Não somos todos iguais
Já passam das 21h quando entro em uma cafeteria. Três garotas uniformizadas conversam em um canto distante: nenhuma delas me vê. Noto que, apesar de eu ser o único cliente ali, algumas mesas ainda ostentam marcas. Guardanapos amassados, xícaras sujas e migalhas evidenciam que outros por ali passaram. Há quanto tempo? Impossível dizer.
Tento fazer o mínimo de barulho, a essa altura não me interessa mais ser notado. Entro em uma onda de analisar a postura das garotas que, obviamente, devem estar cansadas e entediadas após mais um dia de trabalho. Noto então uma quarta garota: o jeito como o cabelo dela está cuidadosamente coberto por um gorro que deve fazer parte do uniforme me chama a atenção. Ela está lavando copos, até que então me percebe. Surge um sorriso treinado nela – um sorriso na medida certa. Enquanto ela agilmente seca as mãos, olha para as outras garotas que seguem a conversar em um canto do estabelecimento. Ela não diz nada, apenas age e, em poucos segundos, está ao meu lado da mesa perguntando no que pode me ajudar. Peço um café, ela volta para trás do balcão e em seguida volta. Eu peço a que horas o local fecha e, quando percebo, ela está me contando que está cursando Engenharia e que o emprego na cafeteria ajuda a pagar parte da faculdade. Ela logo volta ao trabalho, mas antes me deseja um bom café e recolhe a sujeira de outras mesas. Finalmente uma das garotas que estava conversando percebe toda a movimentação e vem ajudá-la.
Na semana seguinte, lá estou eu novamente. “Cadê a menina aquela, a Daiana? Está de folga hoje?”, pergunto. “Não, ela mudou de emprego, conheceu uma moça aqui que ofereceu trabalho na área dela, de Arquitetura ou Engenharia, algo assim”, responde-me uma daquelas atendentes que, na semana anterior, conversava com outras sem notar nada ao seu redor. É claro, pensei: os capazes nunca ficam por muito tempo dividindo espaço com os incapazes.
Não, definitivamente não somos todos iguais. Há pessoas melhores do que outras e a simples frase “somos todos iguais” prova isso. Esse tipo de igualdade é apenas um abraço dos ineficientes, dos frágeis, dos preguiçosos e covardes a uma ideia de igualar o mundo através da própria mediocridade. Sermos todos iguais seria um alívio para aqueles que são – em seu âmago – fracassados.
A arte parte – não como alguns dizem – da ideia de “ver a arte”, mas, sim, da ideia de que podemos nos aperfeiçoar, podemos ter tanta disciplina e esforço a ponto de sermos melhores, inigualáveis. Então através desse salto, uma nova onda se inicia, ainda mais forte e, quando estimulada, quem sabe mais competente. Arte é aperfeiçoar-se. E o mesmo serve para a vida. A arte de servir um café, de limpar mesas, de organizar relatórios, de vender e comprar, de observar e acertar: a arte do detalhe é que faz toda a diferença.
Eu e você podemos ser ótimos em algo: e não precisa ser algo monumentalmente reconhecido. Podemos ser excelentes pais, mães, filhos, podemos ser exímios contadores de histórias ou peritos em escutar o desabafo de outros e aconselhar. Não importa em que área, o que importa é fazer bem feito, com vontade, competindo para ser o melhor.
Não. Não somos todos iguais. Pensam isso apenas aqueles que não conheceram pessoas fantásticas, quem nunca esteve ao lado de alguém com tanto brilho que nos fizesse questionar nossa própria dedicação.
A garota do café tinha isso, por isso ela destoava naquele lugar e daquelas outras garotas.
Definitivamente não somos iguais. Alguns nascem para fazer com excelência o que quer que façam, outros apenas estão aqui para nos lembrar de que o brilho é para poucos e o morno da vida é o infeliz destino da maioria.