Na terra do vinho, o malte ganha destaque

Assim como acontece em todo o país, o consumo de cervejas artesanais tem ganhado cada vez mais adeptos em Bento Gonçalves. Isso porque com o preço das cervejas tradicionais em elevação, as versões “domésticas” estão ganhando competitividade. A importância que o consumidor tem dado à qualidade dos produtos, e não mais à quantidade consumida, também ajuda a alavancar esse novo nicho de mercado.

O Brasil é um dos maiores consumidores de cerveja do mundo – a média de litros por habitante cresce ano a ano. Uma pesquisa realizada pelo Ibope em novembro de 2013 revela que a cerveja é a bebida escolhida por 2/3 dos brasileiros para comemorações, com 64% da preferência. Enquanto a classe C opta pelas grandes marcas, as classes A e B buscam a produtos que apresentem diferenciação, atributo fortemente encontrado nas cervejas artesanais, cujo consumo é majoritariamente masculino, com idades entre 18 e 65 anos. As mulheres que as consomem têm entre 30 e 65 anos, de acordo com dados da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe).Confiante nesse mercado e no pioneirismo em atender aos paladares mais exigentes, Francisco Zanatta, de 40 anos, é um dos sócios da Basílico Casa Gourmet, em Bento Gonçalves. Há 3 anos, a empresa oferece diversificado catálogo de rótulos e sabores. “A ideia surgiu em 2010, quando percebemos que existia um mercado para cervejas artesanais e cervejas especiais”, conta. Segundo Zanatta, a ideia inicial era abrir um estabelecimento dedicado apenas à venda da bebida, mas como o espaço físico era grande, outros serviços puderam entrar no rol de opções. “Temos, além da cerveja, a padaria, a parte de massas e pizzas, chocolates, molhos e o espaço gourmet, onde realizamos jantares harmonizados com cerveja. Promovemos também o projeto ‘cerveja no prato’, no qual um chef ensina receitas que levam a bebida como ingrediente”, destaca. 

Microcervejarias e importadoras estão ocupando um importante espaço no mercado nacional. As chamadas cervejas especiais, que reúnem as artesanais, as importadas e as industriais de categoria premium, ocupam hoje 5% do mercado e têm previsão de dobrar o número de vendas nos próximos cinco anos, segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil). “O que se percebe no mercado, o perfil do nosso cliente, ele vem aqui e vai fazer um jantar com a esposa ou amigos e opta em levar algumas garrafas para fazer uma degustação durante a refeição. Nas festas que envolvem mais gente, as cervejas mais tradicionais ainda são a preferência”, constata Zanatta, acrescentando que as versões artesanais tem tido boa aceitação como opção de presente. 

Segundo o empresário, vários clientes da loja já produzem a própria cerveja. “Eles trazem para a gente experimentar e degustar. Posso dizer que tem muita cerveja de qualidade sendo produzida em Bento”, elogia. A vontade de produzir a própria bebida é uma realidade também para o comerciante, mas este é um segundo plano, segundo ele. “Tem toda uma questão legal para poder produzir a bebida, o que dificulta e encarece o processo. A legislação proibitiva dificulta as coisas. A Ambev, que possui milhares de funcionários, tem a mesma carga tributária de uma cervejaria que tem apenas um colaborador, por exemplo. Como trabalhamos muito com distribuidores e importadores, a tributação em alguns casos chega a 60%. Então, a cerveja que poderia ser vendida a R$ 10 só poderá ser comercializada ao preço mínimo de R$ 15”, explica. 

Cerveja de panela

Reunir os amigos para uma rodada de cerveja é tradicional em todo canto do Brasil. Porém, uma turma não se contenta mais em se reunir em torno de uma mesa de bar, estender o braço e pedir ao garçom uma cerveja gelada. Agora, eles saboreiam a bebida feita por conta própria de maneira artesanal. Os produtores deste tipo de bebida ainda são poucos, especialmente em Bento Gonçalves. Os amigos Jonathan do Nascimento, 32 anos, Taylor Bottega, 32, e Jonathas Poletti Dutra, 28 anos, são só responsáveis pela produção da “Capitel” – o nome junta o fato de a produção ocorrer na Capital do Vinho com referência às cervejas de abadia, produzidas pelos monges em monastérios europeus. Segundo os rapazes, foram investidos cerca de R$ 5 mil entre equipamentos e suprimentos. Cada fabricação resulta em 50 litros de diversas variedades da bebida.

A sociedade é recente, teve início em dezembro de 2013. “Quando descobrimos que havia essa possibilidade de produzir a própria bebida com custo não tão elevado, fomos atrás para buscar mais informações. Foi quando surgiu a proposta de sociedade, mantida até agora”, relata Bottega. O trio, que fabrica (literalmente) cerveja de panela, uma das formas mais artesanais, chega a produzir cerca de 200 litros por mês. A variedade “Red Ale” é considerada a especialidade deles. Parte da produção é comercializada a preços simbólicos entre conhecidos e o restante consumido nos costumeiros jantares da turma. 

