Motorista da Fiorino e brigadianos são indiciados
Um mês e meio após a abordagem policial a uma Fiorino que resultou na morte de dois dos quatro jovens que estavam no veículo, a Polícia Civil concluiu inquérito e remeteu o material ao Ministério Público (MP) na última quarta-feira, dia 30. O resultado da investigação, conduzida pelo delegado Álvaro Pacheco Becker, titular da 2ª Delegacia de Polícia (2ª DP), é o indiciamento do motorista e dos dois brigadianos que atiraram contra o automóvel por homicídio com dolo eventual.
No entendimento de Becker, tanto o condutor, Tiago Sarmento de Paula, 18 anos, quanto os policiais militares Edegar Júnior Oliveira Rodrigues, 29, e Neilor dos Santos Lopes, 23, teriam assumido o risco de provocar o trágico resultado – o primeiro por não obedecer à ordem de parar a caminhonete e os soldados pelo excesso utilizado na abordagem. No compartimento de carga da Fiorino, transportados de forma irregular, Danúbio Cruz da Costa, 20 anos, e Anderson Stiburski, 16, foram mortos por disparos de espingarda calibre .12 e também de pistola calibre .40. Um adolescente de 15 anos, que estava no banco do caroneiro, era a quarta pessoa no veículo.
Os brigadianos alegam que revidaram a supostos tiros que teriam partido da Fiorino, onde, junto aos corpos, foi encontrado um revólver pelos técnicos do Instituto Geral de Perícias (veja abaixo). A presença da arma foi negada pelos dois sobreviventes. Divulgado uma semana após as mortes, um laudo preliminar apontou que nenhum disparo saiu do baú da Fiorino.
Em depoimento, de acordo com o delegado, os policiais afirmaram que “viram, dentro da cabine da Fiorino, um braço portando uma arma, que atirou contra eles”. “Eu entendo que, até o momento em que houve o pseudoconfronto, estava tudo tranquilamente dentro dos conformes, dentro dos protocolos legais. No momento em que houve esse possível confronto, houve o exagero, que reforçou a nossa tese. E, assim como os PMs ao atirar contra o furgão sem saber o que havia lá dentro, o motorista assumiu o risco de que eles, portando armas, pudessem atirar e atingir os seus amigos, que ele sabia que estavam no furgão”, argumenta Becker.
Júri Popular
Se a denúncia for aceita pela Justiça, o motorista e os brigadianos, que também encaram um Inquérito Policial Militar, deverão ir a Júri Popular. Se a linha adotada pela Polícia Civil for mantida pelo MP e pelo Judiciário, Tiago será responsabilizado por dois homicídios e por outra tentativa, relativa ao seu amigo menor de idade. Rodrigues e Lopes, por sua vez, deverão encarar a acusação por dois homicídios e duas tentativas.
Pólvora e digitais
Embora não tenha recebido o resultado do exame residuográfico, que pode apontar a presença de pólvora nas mãos de algum dos ocupantes, Becker garante que há uma “possibilidade muito fraca” de que o inquérito sofra uma reviravolta importante. “Até porque, um dos indivíduos, o caroneiro, no momento em que foi retirado o resíduo da mão dele (feita a coleta para o exame), já tinha tomado banho. Claro que pode confirmar um possível confronto, mas não altera em nada o fato de que eles concorreram, todos eles, para o evento morte”, ressalta. A conclusão do IGP deve demorar, porque o equipamento utilizado pelo departamento não está funcionando. O exame papiloscópico, que poderia apontar impressões digitais na arma, já foi realizado e teve resultado negativo.
Vidros
Quando a perseguição iniciou na rua Olavo Bilac, no bairro Cidade Alta, os ocupantes da parte dianteira da Fiorino teriam fechado os vidros. Mas, conforme Becker, a perícia apontou que no momento em que o veículo foi localizado com os dois mortos no baú, na rua Francisco Tomasi, no bairro Fátima – nos fundos da casa do menor que também ocupava o automóvel –, o vidro do motorista estava parcialmente aberto e o do caroneiro, completamente.
Argumentos “frágeis”
O delegado também trata como “frágeis” os argumentos apresentados pelo motorista da Fiorino para não obedecer as ordens dos policiais. Tiago Sarmento de Paula atribuiu a fuga ao fato de ter Carteira Nacional de Habilitação (CNH) provisória, estar levemente alcoolizado e transportar pessoas no compartimento de carga do veículo.
Armas gêmeas dão “dor de cabeça” à polícia
A arma encontrada dentro da Fiorino após a trágica perseguição policial que resultou na morte de dois jovens, em Bento Gonçalves, será tratada como um caso a parte. Durante as investigações, conduzidas pela 2ª Delegacia de Polícia (2ª DP), verificou-se a existência de duas armas iguais com o mesmo número de registro saído de fábrica. O caso também será encaminhado ao Exército Brasileiro e à Polícia Federal, responsáveis pela fiscalização de armas em território nacional.
O delegado titular da 2ª DP, Álvaro Becker, fez uma analogia da questão. “Como se você tivesse um irmão gêmeo, que fosse descoberto no momento da partilha e você não sabe como. Então essa arma tem uma ‘irmã’ gêmea. Parece impossível isso, mas aconteceu. Agora nós vamos verificar o porquê disso”, explicou.
Investigação
Como essa arma veio parar em Bento Gonçalves? Essa seria a resposta fundamental para a conclusão do inquérito. Segundo o delegado, a questão deu e está dando dor de cabeça para a polícia. Na intenção de localizar o proprietário do revólver, marca Rossi, os desdobramentos da investigação apontaram para dois registros, um no Rio Grande do Sul e outro em Santa Catarina. “Em um primeiro momento, verificamos que a arma estava registrada no município gaúcho de Santa Cruz do Sul, por um indivíduo que chegou a ser localizado pela polícia. Ele contou que a adquiriu em 1989 e que, em 2003, a vendeu para um colega de trabalho de uma empresa de Portão”, detalha.
Em contato com a empresa, o delegado disse que foram encontrados quatro possíveis compradores. Todos foram identificados e as fotos, encaminhadas para o antigo dono da arma. “A indicação do proprietário foi investigada. O possível comprador seria um pastor que está na Amazônia há um bom tempo, muito difícil de ser localizado. Outra pista, sobre o atual dono da arma, seria o proprietário de uma moto vermelha. Ele foi identificado e prestou depoimento, mas alegou nunca ter comprado uma arma”, conta. Outras duas pessoas ainda devem ser ouvidas pela polícia.
Também foi encaminhado à Polícia Federal um pedido para que fosse verificado no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) se havia algum registro da arma em outro Estado. “Para surpresa nossa, havia, em Santa Catarina. Verificamos com o delegado do município de Abelardo Luz (oeste catarinense), que confirmou a existência. Ele ainda informou que o proprietário havia falecido, mas entrou em contato com parentes e confirmou que o revólver estava com um genro do proprietário”, esclareceu.
Segundo Becker, o revólver foi apreendido e encaminhado para a perícia de Santa Catarina, onde foram confirmados número e modelo tal qual a arma que foi apreendida em Bento Gonçalves.Segundo o delegado, o dono da arma, localizado em Santa Cruz do Sul, foi intimado a apresentar recibos de venda, o que confirmaria o repasse do revólver para um segundo suspeito. Caso não apresente, ele pode ser incluído no inquérito com menor responsabilidade.
Fabricante
A empresa Rossi, responsável pela fabricação da arma, já foi informada sobre a questão e confirmou que o revólver foi vendido por uma loja de Santa Catarina. Sobre a arma em território gaúcho, a fábrica não soube responder ou confirmar a numeração. “Nós agora reiteramos o pedido e queremos saber como duas armas saíram da mesma fábrica com a mesma numeração naquele período”, questionou Becker.
Quanto aos registros, o delegado afirmou que não foram encontradas ocorrências de furto, roubo ou extravio no sistema da Polícia Civil, tanto no Rio Grande do Sul quanto em Santa Catarina. “Queremos agora saber como ela veio parar em Bento Gonçalves. Estamos aguardando algumas perícias do IGP, mas, de qualquer forma, esses laudos não irão alterar os resultados do inquérito policial”, detalhou.
Relembre o caso
Na madrugada de 16 de março, quatro jovens saíram de uma festa na localidade de Santa Bárbara em uma Fiat/Fiorino. Na parte da frente do veículo (destinada a passageiros) estavam o motorista, Tiago de Paula, de 18 anos, e um adolescente de 15 anos de idade. No baú traseiro, destinado ao transporte de cargas, estavam Anderson e Danúbio. Eles teriam pego carona após emprestar a moto em que estavam para um casal cuja moto, por sua vez, teve problemas mecânicos.
Por volta das 5h15, a Brigada Militar avistou o veículo em alta velocidade na rua Olavo Bilac, bairro Cidade Alta, e iniciou a perseguição. Segundo os policiais, durante o trajeto, várias ordens para que o veículo parasse foram dadas, sem sucesso. A polícia conseguiu encurralar os suspeitos em uma rua não pavimentada no bairro Imigrante.
Os policiais saíram da viatura para abordar os ocupantes da Fiorino quando, segundo a BM, o condutor teria engatado marcha ré e colidido com o carro da guarnição. O motorista alega não ter conseguido subir pela rua e que o veículo teria descido de ré, por acidente. Os policiais afirmam que foram ouvidos dois disparos de arma de fogo (os ocupantes que sobreviveram rebatem, dizendo que ninguém no carro portava arma). A Fiorino consegue fugir novamente e os policiais revidam os supostos tiros, disparando contra a traseira da caminhonete, que consegue se afastar.
Várias viaturas da BM começam as buscas pela região. Logo depois, a Fiorino é encontrada em uma casa no bairro Fátima, onde residia um dos ocupantes do carro. Havia marcas de pelo menos 10 tiros na lataria e no vidro. Ao verificarem o veículo, os policiais encontram Anderson e Danúbio mortos na parte traseira, com tiros na cabeça e em outras partes do corpo. O motorista foi encontrado no telhado da casa com um tiro de raspão na orelha. O adolescente estava no interior da moradia, sem ferimentos.
Segundo a BM, o local foi isolado até a chegada da perícia, que encontrou um revólver calibre 38 com duas cápsulas deflagradas dentro do compartimento de cargas. A arma teria sido usada, segundo a versão da BM, contra os policiais.
A Polícia Civil assumiu a investigação do caso, junto com a Corregedoria-geral da BM, que abriu Inquérito Policial Militar paralelo para avaliar a conduta dos soldados. Os dois policiais foram afastados e as armas utilizadas por eles – uma pistola .40 e uma espingarda calibre 12 –, recolhidas para perícia.
Reportagem: Jorge Bronzato Jr. e Jonathan Zanotto
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