Novo juiz chega a Bento com uma demanda de mais de 6 mil processos no juizado especial

Natural de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, o juiz Thiago Dias da Cunha, de 35 anos, chega a Bento Gonçalves para assumir a titularidade do Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública. Além disso, o magistrado assume temporariamente a 2ª Vara Criminal, em razão de licença-maternidade da titular.

Ao longo da carreira, o novo titular já atuou nas comarcas de Itaqui, São Borja, Pinheiro Machado e São Luiz Gonzaga. Em visita ao SERRANOSSA, ele falou sobre as demandas encontradas em Bento, além de analisar a relação do Judiciário com os demais poderes e com a sociedade, entre outros temas. 

O novo juiz garante que, em toda a cidade que passa, ele procura deixar claro o compromisso com o trabalho. “Os resultados nem sempre dependem daquilo que a gente quer, mas eu me comprometo em vestir a camisa, dar meu sangue, meu suor, como eu fiz em outros lugares. Claro que, na posição de fazer os julgamentos, sempre um lado se desagrada: andar mais rápido com os processos para quem é devedor é ruim e os processos lentos para algum grupo pode ser vantajoso. Então fazer bem o trabalho, sob o ponto de vista do Judiciário, não quer dizer agradar a todos. Meu compromisso é fazer o melhor e que atenda um parâmetro de justiça”, afirmou.

 


 

Confira os principais trechos da conversa, que pode ser conferida em vídeo na fanpage do SERRANOSSA.
SERRANOSSA: Quantos processos o senhor encontrou em andamento no Juizado Especial quando chegou ao município e quais as principais demandas?
Juiz Thiago Dias da Cunha:
Hoje nós temos dentro Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública um volume de aproximadamente 6.300 processos. Aqui em Bento tem uma peculiaridade no juizado da Fazenda Pública, onde observei um grande volume de ações contra o município, discutindo especialmente questões tributárias. Isso foi o que mais me chamou atenção, especialmente, a questão da taxa de lixo. Mas no geral é a mesma configuração das comarcas que a gente vê em outros locais.

SN: E como tem sido a atuação para a resolução destes processos especialmente agora durante a pandemia?
Cunha:
A gente tem nesta unidade do juizado especial duas peculiaridades: além da pandemia, outra questão é que esta área ficou muito tempo sem um juiz titular. Então, quando chega um novo juiz, mudam os entendimentos, há audiências represadas – e isso já é muito comum neste período de pandemia – então o esforço agora é tentar organizar essas audiências por videoconferência. Já fiz reuniões com juízes leigos e conciliadores para a gente conseguir ajustar um sistema que atenda essas demandas. Hoje nós temos esses desafios logísticos, especialmente, no que se refere à tecnologia. Há toda uma preparação e adaptação aos sistemas que nos são disponibilizados. Mas já estamos tendo, aos poucos, resultados positivos.

SN: E existe uma expectativa para a retomada das audiências presenciais? 
Cunha:
Eu acredito que as audiências possam voltar somente quando os números da pandemia decaírem bastante. Tem um ato do Conselho Nacional de Justiça, que foi o primeiro que estabeleceu os parâmetros de trabalho para a pandemia, o qual foi editado com prazo de alguns meses, depois até o final do ano passado e agora já ficou para até o final de 2021. Então estamos trabalhando dentro deste cenário: tentar fazer o serviço andar, com audiências por videoconferência e jogar com as peças que temos no tabuleiro. Se os números da pandemia melhorarem e a vacinação avançar, será muito mais fácil a gente retomar o trabalho como costumávamos a fazer, por atos presenciais.

SN: E, em relação à 2ª Vara Criminal, quais os crimes de maior ocorrência em Bento?
Cunha:
Hoje o crime mais comum é o tráfico de drogas.  Em quase todas as comarcas do Estado este é o delito predominante. A gente vive um momento em que as facções querem ampliar o espaço geográfico e disputam entre si essas áreas, então este crime é o que mais se destaca em termos quantitativos. A 2ª Vara Criminal também concentra a competência do juizado da criança e da juventude e isso também dá alguns desafios. Inclusive, já está marcada uma reunião com o Conselho Tutelar para alinharmos as rotinas, a questão do abrigo municipal. É uma jurisdição que precisa de muito tempo e atenção.

SN: Sabemos que todos que têm uma ação têm urgência pela sua resolução. Como o senhor define o que é ou não prioridade dentro de um volume tão grande de processos?
Cunha:
É bem difícil. O que a gente tem são os parâmetros legais. Se é uma questão de um réu preso, ou adolescente infrator internado, ou ainda de criança e adolescente que precisam de uma medida de acolhimento, esses tem urgência “urgentíssima”. Na sequência vêm os tratamentos de saúde, medicamentos, internação e ainda, depois, processos que envolvem idosos. Mas é bem complicada toda esta questão. Por exemplo, uma indústria que aumenta em 10 vezes seu número de pedidos, também aumenta sua estrutura, contrata pessoas, etc. No Judiciário não é assim: aqui na cidade temos três áreas cíveis, duas criminais e uma de juizado especial. Cada juiz tem um assessor, um secretário, dois estagiários e as equipes dos cartórios. Então se há um aumento da demanda, nós não temos como aumentar a nossa estrutura de uma hora para outra. É uma luta constante para fazer esse gerenciamento. No juizado, que atende os processos mais simples, um dos desafios que a gente tem é diminuir a demanda. E não é porque o valor da causa é mais baixo que ele não é importante. Tem casos que o valor da ação, que pode ser de R$ 10 mil, é quase a totalidade do patrimônio da pessoa e isso é importante pra ela.

SN: Atualmente, o Judiciário Brasileiro tem passado por um momento de turbulência, principalmente em razão das decisões tomadas pelo STF e, em nível estadual, a batalha judicial em torno da volta às aulas. Qual a sua opinião sobre a relação do Judiciário e demais poderes com a sociedade? 
Cunha:
A composição do Judiciário é diferente dos demais poderes, porque os ocupantes não são oriundos de eleições. Hoje o Brasil é um país com a democracia em desenvolvimento. A gente vê que apenas recentemente as pessoas acompanham as notícias e sabem os nomes, por exemplo, de um ministro do STF, do STJ, e acompanham as votações. Tem um aspecto negativo destes conflitos mais candentes, mas, por outro lado, tentando enxergar o copo meio cheio, pode ser um sinal de amadurecimento político. As pessoas têm se mostrado mais preocupadas com a coisa pública, mais envolvidas e, claro, se nós formos observar o histórico de outros países num grau de democracia mais desenvolvida, ao longo da história, muitos conflitos aconteceram. A própria guerra civil americana começou depois de uma decisão judicial sobre a questão de um escravo. Acho que há esses aspectos ruins de conflitos mais intensos e isso gera um desconforto, desgaste, mas, por outro lado, pode ser sinal de amadurecimento.