Nem um oceano de distância separou Thati e Luna

A bento-gonçalvense Thainara Moro Fuligo, ou Thati como gosta de ser chamada, 25 anos, sempre teve vontade de morar fora do país. A oportunidade de estudar outra língua e conhecer outras culturas surgiu em 2017 quando ela foi fazer um intercâmbio de estudos em Dublin, na Irlanda. O que ela não imaginava é que três meses se transformariam em anos e que Dublin se tornaria seu lar permanente. Em Bento, além de familiares e amigos, a saudade batia forte por Luna, sua “filha vira-lata”. E ficar longe dela nunca esteve em seus planos.
Isso porque, Thati e Luna sempre tiveram uma conexão muito forte. Em 2015, a estudante tinha acabado de perder Piter, seu cão, de 18 anos, quando a Luna apareceu na sua vida. Na clínica veterinária onde seu cão passou os últimos dias, Thati conheceu a história da Luna, uma cadelinha resgatada com mais de 30 cães de uma casa que havia pegado fogo no bairro Santa Rita. A situação dela e dos demais cães era bem delicada, pois estavam doentes e mal cuidados. A ONG Patas e Focinhos, na época, foi a responsável pelo resgate e o caso foi, inclusive, motivo de reportagem no SERRANOSSA.  Sensibilizada, Thati pagou todo o tratamento de Luna na clínica e, mesmo contrariando a família, que ainda sofria a perda de Piter, a adotou. 

Acuada e com muito medo – Luna sofria maustratos na antiga casa – , a nova integrante da família não levou muito tempo para se acostumar ao novo lar, onde passou a receber somente muito carinho e amor. Logo que Thati partiu em viagem, era comum ligações diárias por vídeo para tentar diminuir a dor da saudade.

A decisão de levar Luna a Dublin
Quando decidiu que de fato iria permanecer morando em Dublin, a bento-gonçalvense começou a pesquisar as formas de levar a sua cachorrinha para outro país. “Eu vi que era possível trazer a Luna. Não ia ter como ficar aqui sem ela. No dia do embarque para cá a nossa despedida foi a coisa mais difícil que eu já fiz. Eu lembro que ela ficava me olhando, sabendo que algo estava acontecendo, mas não entendia o quê. Eu chorei o voo todo de Porto Alegre para São Paulo”, recorda.

A lembrança do olhar de Luna na despedida e as conversas diárias por vídeo eram as motivações para Thati buscá-la. O primeiro desafio foi encontrar uma casa em Dublin que aceitasse animais de estimação. “Começar a vida em outro país não é fácil. A gente não conhece ninguém, não entende direito a língua, e arrumar lugar para morar não é fácil aqui em Dublin. Às vezes tem que dividir quarto com 4 ou 5 pessoas que não conhece. Mas quando consegui um lugar bom para morar e que daria para manter a Luna, eu comecei a trabalhar muito para ter todo o dinheiro para trazer ela”, conta.
Encontrado o lar, a estudante pesquisou as formas de levá-la do Brasil até a Irlanda. Segundo ela, “bem burocrático, mas nada impossível”. “O que complica é que o Reino Unido e a República da Irlanda são países em que a raiva já é erradicada e no Brasil não. Então ela teve que passar por uma série de exames e atestados para comprovar que poderia entrar aqui”, explica.

No Brasil, Luna teve que implantar um microchip, submeter-se a vacinação antirrábica e, após 30 dias, teve que fazer uma coleta de sangue, a sorologia, que foi encaminhada para um laboratório credenciado pela União Europeia no Brasil, onde foi solicitado o Laudo da Sorologia Antirrábica. A família ainda teve que ir no aeroporto internacional com um certificado do veterinário dela emitido 72 horas antes e, com o documento em mãos, foram até a Unidade de Vigilância Agropecuária Internacional no Aeroporto de Porto Alegre.  “Com toda a documentação pronta – Atestado de Microchipagem, Laudo da Sorologia Antirrábica com anticorpos acima de 0,5UI/ml, carteira de vacinação, Certificado de Saúde emitido pelo veterinário, Requerimento para Fiscalização de Animais de Companhia Comprovante de embarque e comprovação de endereço no país de destino, conseguimos o Certificado Veterinário Internacional – CVI. Com isso, ela teria até 10 dias para chegar na Irlanda”, conta, em detalhe. “Eu realmente decorei todos os passos”, diz, aos risos.


