o primeiro fator de risco para o câncer de mama? Ser mulher”, disse o médico mastologista Ricardo Boff. Segundo ele, mais de 75% dos casos não têm qualquer relação com histórico familiar e, nas últimas duas décadas, vêm crescendo as ocorrências da doença em mulheres com menos de 50 anos, com índices que chegam a 25% dos casos – um número preocupante, uma vez que o sistema público de saúde só faz rastreamento mamográfico após essa idade. A recomendação é que as mulheres façam mamografias anuais a partir dos 40 anos e, caso exista histórico familiar, é importante procurar um médico para avaliar o risco de desenvolver a doença.
Boff também sepultou outros mitos, como os relacionados a mamas grandes – o tamanho não é fator de risco –, a traumas na mama – pequenas batidas não causam a doença – e à mamografia – ela não é prejudicial à saúde, pois a dose de radiação recebida é segura. “Fazer mamografia uma vez por ano não dá câncer de tireoide, com se difundiu. A dose de radiação que vai para a tireoide é muito menor da que vai para a mama, que já é segura”, reforçou o radiologista Lourenço De Carli.
Ele também reforça os conceitos sobre conhecimento com forma de prevenção. “Para tudo na vida a gente vai ter facilidade de lidar quando conhecemos nosso adversário”, disse. Para ele, a adoção de hábitos saudáveis de vida, com alimentação equilibrada e exercícios físicos, ajudam como forma de prevenção, já que não há controle sobre outros fatores de risco como idade e questões genéticas e hormonais. Por isso, o autoexame e a mamografia – capaz de detectar o tumor antes mesmo de ele se tornar palpável – são imprescindíveis como forma de diagnóstico precoce. “O tamanho do câncer tem grande importância. Se o tumor for de até um centímetro, a chance de cura é de 95%”, comentou De Carli, reforçando que a doença mata entre 14 mil e 15 mil mulheres a cada ano no Brasil.
Para a mastologista Cídia Mazzocatto, a mamografia precisa ser realizada por profissionais capazes. “É nas mãos do radiologista que está o diagnóstico precoce”, disse. “Não adianta fazer mamografia de má qualidade, mamografia barata não é a melhor. Muitas vezes, é melhor a paciente não fazer a mamografia do que fazer mamografia malfeita e sair com a impressão de missão cumprida”, alertou. O patologista Guilherme Coelho fez questão de afirmar que o câncer é sempre uma doença genética. “Calma, não se assustem. Genético não é a mesma coisa que hereditário. Não quer dizer que tendo uma doença genética a gente vai nascer com ela e nem muito menos passar ela de pai para filho. Câncer é uma doença genética porque ela começa nos genes de uma célula que sofre uma alteração, o que vai fazer ela crescer de maneira desordenada até formar o tumor”, afirmou.
A agenda da Liga de Combate ao Câncer para o Outubro Rosa prevê, também, outro encontro técnico no dia 30 de outubro, quando o especialista José Luiz Pedrini, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, traz o tema: Celebrando a vida: Onde queremos chegar e como fazemos para chegar lá? As atividades ocorrem no auditório do CIC-BG, a partir das 18h, com inscrições gratuitas – mas as vagas são limitadas. Informações sobre a participação podem ser obtidas pelo telefone (54) 3451 4233.
Esta é a 49ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito.