Mudanças no código de trânsito tornam infratores ainda mais impunes, avalia advogado

Aprovada em outubro do ano passado, a Lei 14.071/20 entrou em vigor na segunda-feira, 12/04, alterando pontos importantes do Código Brasileiro de Trânsito. Apesar de conter medidas positivas na visão de especialistas, como a ampliação do prazo de validade para renovação da CNH e a proibição da substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direito, algumas deverão “afrouxar” as punições. É como avalia o professor dos cursos de extensão na área de trânsito da Universidade de Caxias do Sul (UCS), doutor e mestre em Direito, Ailor Carlos Brandelli. “As modificações, ao meu ver, tornarão ainda mais impunes os condutores que cometem infrações de trânsito. Em sua maioria, as novas regras serão objeto de discussão nos tribunais, porque faltam e elas questões como a motivação e a análise da eficiência”, analisa. “Além disso, as mudanças estabelecem novos prazos para a emissão da segunda notificação. Antes se tinha 30 dias para a primeira notificação e até cinco anos para a segunda. Agora, passa para 180 e 360, correndo o risco dos órgãos autuadores não conseguirem cumprir esse prazo”, continua. Se não cumprido esse prazo, de acordo com a nova lei, o órgão de trânsito perde o direito de aplicar a penalidade ao condutor. 


Professor dos cursos de extensão na área de trânsito da Universidade de Caxias do Sul (UCS), doutor e mestre em Direito, Ailor Carlos Brandelli. Foto: Eduarda Bucco/SERRANOSSA

Segundo o professor, o código brasileiro de trânsito se baseia em três pilares: o da educação, da engenharia e da fiscalização. “Nós sabemos que a educação é praticamente inexistente no nosso país, não foi inserida nas escolas. O aspecto da engenharia, o Brasil tem ainda as mesmas rodovias de 40 anos atrás. Não há políticas de renovação de frotas, com veículos mais novos, mais modernos, menos poluentes e mais seguros. Já a fiscalização é talvez o pilar que tenha se demonstrado mais eficiente nos últimos anos”, explica. Entretanto, com as alterações, na avaliação do professor, a eficácia do terceiro tripé deverá ser comprometida. Entre os principais motivos está a conversão das multas leves e médias em advertências. “As autuações vão se transformar em advertências e, culturalmente em nosso país, as advertências se tornam banais. Não têm caráter educativo”, avalia. “E essas multas correspondem à boa parte das pequenas infrações de trânsito, e quando forem desrespeitadas, podem aumentar ainda mais o caos que é nosso sistema viário”, continua Brandelli. 


Foto: Eduarda Bucco/SERRANOSSA
 

Demanda dos caminhoneiros 

Conforme o professor e advogado, há indícios de que as mudanças partiram da greve dos caminhoneiros em 2018, os quais solicitaram mudanças no código devido ao ônus causado à classe. “Então é uma demanda muito mais política do que técnica”, comenta. Apesar disso, o professor ressalta que os caminhoneiros também são vítimas de “um sistema de exclusão”. “Não há políticas a favor deles, não se pensa em melhorias de frota e rodovias”, comenta Brandelli. 

Questionado sobre as principais mudanças práticas para os condutores, o advogado ressalta que as alterações produzem efeito nos infratores reincidentes. “Porque para aquele que dirige defensivamente e respeita as normas, aumentar a pontuação e alterar as penas não muda em nada”, explica. “O que deveria haver por parte do governo é um trabalho técnico, divorciado de questões políticas. Não há que agradar categorias, tem que cumprir o código e pronto”, finaliza. 

O resumo das alterações pode ser conferido neste link.