Não!

Que nós estamos vivendo, hoje, uma crise de valores, eu não tenho dúvida. Infelizmente, prestes a completar um ano da notícia do aparecimento de um vírus totalmente desconhecido, que traria consequências até então imprevisíveis à rotina e à vida das pessoas, percebo que aquela minha esperança inicial de que teríamos um mundo melhor, de que as pessoas em geral estariam aprendendo a ser melhores consigo e, por consequência, melhores com os outros, está derruindo. 

O que me parece – e eu espero estar enganado –, é que aquela faísca de empatia que se mostrou inicialmente, era, na verdade, uma chama que se encontrava esmorecendo dentro do coração dos bons, esses já sempre empáticos, e que, com a necessidade global, aliada ao desespero vindo com o novo, fez com que essa chama se reacendesse e, diante da necessidade, viesse a novamente aquecer seus corações e, por consequência, os corações dos que os rodeiam. Aqui, aliás, me recordo daquela lenda do velho camponês que visita um amigo que se afastara do grupo em um dia muito frio e, chegando à sua casa para saber o que estava acontecendo, nada disse, somente lançou mão de uma ferramenta e afastou uma das brasas, cuja incandescência e quentura, aos poucos, foi-se tornando cinzas. Nessa ocasião, o amigo afastado se dá conta de que, sozinho, ele perde seu calor, reforçando a sua importância no grande grupo.

Lembrando das lendas, vem à tona também a resposta do Sheik Mohhamed, quando perguntado sobre o futuro de Dubai, cidade símbolo de ostentação e progresso: “Meu avô andava a camelo, meu pai andava a camelo, eu ando de Mercedes, meu filho anda de Land Rover, e meu neto vai andar de Land Rover, mas meu bisneto vai andar a camelo…”. Ele certamente conhece aquele provérbio oriental que diz que: “Tempos difíceis criam homens fortes, homens fortes criam tempos fáceis. Tempos fáceis criam homens fracos, homens fracos criam tempos difíceis”.

Somos, certamente, vítimas de um tempo em que a facilidade de informação, o progresso, a abastança, o acesso aos mais longínquos lugares do mundo em um só clique ou um só toque, estão criando homens fracos, sem ação e sem capacidade de responder aos mínimos elementos de frustração. Trata-se de uma geração que não sabe ouvir “não”, que não suporta o “não”, que não sabe lidar com o “não”, por mais benéfico que ele seja.

A minha geração, eu lembro, aprendeu que, como técnica de ativação de gatilhos cerebrais, a palavra “não” não deveria ser dita nas respostas. Aprendemos, assim, a não dizer “não” para nada. Ou quase nada. Muitas coisas são aceitas ou suportadas pelo simples fato de não sabermos dizer “não”. Ao mesmo tempo, há pessoas que não aceitam o “não” de tal forma que esse parece, para si, uma afronta, um ataque. Essa é, por certo, a maior expressão de que, até então, estávamos vivendo os tempos fáceis.
Ora, o “não” pode e deve, sim, ser a expressão de uma vontade e não o gatilho para um sentimento ruim. Não pode o “não” ser motivo para que uma brasa incandescente quede em cinzas…

Até a próxima! 

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