Mês do Orgulho LGBTQIA+ e a oportunidade de debater demandas com atenção

Estudantes de Psicologia de Bento promovem o “Grupo de Escuta LGBTQIAP+” para que pessoas da comunidade conversem entre si e compartilhem experiências

Registro feito durante a 1ª edição da Bento Pride, em julho de 2021. Foto: Kévin Sganzerla

Repleto de ações de conscientização e informação sobre os direitos da comunidade LGBTQIA+, o mês de junho é mundialmente conhecido como o Mês do Orgulho. A data relembra uma ação ocorrida em 28 de junho de 1969, no bar gay Stonewall Inn., em Nova Iorque, quando, após diversos ataques contra o grupo de frequentadores do bar e de integrantes da comunidade, algumas pessoas se reuniram para dar um basta na violência e perseguição, o que acabou originando muitos movimentos da atualidade. Desde lá, o Dia do Orgulho LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexo, assexual e demais) e o mês como um todo têm sido um momento para fazer com que a sociedade se volte para as demandas do grupo.

Em julho de 2021, Bento Gonçalves recebeu a Bento Pride, sendo a primeira caminhada LGBTQIA+ do município. Na época, os organizadores destacaram que a ação era uma forma de chamar atenção para a busca de políticas públicas e de respeito para com os membros da comunidade. Após a realização do evento, um grupo de estudantes de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) – Campus Bento Gonçalves sentiu a necessidade de dar início a um movimento fixo. Assim nasceu o “Grupo de Escuta LGBTQIAP+”.

Segundo o atual coordenador do grupo, o estudante Felipe Schutz, os encontros, que contam com quatro integrantes, têm o objetivo de proporcionar um ambiente seguro e confortável para que os participantes compartilhem vivências, histórias de vida e experiências. Schutz destaca que eventos como a Bento Pride, ou a Parada do Orgulho em São Paulo, que reuniu milhares de pessoas no último dia 19, são movimentos interessantes e válidos, mas dos quais nem todos podem participar. “Existem, sim, pessoas que não se sentem confortáveis para estarem presentes nessas lutas por conta de inseguranças e até medo de repressão. Porém, isso não significa que essas pessoas não tenham demandas, que elas não passem por problemas, que elas não tenham sofrimentos que giram ao redor do fato da sua sexualidade ou das suas questões de gênero”, ressalta.

Apoio entre iguais

Outro ponto defendido pelo grupo é que se reforce cada vez mais a união dentro da própria comunidade. Para o estudante, a demora nas conquistas da causa tem desmotivado muita gente. “Eu enxergo que muitas pessoas estão cansadas de lutarem por essas causas, de trazerem essas demandas, talvez por não enxergarem muitos avanços, não enxergarem muitas conquistas”, afirma. Em contrapartida, ele também salienta que a esperança surge ao ver pessoas que estão sempre dispostas a lutar, ainda mais quando direitos básicos são negados ou retirados.

Para a psicóloga Bruna Huppes, integrante da comunidade LGBTQIA+ e ex-organizadora do grupo de escuta, a existência de um espaço de conversa e apoio é fundamental, ainda mais em locais onde o preconceito pode ser constante. “Os sujeitos [participantes] conseguem se unir, se fortalecer e criar uma rede de apoio, o que é extremamente importante”, comenta.

Ainda na visão da profissional, a união e o conhecimento sobre o outro irá ajudar na hora de se fortalecer para enfrentar dificuldades. “É importante a gente se conhecer, ter uma troca, se escutar, escutar o outro falar, se permitir ouvir a experiência do outro e nos permitirmos contarmos a nossa experiência e se fortalecer, dar a mão e conseguir lutar para ter uma sociedade, pelo menos, um pouco menos preconceituosa e violenta com a gente”, destaca.

Meiryelen Corrêa, uma das participantes, vê no projeto a oportunidade de conversar em um local seguro e sem julgamentos, ainda mais em uma instituição de ensino. “A gente ouve muito que deveríamos normalizar nossas existências, mas como iremos chegar nisso se nem possuímos espaços nossos? Esses espaços são importantes não só para criar vínculos, mas também para entendermos nossas lutas”, defende. Meiryelen também salienta que estar dentro da roda de conversa ajuda a expandir ainda mais a visão sobre a comunidade LGBTQIA+. “Pois quando compartilhamos experiências e vivências, nosso senso de empatia acaba se expandindo”, relata.

Foto: Kévin Sganzerla

Dificuldade e direitos

Uma pesquisa recente organizada pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQIAs+ mostrou dados alarmantes e preocupantes. Em 2021, foram 262 assassinatos contra pessoas da comunidade, sendo um aumento de 21,9% em relação a 2020, que registrou 215 mortes. Ainda segundo os pesquisadores, homens gays (48,9%) e mulheres transexuais (43,9%) são as principais vítimas, contudo, eles destacam que os números podem ser ainda maiores devido à subnotificação. Isso se dá pelo fato de que, muitas vezes, “para evitar maiores problemas”, os crimes não são registrados.

Além da violência, as oportunidades de emprego para pessoas da comunidade são escassas. Segundo o estudante e organizador do grupo de conversa, isso não é diferente em Bento. “Com certeza as pautas que mais aparecem no grupo são a falta de acessibilidade no mercado de trabalho por pessoas LGBTs em Bento”, pontua Schutz.

A cidade conta com o ACESSUAS Trabalho, da secretaria de Esportes e Desenvolvimento Social (SEDES), que auxilia a comunidade bento-gonçalvense a encontrar oportunidades de emprego. Assim, não há um projeto específico para a comunidade LGBTQIA+, porém, o secretário Eduardo Viríssimo destaca que todas as pessoas que procurarem pelo programa serão atendidas sem discriminação. “O que a gente sempre tenta fazer é achar o que fique mais conveniente com o que a pessoa procura. E se essa pessoa não tem uma capacitação por causa da sua vulnerabilidade, a gente faz o encaminhamento para cursos capacitatórios para que, no momento que ela tenha uma entrevista com a empresa, possa se desenvolver e ter sucesso na busca pelo seu emprego”, afirma.

A Constituição Federal de 1988 assegura que qualquer cidadão brasileiro tem direito ao trabalho e à vida, além de educação, saúde, lazer, igualdade e liberdade, bem como à garantia dos direitos civis e políticos. E tudo isso também está reservado à comunidade LGBTQIA+. No entanto, segundo o advogado Eduardo Laikowski, esse grupo ainda está na busca de que direitos básicos e ‘normais’ sejam garantidos. “A gente está buscando igualdade e não direitos diferentes, direitos a mais. A classe LGBTQIA+ possui todos os deveres previstos em lei como os demais cidadãos, por que não assegurar os mesmos direitos? São direitos básicos. Embora o texto constitucional e do Código Civil não tenham sido alterados, onde se referem que a família é formada pelo homem e pela mulher, desde 2011, o casamento homoafetivo é legal no Brasil, devendo seguir as mesmas regras e possuir os mesmos direitos das uniões entre casais heterossexuais”, afirma.