“O problema não é o tráfico, é o consumo”

Tramita no Senado Federal a revisão do Código Penal Brasileiro, criado em 1940 e bastante defasado. Entre as propostas de modificação defendidas pela ONG Brasil Sem Grades e apoiada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul está a criminalização do uso próprio de drogas e a internação compulsória dos dependentes químicos. Para o delegado Leônidas Costa Reis, titular da 1ª Delegacia de Polícia e responsável pelas investigações do tráfico de drogas em Bento Gonçalves, a lei deveria dar mais suporte ao juiz para aplicar penas mais severas aos usuários e, apesar de ser uma ação mais complexa, obrigar a internação para tratamento seria uma saída imediata para minimizar os problemas relacionados à drogadição e suas consequências.

Para Reis, a impunidade é um incentivo ao uso de drogas. “A falta de coercitividade e a força da lei impossibilita que o juiz obrigue um usuário de drogas a realizar o tratamento. Com a lei de tóxicos anterior, a conduta de uso próprio não era descriminalizada. Era crime usar. Os juízes então condenavam e substituíam a pena de prisão pela obrigação de tratamento. Caso ele não se tratasse, convertia de volta em prisão, ou seja, o usuário era obrigado a se tratar. Com a nova lei, isso acabou. Não tem penalização para quem for flagrado de posse de entorpecentes, o máximo que o juiz pode fazer é recomendar o tratamento, mas não obrigar”, explica.

A estratégia de alegar que o entorpecente é para consumo próprio tem sido usada por traficantes quando flagrados: “O traficante mantém consigo uma quantidade pequena de drogas para que, caso seja abordado, possa alegar que é usuário e que aquele entorpecente foi adquirido para consumo próprio. Depois de liberado, vende a porção e se abastece de novo com uma pequena quantidade. Assim, ele mantém seu poder. Como a polícia não aborda a mesma pessoa todos os dias, porque isso seria impossível, se ela for abordada novamente depois de um mês, por exemplo, usará a mesma desculpa”, detalha.

Obrigação de internação

O delegado acredita que a criminalização e a volta da obrigatoriedade da internação poderiam amenizar o problema, mas não resolvê-lo, uma vez que envolvem mais do que apenas a adequação da lei. “Da forma que está agora, os usuários só se tratam se quiserem. São presos uma primeira vez, o juiz recomenda o tratamento, que não é feito. São soltos e na terceira, quarta ou quinta vez que são flagrados de novo, o juiz recomenda novamente. Esses dependentes químicos vão continuar causando sofrimento à família e à sociedade indefinidamente, até quando quiserem, e ninguém pode fazer nada porque essa é a lei. Se fosse criminalizada a posse, ao menos seriam obrigados a procurar tratamento para não serem presos. Eles teriam apenas duas opções: procurar ajuda especializada ou ir para a prisão”, relata.

Um dos maiores problemas de obrigar o tratamento é a falta de locais adequados para receber esse tipo de paciente. “A internação compulsória é complicada. Mesmo em casos extremos, nos quais a justiça tenha concedido essa medida, faltam locais que aceitem e que estejam aptos a receber dependentes que são obrigados a se tratar. Os espaços que hoje existem são abertos, ou seja, a pessoa só fica se quiser. O usuário chega drogado demais, não raciocina direito e não fica. Entra pela porta da frente e sai pela porta dos fundos. Seria necessário um local adequado”, descreve. Reis acrescenta ainda que quanto mais tardia a internação, mais difícil é o tratamento. “Se deixar o usuário escolher quando iniciar o tratamento, ele só vai aceitar quando estiver no fundo do poço. Aí ele já tem outros comprometimentos, muito mais difíceis de largar. Já está viciado há muito tempo, pode ter contraído algumas doenças, estar com sequelas graves e até o tratamento fazer efeito, é muito mais difícil. Se conseguisse uma internação no início, quando os danos são menores, as chances de recuperação seriam muito maiores”, enfatiza.

A mesma opinião é defendida pela assistente social e coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (Caps-ad), Maria da Graça Trucolo De Rossi. Para ela, “a internação compulsória é um recurso extremo. Normalmente um familiar busca esse tipo de recurso quando já tentou por outras vias e não conseguiu. Há também momentos em que o usuário está tão debilitado que não consegue mais decidir por si, então é necessário que outros decidam por ele, ao menos no período de desintoxicação. Penso que nas situações extremas, a obrigatoriedade se faz necessária. Porém, não adianta determinar inúmeras internações compulsórias se não há estrutura para atendê-los (locais adequados, fechados) que é o que se faz necessário em um primeiro momento”, enfatiza.

Opinião pública

Você também pode opinar sobre o assunto. Basta entrar no site do Senado (www.senado.gov.br) e clicar no link “Reforma no Código Penal”. Sua opinião poderá fazer parte do anteprojeto que pretende unificar toda a legislação.

 
Ações contra as drogas

Intensificar campanhas educativas e esclarecedoras sobre os malefícios dos entorpecentes é uma das ferramentas apontadas pelo delegado para coibir o uso das drogas. “Mostrar às pessoas que usam drogas, e que acreditam no mundo do ‘não dá nada’, que existem consequências e punição é uma saída. Que a droga faz mal todo mundo sabe, mas não adianta querer acabar com o tráfico diante da grande quantidade de usuários. O traficante é lei de mercado. Não é ele que obriga a usar, o usuário vai atrás quando está viciado e, obviamente, o traficante explora essa necessidade. Ele vive de exploração e tem interesse de ganhar cada vez mais. A polícia prende um, aparecem dois traficantes para assumir o lugar. No momento que ninguém o procurar, o traficante vai virar desempregado. O problema não está no tráfico, e sim no consumo, que é o início de tudo”, destaca.

O delegado ainda reitera que, para coibir e diminuir o tráfico de drogas, não seria necessário ampliar as punições, mas cumprir à risca as já existentes. Uma alternativa seria a utilização de instrumentos para fiscalização de apenados em regime semiaberto, para que não reincidam no mesmo crime.

 

Reportagem: Katiane Cardoso

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