Para Dutra, beber da própria fabricação demonstra a procura por mais conhecimento. “Começamos a perceber as diferenças dos ingredientes, do malte, do lúpulo, todos os aromas que vão estar dentro do copo depois. A gente identifica durante a fabricação tudo o que vamos sentir durante a degustação. É realmente uma arte”, comenta. “A nossa procura é saber por que uma cerveja é mais alcoólica que outra, mais encorpada ou mais aromática. Esse é o grande desafio, testando várias combinações até chegarmos a uma bebida agradável e saborosa”, completa. 

Já Nascimento adianta que a vontade do grupo é futuramente vender a cerveja fabricada. “Não se descarta a possibilidade de isso acontecer no futuro. Infelizmente, o investimento é muito alto e a burocracia é muito complicada”, lamenta. “O principal entrave é tornar a bebida legal. Hoje nós não comercializamos porque não possuímos essa autorização. Além disso, o investimento em maquinário está completamente fora da nossa realidade, mas quem sabe no futuro”, complementa Dutra.

A falta de tempo também adia ambições maiores, já que todos têm suas profissões e a produção de cerveja, por enquanto, é só um hobbie. “Precisamos de um dia inteiro de produção e são raros os momentos em que conseguimos nos reunir. Por isso, sempre que pinta a oportunidade não dispensamos. E depois da fabricação na panela, existe ainda tempo de fermentação e maturação, enfim, todo o processo de acompanhamento”, aponta.

Regulamentação

A Câmara dos Deputados analisa proposta que regulamenta a produção de cerveja artesanal no país. A medida está prevista no Projeto de Lei 5191/13, que limita em 30 mil litros por ano a produção máxima de um estabelecimento cervejeiro artesanal. O autor da proposta, deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), acredita que a norma deve estimular a produção da bebida no país. De acordo com o projeto, as empresas deverão ter registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, além de cumprir exigências sanitárias estabelecidas pelo órgão. Todas as inspeções às cervejarias artesanais seriam prioritariamente orientadoras e qualquer auto de infração só seria feito após duas visitas ao estabelecimento.

As 8 principais variedades de cervejas 


Trappiste – Raridade cara

Cerveja de alta fermentação produzida em apenas seis mosteiros na Bélgica e na Holanda. Geralmente, é fechada com rolha e a fermentação continua na garrafa. Possui grau alcoólico alto (8%) e sabor forte levemente apimentado, por causa do tipo de lúpulo utilizado. No Brasil, uma garrafa custa R$ 50. 


Weissbier – Trigo x cevada

Em alemão, weissbier significa “cerveja branca”, uma referência ao uso de trigo em vez de cevada para fazer malte. Essas cervejas de alta fermentação e teor alcoólico de 5% têm aromas que lembram maçã cozida e cravo. As mais conhecidas são as alemãs Erdinger e Weizenbock, servidas como cervejas natalinas.

 
Pale Ale

Ao contrário dos outros tipos de alta fermentação, em geral escuros, a PaleAle normalmente é dourada. Seu sabor também é único: além do álcool, o tipo de levedura utilizado gera substâncias aromáticas que lembram o gosto de frutas. Surgiu na Alemanha no século 16 – no Brasil, a Baden Baden representa a variedade.

 
DryStout – Sabor de café

A marca Guiness é a mais famosa desse estilo de cerveja, de cor quase totalmente negra, surgida na Irlanda e produzida tanto por alta como por baixa fermentação. O gosto seco e amargo da torragem do malte e da cevada lembra um pouco o sabor de café. O teor alcoólico geralmente é médio, variando entre 5 e 6%.

 
Bock – Tradição invernal

Muito apreciada no inverno, único período do ano em que é produzida, a bock é uma variedade escura e forte por causa do malte bem torrado e do lúpulo amargo. Foi inventada no século 14 na cidade de Einbeck, na Alemanha. O nome original dessa cerveja de baixa fermentação era beck, uma homenagem à região onde apareceu.

 
Draft – Estilo americano

Com menos de 5% de teor alcoólico, é o tipo mais popular nos Estados Unidos, onde a marca Miller é uma das mais consumidas. Também pertence à família de baixa fermentação – adiferença é que a draft não passa pelo processo de pasteurização, mas por uma filtragem que retira microrganismos e aumenta sua validade.

 
Pilsen – Preferência nacional

O tipo mais conhecido no Brasil pertence à família das cervejas de baixa fermentação e surgiu em 1842, na cidade de Pilsen, na República Tcheca. Em geral, têm teor alcoólico de 5% e lúpulo amargo, que causa aquela sensação de boca seca. O chope é uma pilsen, mas, por não ser pasteurizado, só dura um mês.

 
Framboise – Acidez disfarçada

Criada no século 17, essa cerveja belga é a única feita com a fermentação espontânea dos próprios microrganismos do ar. Por isso, sua qualidade varia muito. Para diminuir a acidez do sabor, os inventores acrescentaram xarope de framboesa, gerando a cor avermelhada dessa variedade.


Reportagem: JonathanZanotto


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