Nei Tomasi: um agricultor artista

Com seu tradicional chapéu de palha, camisa estampada, suspensório e calça risca de giz, Nei Tomasi é a figura carismática conhecida por recepcionar grupos de visitantes com um largo sorriso no rosto e uma piada na ponta da língua, capaz de arrancar risadas até mesmo dos mais sisudos. Dirigindo um tuque-tuque (carreto motorizado muito usado pelos colonos na lavoura), ele apresenta detalhes sobre a vitivinicultura e conduz um passeio guiado que encerra com um merendin, uma espécie de piquenique farto sob os parreirais – a exemplo do que os imigrantes italianos faziam nos intervalos da lida na roça.  

Seu jeito simples e brincalhão atrai os olhares e lhe garante certa fama – ele coleciona aparições em programas televisivos sobre os atrativos turísticos da região. Há quem queira lhe abraçar após presenciar suas performances. “É preciso sempre ter o pensamento positivo para a coisa andar. Se sendo positivo já é difícil andar, imagina negativo”, pondera, ao explicar seu modo de levar a vida. 

Nei é da quarta geração da família, a terceira nascida no Brasil – seu bisavô, Batista Tomasi, veio da Itália em 1875. Aos 57 anos, ele ainda mora na mesma propriedade em que nasceu, no distrito de Tuiuty. Além de entreter os visitantes – trabalho que faz em parceria com a Vinícola Cainelli especialmente nos meses de verão e na época da colheita – Nei administra, ao lado da esposa, Marta, e das filhas, Virgínia e Verônica, o restaurante Addolorata e uma agroindústria que produz tortéis, massas, capelettis, pien e biscoitos que compõem o cardápio. O espaço, construído no terreno da família, foi criado para receber quem deseja apreciar os pratos típicos e estender um pouco mais a prosa – o que nem sempre é possível nos empreendimentos com grande rotatividade de clientes. Apesar de todas as tarefas, ele faz questão de seguir trabalhando com a lavoura e produzindo vinho colonial. É um “agricultor artista”, como gosta de definir-se. 

Na adolescência, Nei pensou em cursar Agronomia, mas chegou à conclusão de que, se era para lidar com a terra, não precisava ir até Pelotas (único lugar onde o curso era oferecido), bastava apenas reproduzir os passos do pai. É no dia a dia da lavoura que ele busca a inspiração para seus afazeres. Muitas vezes sem ganhar nada – e até tirando dinheiro do bolso – se dispõe a participar de ações com os visitantes e não mede esforços para vê-los felizes e despertar o desejo de regressar a Bento Gonçalves. “Eu deixo de fazer qualquer trabalho para isso”, explica. Nei aprendeu com a agricultura que nem tudo na vida tem retorno imediato, especialmente em termos financeiros na atividade turística: há o tempo de plantar e o de colher – e o intervalo entre os dois pode ser bem mais longo do que a ansiedade é capaz de lidar. O segredo para suportar a espera é desfrutar os momentos da jornada com alegria. “É um trabalho muito gratificante. Eu me sinto bem em ver as pessoas satisfeitas. Dá orgulho de fazer, vale a pena”, garante. 

Além do contato com diferentes pessoas, o que lhe motiva é também a preservação dos costumes dos antepassados – o que por muito tempo foi deixado em segundo plano pelos descendentes. “Não tem que ter vergonha de ser colono, tem que ter orgulho. A tradição não pode se perder. Tem gente que fica emocionado em ver. Tem gente que anda por toda a parte do Brasil e do mundo e diz que dificilmente vê um grupo que queira resgatar e manter a cultura. Em muitas vinícolas, têm só alguém técnico falando, ou um contratado. Aqui é a família e grupos da comunidade”, justifica. 

Além das brincadeiras e vestes características, Nei também é conhecido por conduzir passeios de tuque-tuque em parceria com a vinícola Cainelli

Como tudo começou

A extroversão e o espírito comunitário foram herdados do pai, Santo Tomasi, que sempre se envolveu em ações no distrito e era conhecido por organizar jantares para grandes grupos e leiloar tortas e pudins nas festas da localidade. “Sempre gostei de ficar na cozinha, de receber pessoas. Meu pai, se chegava em uma festa, em cinco minutos já estava cercado de pessoas. Eu tenho essa mesma característica, de chegar em um grupo e já fazer amizade”, lembra. 
Seu envolvimento com a atividade turística foi consequência do seu engajamento comunitário. Entre 1998 e 2005, ele foi subprefeito de Tuiuty e, além de auxiliar no dia a dia dos agricultores, também abraçou os trabalhos para a divulgação dos atrativos do roteiro do Vale do Rio das Antas. Após deixar a subprefeitura, ocupou um cargo na secretaria de Turismo, onde participava das promoções realizadas pela pasta, o que somou à experiência. 

