O preço de um título mundial

Jussemar André Noskoski não superou apenas os extenuantes treinos preparatórios, o desgaste da viagem de quase 30 horas e os adversários no ringue antes de sagrar-se campeão mundial de muay thai, no último dia 21, na Tailândia. Para chegar lá, também teve que passar por outro obstáculo, tão difícil quanto: a falta de apoio.

Natural de Alpestre, mas residente em Bento há 18 anos, o lutador só conseguiu tornar possível a participação no Mundial dois dias antes da viagem. Mesmo assim, precisou tirar dinheiro do bolso para arcar com quase a metade dos R$ 7 mil necessários para o transporte, alimentação e hospedagem. Desse montante, R$ 4 mil foram viabilizados por quatro patrocinadores e apoiadores: Imobiliária Pontual, Hotel Dall’Onder, prefeitura municipal e advogado Vanderlei Mesquita. “Tive que tirar o restante do meu bolso”, lamenta.

A conquista do cinturão dá a perspectiva de dias melhores, principalmente porque credencia o atleta a requerer o Bolsa Atleta. Ainda assim, o auxílio do Governo Federal não será o bastante para a dedicação integral ao esporte. Depois de chegar ao topo, ele almeja manter-se nele e para tanto a única alternativa é continuar dividindo-se entre o trabalho em um posto de combustíveis e os treinos. “É um grande sonho viver do muay thai, mas infelizmente, hoje, isso não é possível pela falta de patrocínio”, frisa.

Noskoski acredita que em médio prazo esse sonho será viável, enquanto isso, se mostra conformado de que continuará tendo que superar outros adversários antes de encarar os oponentes no ringue. Para o jovem campeão do mundo, cada real tirado do bolso não é um dinheiro jogado fora, mas sim um investimento, seja para o próprio futuro, ou pela possibilidade de uma perspectiva de vida melhor às centenas de crianças do projeto social da Garra que agora o vêem como uma referência. “Acho que essa conquista pode ser um incentivo a todas as crianças, para que tenham vontade de ir ao projeto ao invés de ficar na rua. Se há um campeão mundial e um vice-campeão mundial na cidade, elas podem se inspirar na gente, olhar e ter a vontade de ser igual ou melhor”, anseia.

“Podemos chegar muito mais longe se as pessoas acreditarem”

Responsável por plantar a semente das artes marciais em Bento Gonçalves, o presidente e professor da Garra Team, Eduardo Virissimo, não esconde a frustração diante da falta de apoio e incentivo aos atletas da cidade. “Cinco dias antes da competição eu não deveria estar buscando uma solução para o atleta embarcar, e sim treinando e focando nos detalhes técnicos. Se a gente conseguisse um apoio à altura dos atletas do nível que a gente tem, os resultados seriam ainda melhores. Competimos com três caras trabalhadores, que batalharam suas passagens no dia a dia, e conseguimos três lugares no pódio (Jussemar, primeiro; Estevão Beninca, segundo; e Fábio Nunes, terceiro). Me sinto bem pelos resultados, mas mal pela situação que a gente teve que passar para chegar lá”, desabafa.

Atualmente, os projetos sociais de Garra, que ensinam muay thai e jiu-jítsu, contam com mais de 450 crianças em vários núcleos espalhados pelo município. O “Jiu-Jítsu para Todos” é considerado o maior projeto social da modalidade no Brasil. Virissimo revela preocupação, sobretudo, com o futuro de algumas crianças que desde cedo revelam-se promissoras para o esporte. “Essas crianças olham a foto do Jussemar no jornal e perguntam: ‘Professor, eu também posso viajar? Eu também posso ser campeão mundial?’. A gente motiva, incentiva, não há como dizer que não, mas não temos mais a certeza de que poderão chegar lá. Afinal, hoje eu sequer tenho a certeza de que vamos conseguir a passagem para um campeão mundial poder lutar o Campeonato Brasileiro”, lamenta.

Apesar de tudo, o professor não joga a toalha e espera que mais cedo ou mais tarde o reconhecimento aconteça. “Eu acredito que um dia as coisas possam mudar, porque é impossível que não mudem. Falta o que? O que tinha que ser provado, já foi. Saímos com nada, sem estrutura, fomos lá e conquistamos o mundo. Não é o estado, não é o Brasil, e não é por sorte, porque lá estavam todos os países competindo, é porque realmente temos qualidade e vontade. E a gente pode chegar muito mais longe, falta as pessoas acreditarem um pouco mais nisso”, frisa.

 

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