Opinião: para o STF, o não recolhimento de ICMS é crime!

Seguindo o entendimento externado em agosto de 2018, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Supremo Tribunal Federal (STF), última voz do Poder Judiciário, no “apagar das luzes” do ano de 2019, decidiu que o não recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) uma vez declarado constitui o crime de Apropriação Indébita Tributária, previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137 de 1990. Na ocasião, julgando recurso de empresários de Santa Catarina, os quais defendiam, em apertada síntese, que o não recolhimento do tributo declarado não poderia ser considerado crime, mas simples inadimplemento, o STF declarou aplicável o dispositivo invocado e, por isso, criminalizaram o não pagamento do ICMS declarado pelo contribuinte.

Esse entendimento, desde a sua divulgação, ainda lá em agosto de 2018, criou receio não só na comunidade empresária como também entre os profissionais da contabilidade, na medida em que, de maneira exagerada, e equivocada, pela minha leitura, sugeriu-se até a possível repercussão da penalidade do profissional responsável pela contabilidade da empresa, nesses casos. Furor esse que se repetiu, agora, quando da repercussão do voto do Ministro Roberto Barroso do STF, em 12.12.2019, concluída em 18.12.2019, e que foi acompanhada por mais seis ministros, a saber Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Edson Fachin, Cármen Lúcia e o presidente da Corte, Dias Toffoli.

Há que se ressaltar, porém, que:
1)    Primeiro, não cabe ao STF criar leis, mas sim interpretá-la. Explico:
No momento em que o artigo 2o, II, da Lei nº 8.137 de 1990 estabelece que “na qualidade de sujeito passivo da obrigação” o contribuinte deixar de recolher tributo, define o texto legal que somente ocorre o crime de apropriação indébita se o contribuinte for o sujeito passivo da obrigação. Não é sempre que isso ocorre, na medida em que, no caso de substituição tributária, por exemplo, da mesma forma em que acontece com a parcela do INSS cujo pagamento cabe ao empregado, e este é apenas arrecadador, intermediário do tributo. Assim, essa figura aqui criada, em nenhuma das duas hipóteses, decorre da literalidade da lei e, por isso, a afirmação de que foi criada pelo STF e não pura e simplesmente interpretada. Salienta-se que essa opinião, é seguida por profissionais de peso como, por exemplo, o professor Andrei Schmidt.

2)    Segundo, nem sempre – eu diria na esmagadora maioria das vezes – o inadimplemento tributário decorre de dolo do empresário, mas também advém do insucesso do negócio. Explico:

Não quero crer que o empresário, como regra, e deliberadamente, deixe de recolher o tributo pelo simples fato de não recolher, para usufruir deste valor, gozando dele a seu bel prazer. Esse inadimplemento, por certo, tratando-se de empresa séria, decorre do insucesso das atividades empresariais, queda de faturamento, problemas externos, etc., e não pela simples vontade de não pagar, por mais que seja doloroso pagar tributos em nosso país, uma das mais altas cargas tributárias existentes no mundo.

Nesse aspecto, aliás, é importante destacar que o voto do Ministro Rogério Schietti, no STJ, já separou essa situação, de maneira expressa, afastando a criminalização nessa hipótese, desde que comprovada. Mesma situação que ocorre quando, notificado, o empresário recolhe o tributo em sua totalidade ou adere a algum programa de recuperação fiscal. Linha essa que deve ser seguida pelo STF, na esteira daquilo que se tem nos demais casos semelhantes.

De qualquer sorte, na prática, o que se buscou aqui, ao que parece, foi, mais uma vez beneficiar os estados na cobrança dos tributos, por meio do medo da criminalização. E tanto é assim que essa decisão foi festejada por muitos governadores, que se fizeram presentes ao julgamento, dentre eles, Eduardo Leite.

Ao cabo, porém, como profissional do direito, afirmo, de maneira categórica, que, pela interpretação legal, não basta o não recolhimento do tributo lançado para caracterização do crime. É necessária apuração fática acerca dos reais motivos que levaram ao inadimplemento, bem como se pode ou não esse vir a ser recolhido, o que será, por certo, apurado pelo Juízo Competente mediante ação própria, se for o caso. Não há, portanto, motivo para furor, pelo menos para aqueles que não pagam em decorrência de contingência econômica. Aos demais, abram o olho…


 

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