Nem sei por que eu ainda me supreeendo
A mesquinhez humana, por mais absurdo que isso pareça, não tem limites. A repercussão negativa que a mais recente reportagem publicada pelo SERRANOSSA sobre o caso Charles Fantin gerou é exemplo de algo que nos entristece enquanto profissionais da imprensa. Foi a 8ª reportagem sobre o caso em 2 anos e a primeira que mais atrapalhou do que ajudou. Chegamos à seguinte conclusão: são poucas as pessoas que leem uma notícia completa – e não apenas o título e a legenda da foto – e mais raras ainda as que compreendem o que o texto quis passar. E olha que não é por falta de tentativa, já que tornar o assunto o mais claro possível é uma das premissas deste jornal.
Na referida reportagem constou claramente que a indenização seria paga mensalmente em forma de pensão justamente para que o dinheiro fosse usado exclusivamente para o tratamento do jovem, que ficou tetraplégico e dependente de aparelhos para respirar após um assalto ocorrido há quase 12 anos, no Parque de Eventos da Fundaparque. Eis que o que era para ser uma matéria emblemática sobre o resultado de anos de batalhas judiciais se tornou um tormento para a família, que passou a ser alvo de fofocas e – pasme – pedidos de dinheiro de pessoas desinformadas que chegaram à desastrosa conclusão de que a família estava milionária, obviamente sem ter lido toda a reportagem. Caso ainda não tenha ficado óbvio: ninguém ficou milionário. Eu já vivenciei de perto situações como a da família Fantin e sei o tamanho do rombo que manter um paciente com respiração artificial em casa gera no orçamento no final do mês. E foi justamente pensando em mostrar o caso à comunidade e conseguir ajuda para manter o jovem vivo que o SERRANOSSA abordou tantas vezes o assunto. É como aquele cartaz colocado em locais com estacionamento para deficientes que diz algo do tipo “muitos querem essa vaga, mas ninguém quer usar essa cadeira de rodas”. Todos querem tirar uma lasquinha da suposta indenização, mas são raros os que aguentariam passar pela situação que esse casal passa desde 2002. Lembro que, em uma das reportagens, a mãe de Charles desabafou dizendo que não tinha uma noite inteira de sono havia mais de 10 anos. Você aguentaria?
Infelizmente, algumas pessoas não têm o bom senso necessário para viver em sociedade e isso faz com que uma intenção positiva acabe gerando um efeito contrário. Será que esses homens e mulheres que agora pedem dinheiro emprestado ou fazem acusações infundadas a quem teve sua vida arruinada por uma tragédia têm noção de como isso é difícil física, financeira e emocionalmente? E não me restrinjo apenas a esse caso, mas de tantas outras famílias que lutam dia após dia contra a falta de dinheiro, o preconceito e as dificuldades que a vida impõe.
Não importa se estamos falando de Charles, de João, de Pedro ou de Eva, nem a sucessão de acontecimentos que os deixaram tetraplégicos, em estado vegetativo ou dependentes de uma cadeira de rodas. É absurdo que existam pessoas egoístas e superficiais a ponto de achar que quem passa por situações assim e ganha o direito a receber ajuda na Justiça tenha o que comemorar. Justiça não é loteria. Mas, do jeito que o mundo anda, eu nem sei por que ainda me surpreendo.
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