Opinião –  Qual Pandemia: Covid-19 ou Desinformação?


 

“Em 2020, quando a Terceira Realidade terminou de envolver todo o planeta Terra, uma pandemia global matou mais de três bilhões de terráqueos. Foi um momento muito caótico que durou dois anos. Foi uma pandemia viral psicossomática que penetrava somente em corpos incompatíveis com a vibração de amor ao próximo”

Essas são palavras de um livro de ficção científica escrito em 2014 por Melissa Tobias, “A Realidade de Madhu”, que parecem prever algo da realidade de 2020. No caso do livro, a vibração de amor ao próximo era a efetiva proteção contra a pandemia. Na realidade atual, a pandemia da Covid-19 causada pelo vírus Sars-Cov-2, além de afetar o corpo, também afeta a mente, ou seja, estamos vivendo uma dupla pandemia: a do vírus e a da desinformação. 

A pandemia da desinformação é algo palpável, definida por alguns especialistas no assunto como Modernidade Viral, conceito que se aplica às tecnologias virais, códigos e ecossistemas de informação, publicação, educação e conhecimento emergente. 

Ocorre que a busca por entendimento e conhecimento é intrínseca ao ser humano e, graças a ela, evoluímos e nos adaptamos às mudanças. Porém, nos dias de hoje, a curiosidade humana repousa sobre o terreno fértil da pós-verdade e das falsas epistemologias, em que soluções fáceis são apresentadas para problemas complexos. 

Em meio à prevalência de informações erradas, o termo “pós-verdade” ganhou notoriedade ao ser nomeado, em 2016, como palavra do ano pelo Dicionário Oxford. Diferente da mentira, a pós-verdade é a escolha de uma suposta verdade por afetividade, ou seja, apenas é “verdade” o que está de acordo com os valores de quem a procura, independentemente de haver ou não comprovação. Portanto, pós-verdade é a aceitação por afinidade de informações manipuladas, cuja origem pode ser verdadeira ou falsa, em um mundo em que elas são disseminadas rapidamente.
 
A pós-verdade está na raiz da desinformação que vivemos nos tempos atuais. A hiperconexão, proporcionada pelo avanço da internet e dos meios digitais de comunicação, faz com que o acesso à informação em tempo real esteja disponível na palma da mão e em qualquer lugar. Com o fracionamento das mídias sociais, as pessoas escolhem suas câmaras de eco preferidas, como nas redes sociais, um ambiente propício para a propagação de qualquer tipo de informação sem a devida verificação dos fatos. Ao serem expostas à pós-verdade, as pessoas escolhem a sua própria realidade e tendem a diminuir as chances de aceitar informações verídicas, mesmo que o discurso conspiratório seja comprovadamente falso. Além disso, ao escolher e entrar em câmaras de eco preferidas, as pessoas acreditam que suas opiniões, por mais exóticas ou não apoiadas por evidências científicas que sejam, são amplamente compartilhadas, tornando-se, assim, resistentes à correção. 

Hoje enfrentamos uma situação em que grande parte da população vive em um espaço epistêmico que abandonou os critérios convencionais de evidência, consistência interna e busca de fatos. O estado atual do discurso público não pode mais ser examinado através das lentes de informações, que podem ser desmascaradas, mas como uma realidade alternativa. A pandemia da COVID-19 revela então uma sociedade doente cognitivamente. Os males da desinformação fazem com que histórias e vidas sejam perdidas, fazendo-nos questionar como a informação é acessada, como ela chega até o público e seu poder de influenciar a vida e a morte. 
Para atenuar os efeitos da desinformação, os fatos revestem-se de uma importância cada vez maior. Para a ciência, o fato equivale ao conjunto de verdades universais e necessárias, frutos de testes, demonstrações e comprovações. A consciência e a educação são, então, a melhor alternativa para que as pessoas identifiquem pós-verdades, escolham os fatos e pavimentem seu futuro individual e coletivo.  

O texto faz parte de pesquisa realizada pelos alunos mestrandos Renan Isoton e Rodrigo Bado e pelo doutorando Rafael Perini, do Programa de Pós-Graduação em Administração da UCS, sobre os discursos dos Presidentes de 26 países com mais de 30 milhões de habitantes. Os discursos foram analisados desde o início da pandemia e revelam que sua inconstância é acompanhada por uma evolução ruim da pandemia nos países estudados.