Opinião: Urna eletrônica é confiável?

Leia o artigo do analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS) Ricardo de Abreu, que atua como servidor da Justiça Eleitoral no cartório de Bento Gonçalves

Foto: arquivo pessoal

Esta é uma questão muito polêmica e que costuma gerar incertezas sobre a garantia da lisura e transparência no processamento eletrônico da votação em eleições no Brasil.

Afinal, por que acreditar na Justiça Eleitoral (JE), quando ela afirma que a totalização dos votos dados pelos eleitores é um processo seguro?
Como acreditar, a partir de uma afirmação, que o resultado da eleição é o exato espelho da escolha feita pelo eleitorado?

É possível citar alguns dos fatores formadores da minha convicção de que a votação eletrônica garante a expressão da vontade do eleitor.
Primeiro: A urna eletrônica é um equipamento que não possui conexão com a internet, tampouco tecnologia de comunicação sem fio.

Segundo: Em anos não eleitorais, são realizados testes públicos de segurança, onde grupos de investigadores podem se inscrever para realizar ataques aos softwares e hardwares da urna. O objetivo é descobrir possíveis vulnerabilidades na urna eletrônica a tempo de serem corrigidas para as Eleições vindouras.

Terceiro: no dia da eleição, é realizada uma cerimônia chamada votação paralela, que consiste numa auditoria para mostrar que os votos inseridos na urna correspondem exatamente ao resultado que ela produz. Em todas as cerimônias até então realizadas nunca houve divergência.

Quarto: os votos de cada urna (cada seção eleitoral ou mesa receptora de votos) são gravados em uma mídia (cartão de memória, pen drive) e são transmitidos/processados pela rede de computadores da Justiça Eleitoral. E este processamento (totalização dos dados de uma urna) só é validado se houver uma correspondência eletrônica entre a mídia utilizada na transmissão e a que foi utilizada na mesma urna, antes da eleição, na cerimônia de preparação (inserção dos programas oficiais da eleição). Essa verificação de correspondência é feita para cada urna eletrônica utilizada na eleição.

Quinto: ao final da eleição, cada urna eletrônica emite um relatório que contém um resumo da votação dos eleitores daquela seção eleitoral. Este documento é chamado de boletim de urna. Existe um aplicativo para telefone celular, desenvolvido pela Justiça Eleitoral, que, através da leitura do QR code que consta em cada boletim de urna, qualquer pessoa pode obter (reter em seu celular) o resultado da votação na urna (de quantas quiser ler) e, ainda, após a totalização (envio e processamento dos dados pelos computadores da JE) pode conferir tais resultados no site da JE. Isto comprova que os votos registrados pelo boletim na seção são idênticos aos totalizados pelo sistema.

Sexto: os programas que o TSE produz são analisados, inspecionados e auditados por diversas entidades externas à JE, dentre elas, polícia federal, sociedade brasileira de computação, departamentos de TI das universidades, partidos políticos, ministério público e outras entidades representativas da sociedade civil que tenham interesse.

Entretanto, quem entende de programação, argumenta que a possibilidade de fraude concentra-se nas mãos de quem constrói os programas oficiais de uma eleição. Em outras palavras, quem maneja os códigos fonte tem nas mãos o destino dos votos. Ora, essa nobre missão é dos servidores da JE, daqueles que trabalham na secretaria de tecnologia e informação do TSE. Portanto, não confiar na urna eletrônica é, em última análise, não acreditar que exista imparcialidade da JE.

Mas quais as razões que levariam esse Poder do Estado, incumbido de garantir o exercício da democracia, a desviar do seu dever, viciando a legitimidade do processo eletrônico de votação? E mesmo que alguém encontre razão plausível, coerente, isto significaria supor que todo o batalhão de servidores incumbidos de fazer a eleição acontecer estariam participando de uma grande farsa ou fraude sem saber. E o pior deste cenário é que o maior prejudicado (o cidadão) também é chamado ao palco para se apresentar e ser enganado.

Imagine um belo jantar, grandioso, com uma numerosa e eficiente equipe para servir centenas de convidados famintos. De repente, alguém pede a palavra, sem apresentar nenhuma base fática, anuncia que a comida está envenenada e que o chefe de cozinha sabe de tudo, qual o veneno, quem mandou colocar e qual foram as motivações. Todos ficam inseguros, pois a própria equipe da cozinha (ajudantes, garçons, etc.) se espanta com a notícia.

Nesse contexto, parece lúcido basear convicções em fatos e ações institucionais concretas, deixando de lado teorias da conspiração.

A JE tem cumprido seu compromisso com a democracia. A história das eleições comprova seu esforço para assegurar o livre exercício do sufrágio. E suas ações institucionais demonstram uma constante preocupação com a responsabilidade inerente a sua missão.

Este nobre trabalho não pode ser abalado pela onda de desinformação e por manifestações radicais ou falsas. Ajudar a divulgar a boa informação é um caminho melhor e mais seguro.

Texto: Ricardo de Abreu, analista judiciário do TRE-RS. Servidor da Justiça Eleitoral há 17 anos no cartório da 8ª Zona Eleitoral, com sede em Bento Gonçalves.