Opinião: a inclusão do dano extrapatrimonial na CLT e o seu ensino nas Práticas Jurídicas


 

Ao conviver em sociedade, o ser humano precisa se relacionar. Até mesmo em tempos de pandemia, quando as pessoas são convidadas a ficar em isolamento social, ainda assim, de uma forma presencial ou em formato síncrono e on-line, existe contato. Essas relações, por vezes, são conflituosas e podem gerar ofensas às partes envolvidas, ocasionando um abalo de ordem psíquica que, eventualmente, gera danos de ordem extrapatrimonial.

Nas relações de emprego, não poderia ser diferente. Nas aulas de Práticas Jurídicas Trabalhistas, o acadêmico é incitado a estudar um pouco mais esse tema relativo aos danos extrapatrimoniais no âmbito da Justiça do Trabalho, pois ele é desafiado a aplicar, em casos simulados, a correta tipologia dos danos extrapatrimoniais que, no senso comum, se confundem.

Juridicamente, se diz que, quando um indivíduo macula a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade e a vida, entre outros bem jurídicos tutelados da pessoa, e se o ofensor agiu com culpa ou dolo, se formou uma lesão de origem extrapatrimonial contra o ofendido. O grande marco na legislação brasileira para punir quem comete um abuso moral foi a Constituição Federal de 1988, a qual previu, no seu texto, que, além do direito de resposta, o abuso de natureza moral deve ser indenizado monetariamente. A Constituição trata de forma genérica os danos morais sem explicitar se os danos extrapatrimoniais são seu sinônimo ou se o dano moral é uma das espécies de dano extrapatrimonial.

Os estudos jurídicos avançam e se ampliam as discussões sobre danos causados a outrem. Aspectos que envolvem bens que não têm um preço, ou seja, os danos extrapatrimoniais, acabam sendo um grande “guarda-chuva” para o assédio moral, o dano moral e, contemporaneamente, o dano existencial. 

Sinteticamente, o assédio moral passou a ser estudado no Brasil a partir de 1990, quando chegaram ao país os estudos da Psiquiatra Francesa Marie-France Hirigoyen. O assédio moral se caracteriza quando os obreiros são expostos, de forma reiterada, a situações constrangedoras e humilhantes no seu meio ambiente de trabalho, degradando aquele espaço e fazendo com que na maioria das vezes o empregado somatize doenças ou peça demissão. O assédio moral pode ser: vertical descendente, o mais comum, quando o superior hierárquico pratica assédio contra o empregado; o vertical ascendente quando os empregados se voltam contra um chefe para que ele perca o posto; e o horizontal, que acontece quando praticado entre colegas, de mesmo nível, que elegem um do grupo para ser a vítima.

Não tardou muito para que os processos judiciais buscando assédio moral se espalhassem pela Justiça do Trabalho, que se viu obrigada a puni-los, usando os critérios de indenização do dano moral, já que não se tem, até hoje, uma lei que defina o que é e os critérios de punição para o assédio moral envolvendo empregados celetistas. Assim, a indenização devida é calculada pelos critérios do dano moral, levando em conta que o valor arbitrado ao ofensor não o empobreça, mas ao mesmo tempo há que ser em um patamar que pedagogicamente o impeça de cometer tal abuso novamente. Já o ofendido deve receber uma compensação que não o enriqueça, mas que permita poder ter momentos compensatórios para que possa abrandar aquele sentimento negativo ao qual foi injustamente submetido. 

Figura recente na doutrina, e nos julgados brasileiros, é o dano existencial. A primeira decisão sobre o dano existencial é de 2012 e é da lavra de um Desembargador gaúcho, José Felipe Ledur. Naquele caso, houve a condenação em dano existencial, pois uma empregada havia perdido o crescimento da filha em razão da excessiva jornada de trabalho que seu empregador lhe exigia e se criou a privação de um relacionamento familiar saudável. O dano existencial nasceu no direito italiano com as pesquisas de Paolo Cendon e Patrizia Ziviz (da Universidade de Trieste). Essa modalidade de dano se caracteriza como sendo aquele que compromete a razão de existir da pessoa, um dano mais complexo que o dano moral, pois ele atinge negativamente a pessoa e a sua existência. O dano existencial pode ser de duas ordens: comprometer a relação familiar ou o projeto de vida. Ao buscar a sua felicidade, o ser humano faz projetos de vida e, se não existir a possibilidade de concretizar esses sonhos por culpa de terceiros que tragam alguma lesão ao desenvolvimento normal da personalidade do trabalhador, ele sofre dano existencial. O dano existencial abrange a ordem pessoal ou social, afetando de forma permanente ou temporária o obreiro que, muitas vezes, na retirada de algo que lhe era cotidiano, pode lhe causar abalo na sua vida de relação familiar ou mesmo ao seu projeto de vida.

Embora o dano existencial seja mais recente e mais complexo de ser caracterizado, ele foi contemplado, de forma equivocada, pela Reforma Trabalhista, como sinônimo de dano extrapatrimonial. A grande discussão atual é que esse dano já nasceu tabelado, pois a CLT colocou um patamar de indenização que pode chegar a até 50 salários contratuais do empregado. Esse critério, para alguns, traz segurança jurídica ao empregador, mas, em contrapartida, revela o retrocesso de voltar a uma tarifação que o Brasil já aprendeu, com a antiga Lei de imprensa (primeira tentativa de tabelar os danos morais), que a tarifação de um bem que “não tem preço” é um retrocesso a toda sociedade.

Diante disso, o acadêmico do curso de Direito precisa ser muito mais do que um reprodutor de normas jurídicas, precisa se conscientizar do seu papel na sociedade. Poder explorar novos direitos nas disciplinas de Práticas Jurídicas é um bom momento para exercitar aquilo que irá vivenciar, em breve, no seu futuro profissional.