Número de doadores múltiplos caiu em 2013

Além de ainda não representarem um número tão expressivo em Bento Gonçalves, as doações múltiplas de órgãos e tecidos registradas no Hospital Tacchini reduziram em 2013, na comparação com 2012, quando cinco procedimentos haviam sido autorizados por familiares. No ano passado, foram apenas três.

Entre os motivos que contribuem para um total baixo de casos, estão a resistência dos parentes para autorizar as doações e a ocorrência de doenças que inviabilizam futuros transplantes em pacientes que aguardam na fila de espera (veja quadro). No mesmo período, porém, a doação de ossos aumentou, segundo dados da Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT), passando de nenhum caso em 2012 para quatro em 2013.

O processo para identificar um doador múltiplo é minucioso. Só entram para esse grupo as pessoas que têm morte encefálica, quando o cérebro para de funcionar. No caso das córneas, são considerados possíveis doadores pacientes que morrem por insuficiência cardíaca. A faixa etária dos doadores também é um dos critérios. Para córneas, é de 2 a 80 anos; as doações de ossos são restritas de 18 a 70 anos e de coração, em média, até 48 anos.Antes de ser considerado um doador de órgãos, o paciente passa por uma bateria de exames em que é averiguada a ausência total de sangue no cérebro. Trata-se de um processo demorado e muito delicado. Qualquer mínimo sinal de sangue anula a possibilidade. “Acontecem poucas mortes dessa natureza se comparado a outras causas. Hoje, o Tacchini registra uma média de 600 mortes por ano, mas essas situações são raras”, destaca a enfermeira Zeni Lazzarini, coordenadora da comissão.

Família

Com 27 anos de casa, Zeni conhece intimamente a realidade de quem perde um familiar e resolve salvar outras vidas. Ela foi enfermeira da UTI adulto por 24 anos e, desde 2011, trabalha na Organização de Procura de Órgãos (Opos). Após o diagnóstico de morte, são as enfermeiras que entrevistam os familiares de um possível doador. “É difícil, primeiramente nos colocamos no lugar deles. Nós nos emocionamos em muitos momentos, mas apesar de tudo é muito gratificante, pois sabemos que estamos ajudando pessoas que estão lutando para viver”, reflete.

Medo e questões culturais são apontados pela enfermeira como os maiores inimigos de quem está em uma fila de espera. “Sempre orientamos as pessoas a conversarem em casa sobre o assunto. Apesar da religiosidade ainda ser um forte impedimento, percebemos uma melhora nesse aspecto. Durante as entrevistas com os familiares, muitos revelam que haviam comentado a respeito. Sabemos que a morte é inevitável, não há porque temer falar sobre ela. É importante falar, deixar claro se quer ser um doador ou não”, conclui. 

A lista de espera por um órgão é única e estadual. Os pacientes devem se dirigir à unidade de saúde mais próxima e encaminhar o pedido à Central de Transplantes, em Porto Alegre. As córneas são encaminhadas ao Banco de Olhos do Hospital Geral, em Caxias do Sul, e os ossos são destinados para o Banco de Ossos do Hospital São Vicente de Paulo, em Passo Fundo. Em todo o Estado, pelo menos 131 pessoas estão na lista de espera em busca de um novo fígado, 972 pacientes aguardando um rim, 16 por um novo coração, enquanto 60 esperam novos pulmões e outros 15 pacientes sonham em voltar a enxergar após o transplante de córneas. Desde a sua fundação, a Comissão realizou mais de mil captações de órgãos e tecidos e transplantou mais de 200 córneas.

“Tinha dias em que eu sentia medo da morte,outras vezes eu pedia para morrer”

Quem observa a rotina intensa de Volmir Raimondi, 47 anos, nem imagina que há 16 anos sua vida se resumia a períodos de repouso e hemodiálises. Os 14 meses em que precisou frequentar o Hospital Tacchini, dia sim, dia não, foram substituídos por uma agenda cheia de compromissos. Atualmente Raimondi é presidente da Associação dos Deficientes Visuais de Bento Gonçalves (ADVBG), presidente da União Latino-Americana de Cegos, conselheiro do Conselho Nacional de Assistência Social e integrante da Associação Pró-Rim do município.

A fístula no pulso esquerdo e as cicatrizes no braço são os únicos sinais que revelam seu passado. Ele descobriu que precisava de um transplante após visitar um cardiologista, devido aos sintomas de tosse e pressão alta. No mesmo dia foi internado na Santa Casa, em Porto Alegre, para realizar uma bateria de exames. “A tosse com catarro era água no pulmão. A partir de então comecei a fazer hemodiálise, o que me deixou bastante debilitado. Emagreci 26 quilos, não sentia fome e fiquei com anemia. Tinha dias em que eu sentia medo da morte, outras vezes eu pedia para morrer. É um sofrimento muito grande”, revela. 

O rim transplantado foi doado por seu irmão mais novo e por isso não foi necessário entrar na fila de espera por um órgão. “Entendo quem tem medo de doar. A falta de informação reforça o tabu. Pouca gente sabe: o ser humano pode viver saudavelmente, para o resto da vida, com a função de meio rim”, esclarece Raimondi.

Reportagem: Priscila Boeira

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