Luto não reconhecido: quando a perda não tem endereço

Nem toda perda gera sentimento de pesar e luto. Contudo, um luto provém de uma perda e é inevitável na medida em que perdemos alguém que amamos muito ou algo que desejávamos preservar. Por mais que tenhamos consciência sobre a morte, dificilmente estaremos preparados para lidar com ela. Afinal, o luto implica atravessar mudanças em diferentes dimensões, sejam elas de ordem física, psíquica, espiritual, social.

Agora, imaginemos perder alguém e não podermos falar sobre o que estamos sentindo. Ou, então, ao falar, não sermos compreendidos em nossa dor. Sermos taxados de inadequados, como se não devêssemos estar sentindo, muito menos expressando a tristeza. Estamos falando de um luto, entre diferentes tipos, chamado de “luto não reconhecido” – e ainda pouco estudado atualmente. Esse termo foi cunhado pelo Professor de Gerontologia, especializado em temas relativos à morte e ao morrer na Universidade de New Rochelle (EUA), Kenneth Doka, que o descreveu como uma perda não validada e que não pode ser reconhecida socialmente, seja porque publicamente não é aceito ou entendido que se sofra por determinada perda, seja porque o próprio enlutado não se permite vivenciar sentimentos de tristeza e pesar.

Algumas categorias que enfrentam a falta de reconhecimento no seu luto são: perda de animais de estimação, perda de um(a) ex-parceiro(a), perda de amigos, abortos, perdas perinatais e neonatais, suicídio, perdas no período da pandemia e sem a possibilidade de ritualização. Há também o luto não reconhecido por perdas que não são exclusivas por morte, mas que têm um significado simbólico agregado e que também podem gerar o pesar, sendo eles: perda de emprego, aposentadoria, adoecimento e incapacidade física, términos de relacionamento, mudanças de cidade, estado ou país. Mesmo as transições de vida, que podem ser aparentemente positivas como, por exemplo, uma formatura ou um casamento, podem gerar sentimento de luto, devido à perda do status anterior, das mudanças que virão a seguir. E todas elas têm, em comum, o não reconhecimento do luto, em virtude de que as pessoas não conseguem entender por que há o sofrimento, se poderiam fazer isso ou aquilo, se estão vivendo um momento considerado feliz, etc.

Portanto, é fundamental que possamos pensar formas de enfrentar o luto de maneira que o enlutado se sinta livre para conseguir expressar o seu pesar. Buscar espaços ou outras pessoas que deem conta de escutar e validar o luto sem julgamentos (e que não necessariamente seja dentro da família), frequentar grupos de apoio ao luto que permitam a identificação entre os participantes e o compartilhamento da dor num ambiente seguro de cuidados, buscar ajuda profissional junto a alguém que tenha competência e disponibilidade emocional para acolher, escutar e instrumentalizar. São algumas formas de autorizar o sentir, que é tão importante para a elaboração do luto e reinvestimento na vida e no viver. Afinal, quando falamos, damos lugar e organizamos a nossa casa interna.