O primeiro passeio de tuque-tuque foi realizado há três décadas, quando os proprietários de uma empresa de móveis de Tuiuty, onde a família promovia jantares, solicitaram que Nei fizesse alguma atividade com uma equipe de Marília (SP) que estava na cidade por conta da Movelsul. A bordo do veículo, ele percorreu algumas propriedades com os visitantes parando nos porões das casas para degustar quitutes típicos. A ideia deu tão certo que foi repetida nos anos seguintes. 

O personagem com as vestimentas surgiu com o grupo “Os Garrafonistas”, criado por moradores da comunidade para animar a Festa da Colheita no início dos anos 2000. “Eu gostaria de sair de casa assim todos os dias. Ver o Nei sem o chapéu e sem as ‘tiracas’ não é o Nei”, diverte-se. Ele faz questão de usar o traje, seja no restaurante da família, como motorista de tuque-tuque nos passeios para os turistas ou nos eventos em que é chamado para animar – como a Wine Run, corrida realizada no Vale dos Vinhedos e que atrai participantes de todo o país. Nei Tomasi, segundo ele, é quase uma marca. “Eu não sou Coca-Cola, mas posso ser Fruki”, brinca. 

A enxada de selfie é um sucesso garantido entre os turistas

Bom humor

Com ele não tem tempo ruim. Ao ser questionado se nunca fica triste, só consegue lembrar-se dos dias de preocupação enquanto reformava a garagem da família para transformá-la em ponto gastronômico – o que não chega a ser um sentimento negativo. Independente do tipo de grupo que está recepcionando, Nei procura deixá-los descontraídos já na chegada. Seu trabalho é fazer as pessoas esquecerem o que fizeram ontem e o que farão amanhã, focando-se no presente. Sua missão é descobrir a melhor maneira de tratar cada um. “É que nem dono de bodega, o cliente entra e tem que saber o que ele quer. Esse aqui quer cachaça pura, esse aqui quer cachaça com funcho, o outro quer um pastel de frango. Tem que ser bem rápido para ter a visão, não pode falhar”, assegura. 

Um dos recursos bastante explorados pelo artista são as brincadeiras – a enxada de selfie é um sucesso garantido em tempo de atrações transmitidas em tempo real. Para incentivar os participantes dos passeios na época da vindima a colherem as uvas, diz que tudo está sendo filmado e que os que não trabalharem não terão direito ao merendin. Para deixar a encenação ainda mais autêntica, ele finge espiar os supostos registros em uma caixa de ferramentas e dedura os mais preguiçosos. “O negócio é fazer brincadeira. Não dá para ficar aborrecido. Se é para ir em velório, aí é outro departamento”, ressalta.  

Apesar de acostumado a posar para as fotos tiradas pelos smartphones dos visitantes e da habilidade em criar cenas a serem fotografadas – como deixar as crianças dirigirem o tuque-tuque em determinado ponto mais tranquilo do trajeto – Nei não tem celular e nem pretende ter: usou só na época em que foi subprefeito. “Com aquele negócio não conseguia almoçar, não conseguia jantar”, conta, deixando seu lado piadista falar mais alto ao explicar que era um modelo que precisava de um carrinho de mão para carregar, porque parecia um tijolo.

A satisfação dos turistas e preservação dos costumes italianos é o que move o seu trabalho

Atrações "mecânicas"

O sucesso de Nei pode ser explicado também pela sua ligação afetiva com o “personagem” que desempenha, o que alguns turistas reclamam não encontrar em todos os estabelecimentos turísticos. Segundo ele, muitos também preferem os diferenciais da região às atrações mecânicas e comerciais da vizinha Gramado.  “Aqui no Vale do Rio das Antas a gente tem a natureza sensacional”, acrescenta. Embora o número de visitantes da rota ainda seja bem menor do que o Vale dos Vinhedos ou Caminhos de Pedra, o turismo na localidade vem crescendo e ainda tem um grande potencial a ser explorado, na visão de Nei.  “Temos que criar mais atrativos, para o turista ficar aqui, não só passar”, aponta. 

Esta é a 33ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito. 

 

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