 

Mais burocracia
Não bastasse todos os certificados, poucas companhias aéreas fazem o transporte de animais para a Irlanda. Depois de encontrar o transporte, Thati tinha duas opções: “despachar” Luna, mas então seria necessário contratar um agente aduaneiro, porque o governo da Irlanda exige que uma empresa faça o despacho de animais. “Para mim isso estava fora de cogitação, pois ela é muito assustada”, comenta.
A outra opção era trazê-la como Animal de Apoio Emocional (ESAN). Para isso, Thati precisou que uma psicóloga emitisse um laudo atestando de que ela precisava de Luna ao seu lado. “E isso era muito verdade. Estava tendo muitas crises de ansiedade justamente por estar longe dela”, admite. Feito isso, era só fazer as malas e partiu, Irlanda!
No aeroporto, Luna foi identificada e estava na caixinha de transporte. “O voo de São Paulo para Amsterdam o atendimento dos comissários foi excepcional. Reservaram uma poltrona extra para mim e eu pude deixá-la na poltrona ao meu lado durante o voo todo. Foi supertranquilo, ela dormiu o voo todo e chegou supertranquila aqui”. 




 

 

Luna na Ilranda 
Depois de tantas dificuldades, Luna e Thati finalmente chegaram no destino final. Hoje elas dividem apartamento com mais quatro pessoas e, segundo Thati, “todos amam muito a Luna e cuidam muito bem dela”. Neste processo todo, ela conta que a ajuda dos pais, dos veterinários e do seu ex-namorado Kadu foram essenciais para que tudo desse certo. “Chegamos no meio do inverno daqui, pegou neve e muita chuva. Fiquei o primeiro mês sem trabalhar justamente para poder ficar com ela nesse processo de adaptação. Hoje ela já está superbem, ama passear por aqui e ir aos parques”.


 

 

Tanto esforço para ter sua filhinha de quatro patos ao seu lado é motivo de exemplo, diante a inúmeros casos de abandono de animais na cidade e no país. “É muito triste, tem gente que abandona simplesmente porque vai viajar de férias. Aí largam os animais ao próprio azar e as ONGs e protetores que têm que se virar nos trinta para fazer o que a pessoa não foi capaz de fazer. Eles são parte da família, não tem como se mudar e deixar um membro da família para trás. Eu acho que falta muita consciência por parte das pessoas que adotam um animalzinho ou até mesmo compram, eles são nossa responsabilidade, eles geram custo e eles precisam estar no planejamento das pessoas. Não adianta adotar ou comprar só porque é bonitinho e depois descartar como uma roupa velha”, desabafa. 

Prova de amor 
Provas que Luna é importante na vida de Thati não são necessárias mencionar, né? Afinal, resgatou, pagou tratamento e fez de tudo para tê-la ao seu lado do outro lado do mundo. Mas ela quis eternizar todo esse amor na pele. Recentemente, o rosto de Luna foi tatuado no antebraço de Thati para lembrá-la que nenhuma dificuldade ou distância é capaz de separar de quem a gente ama. “Eles não precisam de luxo, não precisam de coisas sofisticadas, eles só precisam de amor de cuidados. O motivo da tatuagem é tudo o que ela representa para mim. Eu faço o possível para que a Luna tenha o melhor, já que ela sofreu tanto, viu a pior face do ser humano. Agora eu quero mostrar que ela tem todo o amor do mundo, da mesma forma que a Luna me ensinou muito e ainda me ensina, todos os dias, a ter mais amor, a ser mais amor e a olhar e cuidar daqueles que precisam de nós”.


 

SÉRIE ESPECIAL..

Esta é a 131ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito.