Opinião: Economia em tempos de Coronavírus


Por Monica Beatriz Mattia, economista, professora da Universidade de Caxias do Sul e presidente do Corede Serra

A pandemia, declarada pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março, impôs à economia mundial uma realidade nunca vivida antes, mais grave do que a crise da quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1930 e mais grave do que a crise do capitalismo de 2008 com a queda no PIB mundial de 1%. As duas crises do capitalismo anteriores afetaram parte do planeta. A crise atual do coronavírus afetou os cerca dos 200 países vinculados à Organização Mundial do Comércio, uma vez que foram interrompidos fluxo de pessoas e de exportações e importações, com impacto no mercado de capitais financeiros, ou seja, mercado de produção interna, mercado externo, mercado financeiro e de capitais foram afetados.

Empresários, trabalhadores, profissionais liberais e investidores estão convivendo com profundas restrições econômicas tendo em vista as políticas sanitárias que visam evitar a contaminação das pessoas. Tais políticas foram empreendidas de forma diferente pelas diversas regiões do país tendo em vista a falta de pensamento uníssono pelo Governo Federal, que optou em não adotar uma política pública integrada para os 26 estados e o Distrito Federal, bem como para os 5.570 municípios brasileiros.

Importante destacar que a crise econômica provocada pela pandemia do coronavírus se associa a uma das piores crises na geopolítica do petróleo, tendo em vista que o preço do barril já esteve na casa dos 100 dólares e, nos últimos meses, caiu para menos de 20 dólares, inviabilizando a sua exploração em diversos países. Igualmente, a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China provoca políticas protecionistas nos Estados Unidos, na Europa e no Japão: Estados Unidos voltando a fabricar produtos que eram feitos por empresas americanas associadas ao Governo chinês, na China; Europa buscando novos parceiros no continente africano tendo em vista a maior proximidade; e o Japão com a mesma política americana, voltando a produzir no próprio Japão ou através de outros parceiros mais próximos.

O Brasil, por sua vez, é um dos únicos países que, durante a crise, tiveram suas exportações ampliadas, com aumento da exportação do petróleo para a China em 60% no mês de abril. O PIB brasileiro poderá cair mais de 5% em 2020. Há setores que afirmam que poderá cair até 10%, caso a pandemia se intensifique no Brasil. Somente o setor do agronegócio parece ter ficado longe da pandemia, pois a safra de 2020 cresceu 2,3% em relação a 2019.

 

A indústria brasileira, de modo geral, está operando com 50,7% de sua capacidade de produção, apresentando uma queda gigantesca na oferta de bens e serviços, inclusive pela falta de demanda, afetando mais os setores considerados não essenciais, como a produção de automóveis, de calçados e artigos em couro e de vestuário. A indústria de alimentos, considerada essencial, opera com 75% de sua capacidade e o setor farmacêutico, no mês de abril, ocupou 81,1%. A expectativa é que no trimestre que finda em maio a economia estará ainda mais contraída do que o registrado no mês de abril.

 

Muitas empresas demitiram ou irão demitir nos próximos meses. Para evitar o desemprego, o Governo criou programas que visam compensar o trabalhador pela redução da carga horária ou devido às demissões. Por parte das empresas, muitos tributos tiveram o prazo de vencimento adiado, além de adiado o pagamento de financiamentos, visando preservar as empresas de possível fechamento.

 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já registrava 14 milhões de desempregados antes do coronavírus. Nos últimos 3 meses, somaram-se mais 3 milhões. Há manifestações no sentido de que o desemprego poderá chegar a 30 milhões de pessoas no Brasil. Nos EUA, 22 milhões de pessoas já solicitaram seguro-desemprego no período da pandemia.

 

Desde março, inúmeros profissionais desenvolvem suas atividades na modalidade home office, com atividades virtuais sendo desenvolvidas por arquitetos, engenheiros, bancários, professores, jornalistas, administradores, profissionais de escritório e tantos outros. O comércio e os restaurantes nunca experimentaram uma fase tão intensa de vendas on-line. Centenas de reuniões, aulas e palestras foram realizadas por teleconferência possibilitando uma prática que irá se intensificar no pós-coronavírus, o que exige, de imediato, um plano de retorno ao normal com a introdução de novas modalidades de relacionamento nas mais diversas áreas das atividades produtivas, educacionais, culturais, de saúde, institucionais e até políticas.

 

O setor público estará ainda mais sobrecarregado durante a pandemia e no pós-coronavírus. Milhares de famílias deixarão a escola privada e migrarão para a escola pública, deixarão de pagar plano de saúde privado para migrar para a saúde pública. Tudo isso elevará muito o orçamento público com gastos superando suas receitas.

 

Somente no segundo semestre a economia dará sinais de uma recuperação gradual. E o novo normal após a pandemia estará baseado em novos comportamentos, segundo a Mckinsey: o distanciamento entre as pessoas exigindo que as organizações de todos os setores criem as possibilidades para preservar as distâncias; capacidade para gerenciar os recursos humanos, os clientes, as cadeias de suprimentos influenciando o novo planejamento estratégico da organização; crescimento da economia virtual: comércio digital, telemedicina e automação, ou seja, muitas tarefas serão automatizadas; mais Governo na economia (e não menos) com transferência de recursos financeiros e com restrição de mobilidade, bem como orientações para a atividade econômica; nova forma de pensar em relação aos objetivos das empresas: investir em funcionários, apoiar comunidades e lidar eticamente com fornecedores – e não somente buscar valor para os acionistas. A ideia do tripé – lucro, pessoas e planeta – poderá se inverter tendo em vista o volume de dinheiro público colocado na economia; mudança nas estruturas da indústria, comportamento do consumidor, posições no mercado e atratividade do setor; e menos prosperidade, crescente desigualdade e governo inchado ou explosão da inovação e produtividade, indústrias mais focadas no novo comportamento, governos mais inteligentes e todos mais conectados. Eu quero apostar nessa última alternativa: que a fase da pandemia nos faça subir inúmeros degraus na forma de vida produtiva em que estamos envolvidos.