Memórias do Cárcere

Desde há muito venho dizendo que estamos passando por um momento ímpar. Porém, ao que me parece, concluindo, necessário. E digo concluindo mesmo sem saber se estamos chegando ou não ao seu fim, mas a título de conclusão.

Graciliano Ramos, escritor brasileiro que fez parte da segunda fase da corrente de escritores denominada Modernismo, compartilhada com escritores do naipe de Raquel de Queiroz e Jorge Amado, e autor de obras como “Vidas Secas” e “São Bernardo”, todas elas retratando as mazelas do nordestino e as dificuldades do sertanejo brasileiro, escreveu também uma obra chamada “Memórias do Cárcere”. Obra essa, inacabada, e publicada após a sua morte, no mesmo ano de 1953, como última obra.

Contextualizemos!

Graciliano Ramos foi preso, segundo relatos históricos, em março de 1936, acusado de ter laços com o Partido Comunista Chinês, onde foi mantido até janeiro de 1937. Nesse período, claudicou por diversos presídios do Rio de Janeiro, donde surgiu inspiração para escrever passagens de sua vida que, posteriormente, foram denominadas “Memórias do Cárcere”.

Composta de quatro volumes, relata, em amarga narrativa, acontecimentos de sua vida e das vidas de outros encarcerados, com narrativas, também segundo relatos históricos, o mais próximo da realidade. Obra essa que restou inacabada. Não há, por Graciliano Ramos, um fechamento para o livro, um capítulo de encerramento, um gran finale.

Talvez a vida e a história estejam nos dando uma segunda chance de escrever um final para essa obra. Mas em que tom, Thiago, já que a narrativa inicial é amarga e repleta de dissabores? Bom, respondo: o tom do final da nossa história só depende de nós!

Vemos muitas pessoas, em tom de brincadeira, falando sobre relacionamentos que se encerrarão pelo fato de que os casais não conseguirão conviver uns com os outros por tanto tempo; vemos pais implorando para que as escolas voltem a funcionar, pois não aguentam seus filhos em casa, não sabendo como os professores fazem para ter tanta energia para tratar de 25, 30 crianças ao mesmo tempo; vemos, ainda, pessoas felizes por não terem que encarar seu dia a dia de trabalho, sua rotina e seus afazeres. Tudo errado!

Ao contrário de Graciliano Ramos, que viveu preso sob acusação de ligação com o partido comunista, no auge da dita repressão vivida na “Era Vargas”, nenhum de nós, hoje, está preso, recolhido ao cárcere. Ao contrário, por mais que estejamos querendo voltar ao trabalho, com medo das possíveis consequências negativas (inevitáveis) vindouras na economia – especialistas dizem que as consequências, pois globais, serão piores que as do “Crash de 29” –, estamos tendo a oportunidade de viver em família, de ficar com os nossos, de repensar/replanejar nossas carreiras, ficar com nossos filhos, sobrinhos, netos, pais, etc., e, deles usufruir o que têm de mais democrático e precioso: o seu tempo. E com eles usar um pouquinho do nosso.

Que nossas “Memórias do Cárcere”, então, sejam ao contrário das de Graciliano Ramos. Sejam memórias de um período no qual, mesmo com todas as apreensões, receios e atribulações, nos foi possível construir as melhores histórias com nossos filhos, com nossos pais, com nossos familiares, companheiros(as), esposos(as), namorados(as) ou, ainda, com nós mesmos.

Lembremo-nos sempre do filme “Recém-casados”, quando o personagem vivido pelo ator Ashton Kutcher, conversando com o pai de sua recém ex-esposa ouve a célebre frase: “Nós não vemos os dias comuns ou tristes em um álbum de fotografias, mas são eles que nos levam de uma foto até a outra”. Até a próxima!

 

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