Número de suicídios apresenta alta preocupante em Bento Gonçalves

O número de pessoas que tiram a própria vida em Bento Gonçalves tem sido expressivo a cada ano. Somente em 2015, foram registrados 14 casos e outras 118 tentativas de suicídio. Os índices elevados colocam a cidade entre as que apresentam os maiores números no Rio Grande do Sul e superam, também, a média nacional. De 2012 a 2015, os registros se mantêm em constante elevação.

Falar sobre o tema ainda é algo delicado – porém, o psicólogo e coordenador do setor de Saúde Mental da secretaria municipal de Saúde (SMS), Roberto Luis Bonfanti, afirma que é de extrema importância abordar o assunto para tentar evitar uma atitude tão extrema. O alento também pode ser buscado através da rede municipal de saúde, que conta com atendimento especializado para o enfrentamento deste problema.

Os quadros de suicídio costumam ser precedidos de grave depressão e do abuso de substâncias como álcool e drogas. “É difícil explicar, com exatidão, por que algumas pessoas optam pelo suicídio, enquanto outras em circunstância igual ou até pior não o fazem, enfrentando corajosamente seus problemas. Não existe uma causa única para essa atitude radical, que resulta de variados fatores, sejam biológicos, psicológicos, culturais e ambientais”, explica Bonfanti.

O coordenador relata, ainda, que estudos mostram que os suicidas desejam livrar-se do sofrimento, para o qual, acreditam, não existe outra saída. “Antes de chegar ao fim, muitos demonstram sinais de sua intenção, de modo que prestar atenção a estes detalhes pode resultar em conseguirmos prevenir em algum nível o problema e encontrar um desfecho favorável. É preciso perguntar se a pessoa está com ideia de morrer, se pretende se matar. Falar sobre o assunto”, aponta o psicólogo. “E, mesmo que não consigamos ter controle absoluto sobre os suicídios, é bom sabermos que é possível obter, com a prevenção, alguma redução nos índices e salvar uma vida”, complementa.

O número de homens que cometem suicídio é quatro vezes maior que o de mulheres. Entretanto, as tentativas são mais frequentes entre pessoas do sexo feminino, em uma média de três para cada um. “Uma explicação para este fato reside na agressividade maior dos homens, favorecendo que eles consigam efetivar mais suas tentativas, ao passo que as mulheres tentam mais, mas o realizam menos”, pontua.

Entre as formas de letalidade, segundo levantamento da Vigilância Epidemiológica da SMS, a maior ocorrência é por enforcamento, seguida por arma de fogo, uso de pesticidas, produtos químicos e queda de altura. A maior taxa de suicídio encontra-se entre a idade de 20 e 39 anos, representando, na série histórica de 1980 a 2015, 39,5% dos casos. Nesta mesma faixa, também estão as maiores taxas de tentativas de suicídio, com 58,1% dos casos (média referente aos anos de 2000 a 2015). “As pessoas que vivem sozinhas, separadas, solteiras, viúvas, são as mais vulneráveis ao suicídio, assim como os migrantes, que se mudaram da área rural ou de outras regiões. Fatores estressores ambientais como problemas afetivos no relacionamento, rejeição, desemprego, perdas financeiras, luto, bullying, também estão associados a atos suicidas”, detalha o especialista.

Características psíquicas e ajuda

Algumas peculiaridades ajudam a identificar uma pessoa propensa ao suicídio. As principais são o comportamento depressivo, no qual a pessoa sente muita tristeza, acaba se isolando socialmente, tem a sensação de inutilidade, desesperança, sentimento de culpa e perde o prazer até em realizar as atividades diárias; ambivalência, quando a pessoa possui sentimentos conflitantes entre viver e morrer; impulsividade, por meio da qual um ato é realizado sem avaliar as consequências, e a agressividade da pessoa é voltada para ela mesma; e rigidez mental, situação em que a pessoa não consegue perceber outras maneiras de resolver seu problema e toma a sua decisão como absoluta. “A todas essas características devemos dar importância e incentivar a pessoa a desabafar seus problemas, reservar um tempo para ouvi-la e criar um vínculo. Conversar sobre os problemas tende a aliviar o sentimento de isolamento, modificando a concepção negativa que ela tem dos fatos da vida. Na conversa, preserve o sigilo e solicite a permissão da pessoa para pedir apoio”, recomenda Bonfanti.

Ele ressalta, ainda, que uma ameaça suicida deve ser sempre levada a sério e deve-se evitar fazer ironias, provocações e brincadeiras. “O desdém faz com que a pessoa sinta mais raiva e seja ainda mais tentada a praticar a ação. Devemos ter sempre presente que estamos diante de uma pessoa enferma e que apresenta sofrimento psíquico. Não devemos acusar, nem fazer com que ela se sinta culpada por tais ideias ou ações. Elas são uma consequência de um quadro depressivo grave, com alterações bioquímicas no cérebro e que faz com que a pessoa se sinta incapaz de resolver as dificuldades e não encontre mais sentido em viver”, analisa.

Atendimento

A rede municipal de saúde conta com profissionais e serviços capacitados para atender pessoas que sofrem deste problema e seus familiares. A porta de entrada no serviço é através das Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou Estratégia Saúde da Família (ESF) dos bairros. “Se a pessoa está passando por uma crise aguda psicótica ou depressiva, suspeita ou expressa ideias suicidas que representem risco de vida, ela deve ser levada diretamente à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde há médicos especializados para fazer o atendimento emergencial”, orienta Bonfanti. Conforme o caso, ela pode ser encaminhada para internação tanto na ala psiquiátrica do Hospital Tacchini, que possui 15 leitos através do Sistema Único de Saúde (SUS), quanto em hospitais e clínicas da região.

Os pacientes contam também com acompanhamento multidisciplinar através do Serviço de Atendimento Psicossocial (Caps II), Serviços de Atendimento Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps AD) e Centro de Atenção Psicossocial Infantil (Caspi). “Todo o atendimento é gratuito. Temos psiquiatra, médico clínico, psicólogos, assistente social, terapeuta ocupacional, enfermeiro e técnico de enfermagem, que realizam atendimento individual, em grupo e oficinas terapêuticas. A participação dos familiares também é muito importante e são realizados grupos de acompanhamento para eles”, elenca o coordenador. O encaminhamento ao sistema é realizado diretamente pelas UBS ou ESF.

Por mês o Caps II realiza em média 1,4 mil atendimentos ligados ao sofrimento psíquico. No Caps AD, onde são acolhidos os casos em que a pessoa tem alguma dependência em álcool ou outras drogas, são feitos, aproximadamente, 1,2 mil atendimentos mensais, e no Caspi, cerca de 800.