Pacientes jovens relatam dias assustadores na luta contra a COVID-19

O momento atual da pandemia no Brasil tem sido marcado pelo agravamento da COVID-19 em pacientes até então considerados fora dos grupos de risco – pessoas abaixo dos 60 anos e, inclusive, sem comorbidades. Conforme profissionais da saúde, a mudança no comportamento do Coronavírus está ligada, principalmente, a uma ou mais mutações do vírus no Brasil. Apesar de o município e o Hospital Tacchini ainda não terem confirmado casos de novas variantes em Bento – algumas amostras seguem em análise – a coordenadora corporativa de farmácia do Tacchini, Suhélen Caon, afirma que o aumento de casos em pacientes mais jovens pode sim estar ligado à mutação do vírus e, ainda, ao comportamento “menos comprometido em relação às medidas de proteção, como máscaras, lavagem das mãos e isolamento”, complementa. 

Entre a sexta-feira passada, 19/03, e a segunda-feira, 22/03, uma mulher na faixa etária dos 40 anos e dois homens na faixa etária dos 50 perderam a luta contra a COVID-19 em Bento Gonçalves. 

Mesmo diante desse novo cenário da pandemia, o cabeleireiro Rafael Audibert, de apenas 35 anos e sem doenças pré-existentes, nunca imaginou que pararia em um leito de UTI por conta da COVID-19. Conforme os médicos, ele provavelmente foi infectado pela nova cepa ou alguma outra variante circulante no país. Uma análise laboratorial com resultado previsto para os próximos dias deverá confirmar a informação. 

No dia 07/03 ele acordou com sintomas como tosse, dores pelo corpo, sensação febril, tremores e náusea. Após confirmar o diagnóstico por exame, Audibert se isolou em casa e iniciou o tratamento recomendado pelos médicos. Entretanto, os sintomas foram piorando diariamente. “Eu tenho oxímetro em casa e estava monitorando a saturação do oxigênio durante o isolamento”, recorda. Entre os dias 10 e 11/03, fortes crises de falta de ar e a saturação abaixo de 75 fizeram levantar o sinal de alerta. “Foi aí que a coisa ficou séria, entrei em contato novamente com a Unimed, quando a médica que me atendeu chegou a se exaltar perguntando como eu ainda não estava no oxigênio”, conta. 

Rafael procurou novamente o atendimento e fez exames para saber o estágio da doença. A tomografia apontou comprometimento de 50% nos pulmões, devido à pneumonia infecciosa, e os exames de sangue mostraram alterações preocupantes. Após algumas horas de espera, ele conseguiu uma vaga na UTI do Hospital Beneficente São Pedro, em Garibaldi. Foram oito dias de internação. “Entrar na UTI é assustador por si só e os medos surgem o tempo todo. De morrer, de estar sozinho, de não conhecer ninguém, e o corpo grita a incapacidade”, relata. 


Rafael Audibert, de 35 anos. Foto: Arquivo pessoal
 

Com a saturação a apenas dois pontos acima do indicado para entubação, os esforços da equipe médica foram grandes para manter a estabilidade e evitar o procedimento mais invasivo na luta contra a COVID-19. “Eu sentia muita falta de ar, precisei ficar inicialmente 16 horas de bruços para melhorar a oxigenação, o que foi reduzindo dia a dia”, comenta. “No início, se tem bastantes alucinações em função das medicações e da baixa oxigenação, e você se desconecta um pouco da realidade em alguns momentos, tem sonhos assustadores, não se lembra de várias coisas”, continua. 

Já a autônoma Taís Regina Dagostin, de 40 anos, passou pelas fases mais graves da COVID-19 em casa. Após confirmar a infecção pelo vírus na primeira semana de março, as dores de cabeça, dores no corpo e sensação de cansaço passaram a ficar mais intensas. Cerca de sete dias depois, Taís, que é asmática, conta que já não conseguia sequer explicar o que estava sentindo. “Eu percebi que estava muito mal quando um amigo morreu e eu não tive forças para mandar meus sentimentos para a irmã dele, minha melhor amiga. Eu não consegui responder ela no dia que ela mais precisava de mim”, lamenta. 

Taís realizou exames e fez uso de medicações indicadas pelos médicos que a acompanharam. Foi então que uma tomografia apontou comprometimento de mais de 50% dos pulmões. “A gente sente uma falta de ar absurda. E o mais difícil é saber que estamos mal e não conseguirmos expressar esse sentimento. Eu só queria ficar quieta, deitada e em silêncio”, recorda. 

