O futuro do Rio das Antas

Pode ser concluído até o início de 2013 o Plano de Bacia que indicará os usos que poderão ser feitos das águas do Rio das Antas, que atravessa a região e tem influência sobre 108 municípios gaúchos, inclusive Bento Gonçalves. A expectativa é do presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas, Daniel Schmitz, que tem a confiança de que é possível racionalizar o uso da água para garantir abastecimento em quantidade e qualidade suficientes para as gerações futuras. 

Terminada a fase de coleta de opiniões junto à população com relação aos usos da água, Schmitz falou ao SERRANOSSA sobre o processo de organização do Plano de Bacia, a participação da comunidade e as pressões em defesa de diferentes interesses quanto à exploração da água do Rio das Antas: “trabalhamos o diagnóstico do rio que nós temos. A pergunta que foi feita à população nas consultas refere-se ao rio que queremos. E agora nós vamos construir o rio que podemos ter”, resume.

 
Jornal SERRANOSSA: Quais os próximos passos da construção do Plano de Bacia e qual é a tendência na região?

Daniel Schmitz: Essa definição das vontades que a população está expressando será apresentada na próxima reunião do comitê, em Triunfo, nesta sexta-feira, dia 25. No encontro divulgaremos o resultado estatístico e a tendência de escolha da população. Essa construção final vai para consultas públicas do comitê. A comunidade participou e vamos ter que apresentar o resultado, em um processo chamado de pré-enquadramento. Depois disso, a população ainda poderá expressar sua leitura e a partir daí, dentro do comitê de bacia hidrográfica, com os membros, vamos fazer a construção do enquadramento das águas.

 
SERRANOSSA: Será preciso verificar a viabilidade do enquadramento expressado nas consultas públicas…

Schmitz: Exato. Vamos fazer a compatibilização. Porque na vontade da população talvez haja setores que queiram alguma coisa utópica. Trabalhamos o diagnóstico do rio que nós temos. A pergunta que foi feita à população nas consultas refere-se ao rio que queremos. E agora nós vamos construir o rio que podemos ter. Esta compatibilização das vontades será feita depois do mês de junho.

 
SERRANOSSA: Equalizar interesses tão diferentes vem sendo difícil?

Schmitz: É muito complicado. É uma das coisas mais complexas que existem no processo. Quando é um setor único, as pessoas buscam o bem comum. Quando trabalhamos com a água, há apenas uma coisa comum: todos querem água em quantidade e qualidade para todos os usos. Só que existem interesses econômicos que podem entrar em conflito uns com os outros. Esses conflitos podem ser acentuados de acordo com a disponibilidade hídrica: em um período de seca, de escassez por quantidade ou qualidade, haverá conflitos muito acentuados. O comitê de bacia hidrografia é o local onde os setores vão dialogar. Hoje talvez estes conflitos não estejam tão próximos, mas no futuro podem acontecer, porque a pressão pelos recursos hídricos é muito grande. Pode chegar um momento em que haja um ponto de ruptura e aí vai ser preciso construir o diálogo para manutenção do bem comum.

 
SERRANOSSA: Qual é o estado da bacia hoje?

Schmitz: Há alguns cenários bastante preocupantes. Uma população muito expressiva (1,2 milhão de habitantes), um conjunto de cidades populosas, centros urbanos se aglomerando cada vez mais, atividades econômicas e industriais, e é preciso água. Temos uma agropecuária bastante intensiva em toda a bacia, com uma carga orgânica muito grande, que temos que trabalhar de forma profissional, para garantir uma produção com sustentabilidade e qualidade de vida ao produtor e também à geração futura, mantendo a qualidade da água. A bacia tem pontos muito claros de necessidade de saneamento básico. Em 118 municípios, são raros os que têm algum sistema de tratamento. Temos que ter o esgoto das nossas casas tratado. Temos que ter uma valoração no processo produtivo para que as indústrias otimizem a racionalização do uso da água. E nas nossas residências nós também precisamos racionalizar o uso da água. O racionamento já é assunto comum na bacia e, quanto mais nós estivermos alheios à gestão da água, mais problemas teremos que resolver depois. E a sociedade vai pagar o preço.

