“O Natal nunca foi o mesmo para a nossa família”

Para muitas pessoas, a chegada do Natal é sinônimo de paz e comemorações. Mas para a família Cerri, não. Foi exatamente nessa época que Luis Carlos Cerri foi morto, após uma discussão no trânsito. O jovem, com 23 anos na época, levou uma facada no pescoço, que atingiu a veia jugular e a artéria carótida. Depois de passar seis dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Tacchini, ele não resistiu aos ferimentos. Passados exatos cinco anos do acontecido, o caso ainda não foi julgado. A família busca na Justiça um consolo para superar a dor da falta do filho caçula.

A fatalidade ainda não é compreendida pela família e amigos. Cerri era natural de André da Rocha e tinha se mudado para Bento Gonçalves em busca de oportunidades de vida, junto com dois irmãos. Entre seus sonhos estava o de iniciar o curso de mecatrônica, área na qual já trabalhava desde os 21 anos de idade. Ele também queria e constituir uma família com a namorada, com quem estava há cinco anos, e planejava comprar um apartamento e ter filhos. “O outro rapaz que estava com ele no veículo naquele dia contou que eles haviam saído de uma confraternização da empresa onde trabalhavam e foram até o bairro Planalto comemorar o final do ano com outros colegas. Ele dirigia em direção ao bairro Juventude, onde deixaria o amigo quando, na altura da avenida Planalto, aconteceu a discussão em razão de uma suposta manobra brusca. Meu irmão e o amigo continuaram o trajeto. Ao chegarem na Pipa Pórtico, ele foi golpeado no pescoço pelo condutor do outro veículo envolvido na confusão”, relata a irmã da vítima, Dilce Cerri. As versões sobre quem teria feito a manobra são contraditórias e o incidente não teve sequer danos materiais, conforme relato das testemunhas do processo.

A facada foi desferida por Luciano Castria de Oliveira. Em seu depoimento à juíza Fernanda Ghiringhelli de Azevedo, em setembro deste ano, Oliveira afirmou que foi seguido pela vítima desde o bairro São Bento até a saída da cidade. Ele disse ter acreditado se tratar de um assalto e, por isso, acionou a Brigada Militar e reagiu. “Eu estava descendo no sentido Polícia Rodoviária Estadual e a viatura [da Brigada Militar] estava subindo. Eu parei embaixo da Pipa Pórtico. Quando eu desci do carro, eu lembro que eu tinha uma faquinha, que usava para cortar e abrir as minhas caixas de bebidas. Eu estava indo em direção à viatura para pedir auxílio e nisso o Golf já estava chegando. Eu gritei pra eles [policiais]: ‘É, ele, é ele, é esse veículo’”, relatou. Segundo o acusado, naquele instante o Golf saiu do local e o motorista desceu. “Eu estava continuando indo em direção até os policiais e ele avançou. Aí eu sei que eu cravei a faca nele. Ele entrou no veículo e foi embora. Nisso, os brigadianos fizeram a volta e eu gritei que era ele, era ele, e eles desceram. Depois, eu entrei no carro e fui embora também”, detalhou em juízo. A versão dada por Oliveira contesta o que afirmaram os policiais e as testemunhas do crime, que alegam que Cerri não parou o automóvel e nem desceu do veículo, sendo atingido em função de que o vidro estava aberto. 

Depois da facada, a vítima ainda conseguiu dirigir até a rua que liga a RSC-470 ao bairro Juventude, onde perdeu o controle do veículo e colidiu contra a Unidade de Saúde. Atordoado, ele desceu do veículo, pediu para que não o deixassem morrer e, em seguida, desmaiou. 

Saudades

Cerri foi submetido a uma primeira cirurgia para estancar o sangramento no pescoço. A segunda intervenção, destinada a diminuir o inchaço cerebral, foi descartada pela família, após os médicos explicarem que, caso ele sobrevivesse, permaneceria em estado vegetativo. “O amigo que estava junto no veículo conta que o Luis Carlos tentou dirigir até o hospital em busca de ajuda. Ele teve que ‘trocar’ todo o sangue e, depois de seis dias, foi diagnosticada a morte cerebral. Nós até tínhamos aceitado realizar a doação de órgãos, mas não foi possível”, lamenta a irmã. Dilce ainda conta que o jovem foi enterrado na sua cidade natal e que a mãe cultiva um pequeno jardim ao lado do túmulo que é cuidado também pelo marido. “Durante o ano ela vai uma vez por semana e, nesta época, todos os dias. Só queremos que a justiça seja feita. Somos humildes, mas sempre fomos muito unidos e próximos, nunca, até então, tínhamos passado um Natal separados. Guardávamos essa data, mesmo depois de todos crescidos, casados e com seus compromissos, para celebrarmos o nascimento de Jesus e a vida, como sempre ouvimos de nossos pais. Depois disso, sempre há um lugar vazio na mesa. A falta dele é imensa, sem medida”, emociona-se. Naquele ano os irmãos haviam programado passar as férias de verão juntos no litoral de Santa Catarina, mas a viagem que seria realizada na companhia dos sobrinhos foi interrompida de forma inesperada. 

Ainda consternada, ela diz que o final de ano é complicado. “Parece que as coisas se tornam mais afloradas e as lembranças mais sensíveis. Mas, apesar de tudo isso, não deixamos de ser pessoas honestas, trabalhadoras, com princípios que trouxemos desde a infância de respeito a vida, amor ao próximo e união. Se não tivéssemos uma boa base familiar e amigos, não teríamos suportado tudo isso”, desabafa.

Lembranças boas

A maior indignação da família diz respeito à demora no julgamento do processo. “Sabemos que o acusado estudou, se formou e a vida do meu irmão acabou em 2007, sem poder realizar seus sonhos. Esperamos que a justiça seja feita e que ele seja preso e pague um pouco a dor e sofrimento que nos causou. Para nós o que resta hoje é um túmulo”, enfatiza. Dilce também destaca que a família tenta encontrar forças lembrando dos momentos bons que passaram juntos. “Ele era uma pessoa calma e amiga, de sorriso fácil, que cativava qualquer um que convivesse com ele. Meu filho, na época com dois anos, e a minha sobrinha, com quatro, adoravam ele, e sofreram muito. É difícil explicar para uma criança que a pessoa com quem brincavam e que os levava para passear agora não está mais entre nós e que é apenas um anjinho lá no céu”, conta.

Acusado em liberdade

O acusado pela morte, Luciano Castria de OIiveira responde ao processo por homicídio qualificado em liberdade. A pena prevista varia de 20 a 30 anos de reclusão. “O que sentimos é uma sensação de impunidade. Ele está solto e meu irmão perdeu a vida por pura covardia. Minha mãe entrou em depressão e até hoje toma medicamentos. Parece que a vida não vale nada. Chegamos até a pensar se vale a pena ser correto, já que ele matou e ficou por assim mesmo. Só queremos que a justiça seja feita”, conta. O processo atualmente está em fase de pronúncia, etapa na qual a juíza decide se o caso irá a júri popular.

Reconstituição

A reconstituição do crime foi realizada no dia 18 de abril de 2008, quase quatro meses após o ocorrido. Foram encenadas três versões: a do amigo de Luis Carlos, que estava com ele no veículo; a do acusado; e a dos policiais militares que estavam nas proximidades no momento do incidente. As investigações do caso foram comandadas pelo delegado Álvaro Pacheco Becker, titular da 2ª Delegacia de Polícia (2ª DP). Familiares e colegas de trabalho da vítima também acompanharam o trabalho dos peritos.

Reportagem: Katiane Cardoso


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