Luto como processo de recuperação pelo viés do amor
A morte de alguém próximo, que amamos, configura-se como a experiência de morte em vida. Em virtude dos vínculos que formamos ao longo da existência, a nossa parte, que é a parte conectada ao outro, parece também morrer diante da experiência de perda. Logo, podemos pensar que a morte do outro faz com que nos deparemos com a experiência de perda de parte de nós mesmos – isto porque estamos falando sobre os laços de afeto, segurança, proteção, carinho e proximidade que construímos ao longo do tempo com todos aqueles que amamos ou que, de algum modo, queremos bem.
Observemos, no dia a dia, que a perda e sua assimilação constituem elementos contínuos do processo de desenvolvimento. Apenas podemos evoluir à medida que passamos por transformações que nos permitem renovar, recriar. Isto não significa que, para crescermos, precisamos passar por situações dolorosas, como costumamos pensar. Pudéramos, nós, crescermos sem sentir dor. Entretanto, a primeira dor emerge imediatamente ao nascer. Afinal, sair do quentinho e confortável útero da mamãe, para ter de aprender a respirar, exercendo um esforço sem tamanho em uma dimensão de tempo e espaço totalmente desconhecida, provavelmente deixa o bebê perdido e, sobretudo, com medo.
A experiência do luto é semelhante: a morte de quem amamos nos faz desacomodar da rotina, sair da previsibilidade. Coloca-nos diante da impotência perante a finitude humana. Lança-nos para um lugar novo, confuso, assustador. Ficamos atordoados, tentando negociar com a vida e com a morte, em uma busca desenfreada por referências conhecidas, capazes de fornecer respostas… Que nunca parecem suficientes, pois não trazem a pessoa de volta. Porque, convenhamos, o que queremos mesmo é a pessoa, tal como conhecemos… Igualzinha e perto da gente.
E, por algum tempo, as coisas podem ficar deste jeito, tendo nosso desejo atrelado à proximidade do outro, aos questionamentos e dúvidas, às lembranças que ferem sem piedade. A transformação da dor, assim como a experiência do luto, é um processo. Precisa de tempo, paciência, ajuda, para poder se adequar à nova realidade e às mudanças. Afinal, a dor do luto é também a dor da mudança. Assim como o bebê esforça-se para aprender a respirar, nós também precisamos enfrentar as perdas da vida, sentindo, compreendendo, compartilhando e, sobretudo, buscando novas possibilidades, caminhos para aprender com o desconhecido, da mesma forma como fomos ensinados a lidar com as separações e demais perdas do ciclo vital. E preciso dizer: nós podemos tantas coisas!
A força que, com o tempo, vai ressurgindo, mostra que somos capazes de ultrapassar todas as barreiras da dor. A experiência do luto nos convida a reavaliar uma série de constructos que, talvez, nem estivessem mais fazendo sentido. Logo, precisamos sempre refletir sobre os significados que atribuímos às coisas e às pessoas que amamos. Esta é a maior construção para a recuperação: manter o amor nosso de cada dia conectado pela presença de dentro para fora, pela lembrança que aproxima e que faz com que a saudade acompanhe e dê movimento para a vida. Isto, porque a morte é a última página, do último capítulo, do livro da existência. Todo o resto precisa ser escrito pela vida.