 
SERRANOSSA: Qual é o nível de poluição do Rio das Antas atualmente?

Schmitz: A maioria das sub-bacias é classe 4 (segundo resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, águas nesta classe só são próprias para navegação e paisagismo).

 
SERRANOSSA: Então não deveríamos estar bebendo essa água?

Schmitz: Não. Significa que a água em classe 4 deverá ter muito mais tratamento para ser bebida. O processo para purificá-la será mais caro.

 
SERRANOSSA: Investir em saneamento significa investir menos em tratamento…

Schmitz: Com certeza. Diretamente. Quem investe em saneamento investe menos dinheiro no tratamento daquela mesma água. Para a saúde pública tem uma resposta direta.

 
SERRANOSSA: No diagnóstico feito para embasar o Plano, foi detectado que 35% das doenças de veiculação hídrica do Estado estão concentradas nos municípios da Bacia Taquari-Antas…

Schmitz: Nesse trabalho do diagnóstico se buscou informação sobre a saúde pública e a relação com os recursos hídricos. E nos chamou muito a atenção que 35% dos casos de doenças de veiculação hídrica no Rio Grande do Sul acontecem na Bacia Hidrográfica Taquari-Antas. É número oficial, do governo. Significa que nós temos um problema grande de saneamento, numa bacia hidrográfica com índices de produção elevados, com nível econômico elevado. Uma bacia rica que, porém, não está fazendo o básico.

 
SERRANOSSA: A população da região tem muito medo que falte água nos próximos anos. Existe esse risco?

Schmitz: Existe. E a relação não é territorial. Bento Gonçalves bebe água que tem interferência de Farroupilha. E aí, como é que se trabalha isso? Esse problema está muito suave hoje. Se esse processo se tornar mais complexo, envolverá ações políticas entre dois municípios. Em que instância se dá isso? Não é mais a relação política entre Bento e Farroupilha, e sim uma relação de abastecimento da população que reside na bacia hidrográfica. Trabalhar para fazer com que esses usos sejam compatíveis, para dar segurança à população, para ter quantidade e qualidade, é uma questão atual, não é futura. Para se garantir o futuro é preciso trabalhar hoje.

 
SERRANOSSA: A expansão da ocupação territorial na região é um dos fatores que têm pressionado a bacia e, no caso de Farroupilha e Bento, já começa a ganhar ares de disputa (em Farroupilha está prevista a abertura de um loteamento em uma área de nascentes que contribuem para o abastecimento de Bento)…

Schmitz: Tem um problema sério com relação a isso: o loteamento de uma área que tem que ser preservada porque produz água. Essa é a complexidade do sistema. As coisas não são resolvidas na caneta. É para isso que serve o Plano. Os municípios vão ter que levar em consideração algumas questões básicas.

 
SERRANOSSA: Os municípios estão preparados para seguir o Plano? Há consciência da sua importância? Como fazer para que seja observado?

Schmitz: Não há consciência. Para fazer valer, será necessário um processo de articulação política e de cobrança oficial. Por exemplo: se não estiver enquadrado dentro da realidade planejada para a bacia hidrográfica, você não terá financiamento bancário. Hoje é um bicho de sete cabeças, mas eu acredito que ainda vá se chegar também à cobrança pelo uso da água. É um elemento que está guardado na gaveta. O objetivo do Plano de Bacia não é cobrar pela água. O objetivo é ter outras ações. Contudo, a ação de cobrança está prevista em lei e se o processo não evoluir, não for levado a sério, tem que se lançar mão da cobrança. Quando tivermos o conflito posto, teremos que ter elementos de pressão.

 
SERRANOSSA: Quando fica pronto o plano?

Schmitz: Em outubro teremos que estar com o enquadramento das águas pronto. Em dezembro ele irá para a apreciação do Conselho de Recursos Hídricos. Iniciaremos 2013 com o enquadramento da bacia aprovado e posto em prática.

Reportagem: Eduardo Kopp

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