Opinião: Não, não leia este artigo!
Por Conrado Dall'Igna (OAB/RS 62.603)
Advogado especializado em recuperação de empresas | conrado@cdi.adv.br
Mas no caso de descumprimento de acordo de parcelamento fiscal, seria bom ler… Por quê? Ora, segundo o ditado popular, são duas certezas que temos nesta vida: a morte e, lógico, os impostos.
Segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Sebrae, o Brasil tem quase 20 milhões de empresas em funcionamento, sendo que as micro e pequenas respondem por 30% do PIB e empregam mais da metade dos trabalhadores com carteira assinada. E, como todos sabem, a pandemia causada pelo coronavírus causou uma queda de faturamento brutal para todos os setores da economia. Entretanto, os impostos não param de chegar!
Como se não bastassem as dificuldades do cotidiano, imagine uma Fazenda Pública com superpoderes. Sim, não é exagero da minha parte, são superpoderes mesmo, ao ponto de legitimar o Fisco a pedir a falência de uma empresa que descumpriu acordo de parcelamento fiscal. Parece um filme de terror, literalmente, afinal, o Brasil é um dos países (senão o maior) com uma das cargas tributárias mais elevadas, salvo engano, quase 40% sobre nosso Produto Interno Bruto (PIB).
Também não é nenhuma novidade que o governo, em qualquer esfera, através de suas fazendas, tem um único objetivo: fazer crescer a arrecadação de impostos, visto que é o dinheiro do contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, que faz a máquina pública girar. E é esse apetite arrecadatório que volta e meia gera grandes e acalorados debates principalmente quando a Fazenda Pública, através do Poder Judiciário, começa a lançar mão de novas ferramentas para compelir os devedores a quitarem suas dívidas para com a receita.
O Superior Tribunal de Justiça já havia se posicionado no sentido de que a Fazenda não poderia requerer falência como ferramenta de cobrança. Primeiro, porque possuía instrumento específico para cobrar suas dívidas, a saber, a execução fiscal. Segundo, pelo fato de que o Fisco, por força de lei, não se submete aos efeitos da recuperação de empresas e da falência. Terceiro, pelo fato de que um pedido falimentar formulado pelo Fisco vai totalmente contra os três princípios norteadores da Lei 11.101/2005, Lei de Recuperação de Empresas: a preservação da empresa, a proteção aos trabalhadores, e por fim os interesses dos credores.
No entanto, isso começou a mudar a partir de 2020, tendo em vista que a Receita já vinha, há tempos, arquitetando meios, via Poder Judiciário, para conseguir a autorização que lhe possibilitasse pedir a falência de empresas que descumprem os parcelamentos fiscais. Dois fortes exemplos desse esforço da Fazenda Nacional, vieram do Tribunal de Justiça de SP (Apelação Cível nº 1001975- 61.2019.8.26.0491) e Tribunal de Justiça do RJ (Apelação Cível nº 1001975-61.2019.8.26.491), onde, em casos semelhantes, as empresas eram detentoras de dívidas fiscais literalmente impagáveis. E, somada à possibilidade de execução fiscal frustrada, pelo fato da Fazenda Nacional ser detentora de créditos, e por não haver mais vigência de questões fiscais relacionadas à Lei de Recuperação de Empresas, entendeu por contrariar o entendimento do Conselho da Justiça Federal, assim como a jurisprudência do STJ, no sentido de legitimar o Fisco a pedir a falência da empresa. Que situação, hein?
Todavia, cabe uma constatação: quantas e quantas vezes se ouviu falar de atos de má gestão fiscal por parte das empresas, ao ponto de as mesmas acumularem um passivo tributário impossível de ser pago? Para se ter uma ideia, em números reais, conforme os dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), se somarmos as dívidas tributárias em atraso de todas as recuperações judiciais em trâmite no Brasil, chegamos ao assombroso número de R$ 109, 6 bilhões! E mais: R$ 96 bilhões desse montante vêm das empresas que não apresentaram nenhuma proposta de pagamento à Fazenda Nacional. Logo, toda ação (ou omissão) gera uma reação, motivo pelo qual se torna compreensível que o Fisco tenha – literalmente – ido à luta.
Lembram quando disse que a Fazenda Nacional ganhou superpoderes? Pois é: com a reforma da Lei de Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005), através da Lei 14.112/2020, que entrou em vigor em 24/12/2020, a Fazenda Nacional ganhou a autorização legal que sempre quis, ou seja, está totalmente legitimada a requerer a quebra de qualquer empresa que se encontre em recuperação judicial, diante da comprovação de descumprimento de parcelamento de dívidas fiscais. Além disso, o Fisco ficou com igual prerrogativa quando constatada tentativa de esvaziamento patrimonial, uma reprovável, mas usual prática, visando o não pagamento das dívidas e, logicamente, lesar os credores em geral, assim como o fisco.
Mas nem tudo é terra arrasada, por exemplo: no início desta semana, foram reabertos os prazos para ingresso no Programa de Retomada Fiscal no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Portaria PGFN nº 21.562/2020), trazendo medidas com o objetivo de estimular a regularidade fiscal relativa aos débitos inscritos em dívida ativa da União, permitindo a retomada da atividade produtiva em razão dos efeitos da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19).
Para encerrar, caro(a) leitor(a), devemos ter a clareza que o Fisco não sairá pedindo, a esmo, a falência de qualquer empresa que esteja devendo qualquer tipo de imposto, o que certamente será negado pela Justiça; mas aquelas empresas que acham que podem “pedalar” as dívidas fiscais para sempre, essas sim, estão em sérios apuros.