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Meu amigo Pokémon

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Mais um fenômeno virtual, talvez o maior até então. Alguns de vocês não vão saber o que é o tal Pokémon, outros já escutaram falar tanto do jogo que devem estar peritos no assunto. Não entrarei em detalhes sobre como o aplicativo funciona, o que quero abordar aqui é mais uma vez a entrega humana para o mundo virtual, entrega tal que hoje nos permite afirmar: o ser humano migrou para o mundo virtual.

Ao contrário de outros textos, não analisarei as consequências dessa debandada que estamos dando da vida real, nem me apoiarei muito em prováveis desesperados motivos que nos levam cada vez para mais longe da vida dita real. O ponto que gostaria de ressaltar aqui é outro, uma análise, pode-se dizer, trágico-positiva do que está ocorrendo com essa gente que não se olha mais no olho, que mal conversa e que prefere entreter os filhos com tecnologia a usar métodos até alguns anos atrás ditos sociais saudáveis.

Paremos para pensar no fracasso humano: sim, caso você não saiba, nós fracassamos. “Mas, Felipe, ainda temos tanto a evoluir!”. Concordo, mas o sistema que escolhemos ao longo dos anos, o sistema que teoricamente nos faria melhores, falhou. Em um compacto dos últimos 100 anos, podemos dizer que a principal aposta se voltou ao trabalho, a qualidade de vida anexada à possibilidade de sermos produtores e consumidores. Por uns 50 anos, essa ideia deu certo, a crença de apostar no futuro, de prorrogar o prazer, de plantar para colher. Até que percebemos que não existiam garantias para o amanhã e nos transferimos ao hoje, sem grandes perspectivas de carreira dentro de uma empresa, sem apostar tudo em uma relação, sem investimentos muito altos no futuro, pois o futuro não existe. Enfim, há dúvida, agonia, o presente incerto e um amanhã assustador.

Geração após geração, falhamos. As utopias duram cada vez menos, o desejo se tornou o grande norteador do homem: vejam bem, há uma clara diferença entre amar o desejo e amar o desejado. Quando você compra aquele carro, quando você conquista aquela mulher, quando você realiza… Ah, o realizar, a euforia, o gozo. Após um tempo, o descaso, a desmotivação. Sintoma claro de quem ama desejar e não propriamente ama o que deseja.  O grande preço de amar o desejo é que o desejo então nunca pode plenamente se realizar ou morreria em si.

Eis que volto ao tema do mundo virtual para o qual estamos nos transferindo. E se… – e se – o mundo que até então fizemos for um saco? Sério, se todo aquele lance de brincar na rua, amar uma mulher, constituir família, trabalhar, viajar, comprar e ter alguém para organizar nosso funeral, se tudo isso for algo extremamente chato? Fica tão mais fácil explicar o motivo de as pessoas preferirem se relacionar com um jogo do que entre elas. E se estamos finalmente fazendo um mundo melhor? Há essa possibilidade, afinal se o mundo era algo tão incrível décadas atrás, porque queremos fazer um mundo diferente? Se era tudo tão bom por que estamos preferindo sair desse mundo real?

Se pararmos para analisar friamente, notaremos que é um saco essa coisa de socializar, de aguentar e sorrir pra todo mundo, talvez não tenhamos nascido para isso mesmo e, aos poucos, estejamos percebendo que caçar bichinhos imaginários com o celular é menos perigoso e entediante que suportar aquele vizinho chato que nunca leu um livro e fala como se fosse uma reencarnação de Deus, como se soubesse da onde veio o homem e para onde vamos ao morrermos.

Vamos pensar um pouco sob esse prisma. E se – eu disse e se – finalmente estivermos evoluindo e percebendo que viver fora desse mundo – quem sabe dentro de um celular – é muito mais produtivo e saudável?

Vamos dar chance ao Pokémon e ao mundo virtual, nós já demos chance a coisas muito piores.

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