Após realizar exame e voltar para casa, Taís se entregou à doença. Não levantava da cama, não comia e não conversava. Foi então que seus familiares decidiram ir atrás de oxigênio. “Eu usei quatro litros em horas. Provavelmente eu teria morrido sem oxigênio”, comenta. Por conta da superlotação no sistema de saúde do município, sua família decidiu contratar uma enfermeira e uma fisioterapeuta pulmonar e seguir com o tratamento em casa, mediante orientação médica. “Eu só chorava. Queria morrer. É um sentimento inexplicável de impotência”, recorda. “Eu chego a me emocionar porque foram dias que eu não desejo nem para o pior inimigo. Isso estando em casa com oxigênio, com enfermeira, comida pronta na porta [devido ao auxílio de vizinhos]”, reflete, entre lágrimas. 

A professora Silvia Trentin Bielski, de 44 anos, precisou ser internada na UPA 24h do bairro Botafogo no dia 04/03. Com pneumonia já constatada, febre alta, tosse e falta de ar e sem melhoras efetivas com o tratamento prescrito anteriormente, o médico que estava a acompanhando optou pela internação. Sem vagas no Tacchini, ela foi transferida para a UPA. Foram cerca de quatro dias de internação, com relatos de muita dor, falta de apetite e crises intensas de tosse e falta de ar. Mesmo em casa, ela conta que a doença continuou causando uma série de desconfortos. “A COVID não mexe apenas com o pulmão, mexe com todo o imunológico. Tive que tomar remédios para dormir, porque gera uma ansiedade muito grande”, relata. 


Silvia Trentin Bielski, de 44 anos. Foto: arquivo pessoal

A recuperação

“Hoje eu ainda estou bem fraca, minhas pernas não ajudam. Sexta [19/03] fui fazer a reconsulta e o médico me liberou. Então fui para o mercado e caminhei pelos corredores. Sábado [20/03] eu não conseguia caminhar de dor na musculatura das pernas. E eu também estou bastante inchada e o apetite não voltou totalmente”, conta a professora Silvia Bielski. 

Ainda em casa, a autônoma Tais Regina Dagostin também ressalta que a falta de ar, o cansaço e as dores no corpo ainda fazem parte da sua rotina. Nos últimos dias, ela voltou aos poucos a cozinhar, a tomar banho sozinha e até arriscou descer alguns degraus de escada. “Continuo fazendo fisioterapia física e pulmonar, mas ainda me canso bastante”, afirma. 

O cabeleireiro Rafael Audibert revela que ainda está monitorando a oxigenação, que continua oscilando em caso de esforços físicos. “São seis sessões de exercícios de fisioterapia respiratória por dia, dentro de casa, acompanhando as evoluções sutis. Não consigo subir um lance de escada do prédio que moro. Passei nove dias em que tomar banho era uma experiência terrível e que me levava próximo ao desmaio. São coisas sutis, do nosso dia a dia, que nunca imaginamos que fossem se tornar difíceis”, relata. 

Uma nova chance

Os três pacientes, na faixa etária dos 35 a 44 anos, compartilharam experiências parecidas durante a fase crítica da doença e, agora, após a fase ativa. Além das sequelas que permanecem em médio e longo prazo, eles compartilham a gratidão por terem vencido uma doença que, até então, parecia que não chegaria até eles. “É um sentimento inexplicável de querer voltar a viver, de aproveitar tudo. No dia 08/03 eu nasci de novo [quando Taís começou a melhorar]. É uma nova data para comemorar”, comenta a autônoma. 

Taís ainda deixa um recado sobre a importância do atendimento, da medicação e do acompanhamento logo nos primeiros sintomas. “A COVID-19 age muito rápido. Hoje estamos bem e amanhã caímos. Ficamos tão fracos que nem percebemos que precisamos de ajuda. Então é importante que as pessoas não esperem ficar tão fracas para pedir ajuda”, comenta. “Sou muito grata a minha família e amigos por tudo que fizeram por mim”, continua.

“Diante do que vivi, confesso que, mesmo sendo uma pessoa super consciente e tendo tomado muitos cuidados desde o início, não imaginava que pudesse ter chegado a um caso tão grave, e de forma tão rápida. Eu desci até a caverna da morte, tive vários momentos de olhar para a vida. Parece que foi um ano vivido em oito dias”, recorda Audibert. 

Para finalizar, o cabeleireiro ressalta a importância da prevenção. “Se cuidem. Por si e pelos outros. Não desejo nem para um inimigo os momentos que passei, e ficar sem oxigênio é a pior coisa que já senti na vida. Ninguém gostaria de ver uma pessoa que ama passar por isso”, reforça.