Pais reclamam da falta de vagas em creches e escolas de Bento
SMED alega que crianças de baixa renda são as prioridades na destinação de vagas e que boa parte do problema é que os pais não aceitam a escola oferecida
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Todos os dias, a sala de espera da Secretaria Municipal de Educação de Bento Gonçalves (SMED) está lotada. São pais e cuidadores em busca de respostas em relação a vagas em creches e escolas na cidade. Os relatos vão desde negativas para solicitações, falta de documentos ou ainda ausência de respostas por WhatsApp. A SMED afirma que destinar as crianças para as vagas não é uma tarefa simples, pois “demanda análise de documentos, procura de vagas na região de zoneamento e atendimento às famílias”, segundo a secretária de Educação, Andreza Peruzzo.
Mães relatam falta de resposta e desorganização
Mãe de um menino de dois anos, uma empreendedora que prefere não se identificar relata que foi sete vezes à SMED em busca de vaga para o filho. “Todas as vezes que eu ia, diziam que tinha que esperar. Que tinham pessoas com menor renda na minha frente. Mas acontece que, se eu não colocar meu filho na escola, eu não consigo trabalhar”, relata ela, que é dona de uma pequena loja de itens personalizados. Nesta semana, depois de dois meses de espera e de muitas idas e vindas, ela conseguiu a vaga para seu filho.
A minha impressão é que venci pelo cansaço, porque teve dias que fui de manhã e de tarde cobrar uma vaga na SMED. Para mim, foi uma humilhação”, desabafou a mãe.
Outras mães também relatam desorganização da secretaria na destinação das vagas. “Fazia dois anos que estávamos tentando uma vaga e, graças a Deus e a muita insistência, este ano conseguimos, em uma escola muito boa, por sinal. Mas o pessoal da SMED é muito sem controle, porque eles ainda me ligam perguntando se eu já consegui a vaga. Inclusive, me ligaram novamente nesta semana me oferecendo uma vaga em uma escola particular e eu tive que dizer novamente que já tinha vaga”, comentou a mãe de uma menina de dois anos. “Eu acredito que as mamães que ainda não conseguiram têm que ir lá e insistir, ligar bastante até eles disponibilizarem a vaga”, sugeriu.
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Outras tantas aguardam por meses e até anos uma vaga. “Comecei a pedir dois meses antes de acabar minha licença-maternidade. Enviei todos os documentos que precisava. Faltavam duas semanas para eu voltar a trabalhar e me desesperei. Mesmo insistindo, indo lá toda semana, mandando mensagem e ligando, eu não consegui. Como não tinha condições de pagar babá e nem de pagar particular – seria o mesmo valor do meu salário –, acabei tendo que pedir demissão”, relata a jovem mãe de um bebê que hoje está com oito meses.
Advogada orienta famílias
A advogada Vanessa Dal Ponte já garantiu na Justiça vagas para diferentes famílias em Bento. Ela pontua que o direito à educação tem absoluta prioridade, nos termos do art. 227 da Constituição de 1988. “A violação do direito à educação de crianças e adolescentes mostra-se, em nosso sistema, tão grave e inadmissível como lhes negar a vida e a saúde. A partir do julgamento do Tema 548/STF, restou assegurado a todas as crianças com menos de 4 anos o direito à vaga em creches custeadas pelo ente público, de modo incondicional, ou seja, independentemente de renda”, destaca.
Apesar de ser um problema atual, a falta de vagas, segundo Vanessa, vem piorando ao longo dos anos. “Recordo-me de ter participado de uma audiência pública na Câmara de Vereadores em 2015, que tratava da necessidade de ampliação das vagas, marcando a falta de aproximadamente 500 vagas. Hoje, 10 anos depois, o problema não só persiste como se acentua ano após ano”, destaca.
Mulheres são as mais afetadas
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A advogada observa que a falta de vagas na escola prejudica, em especial, as mulheres, que ou precisam deixar seus empregos ou entregar seus filhos aos cuidados de vizinhas ou em creches irregulares, que não dispõem de estrutura adequada e saudável para as crianças. “Inevitavelmente, o direito da criança e da mãe se entrelaçam, pois garantir o direito de acesso à creche às crianças auxilia o desenvolvimento profissional da genitora. Não há como fugir da questão de gênero, pois a oferta de creche e pré-escola é imprescindível para assegurar às mães segurança no exercício do direito ao trabalho e à família, em razão da maior vulnerabilidade das trabalhadoras na relação de emprego, já que elas enfrentam maiores dificuldades para a conciliação dos projetos de vida pessoal, familiar e laboral. O direito da criança é de fundamental importância, mas a perspectiva de gênero não pode ser invisibilizada”, observa.
Para ela, a municipalidade tem a obrigação de garantir, com absoluta prioridade, o acesso à educação infantil, em creche ou pré-escola próxima à residência do infante, às crianças entre zero e cinco anos. “A renda familiar não pode ser colocada como um critério para obstaculizar o direito da criança, como corolário da doutrina da proteção integral, disposta nos artigos 1º a 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente”.
A advogada orienta que, quando o poder público não oferece a vaga de forma voluntária, os pais podem buscar o Ministério Público ou entrar com uma ação judicial para garantir o direito da criança.
O que diz a secretária de educação, Andreza Peruzzo
Sobre demanda de vagas
“Nossa cidade é próspera, acolhedora e com muitas oportunidades de trabalho, por isso, a procura por vagas nas escolas municipais ocorre durante todo o período do ano. Nosso sistema de central de vagas está sempre atento às movimentações. A equipe da central de vagas ainda está designando alunos e fazendo transferências. Não é um trabalho simples, pois demanda análise de documentos, procura de vagas na região de zoneamento e atendimento às famílias. Quando não há vagas na região do zoneamento, a vaga é designada o mais próximo possível da casa da criança. É uma responsabilidade muito grande do setor, e somos cobrados por isso. Muitas vezes, o problema da designação de vagas vem da insistência das famílias em não aceitar a escola do zoneamento ou a escola municipal e exigir a vaga na escola particular, principalmente na etapa creche. As vagas nas escolas públicas municipais obedecem ao zoneamento da família. O edital determina a quantidade de compra de vagas.”
Critério para destinação de vaga
“O zoneamento e a vulnerabilidade social são os principais norteadores para a designação de vagas. Quanto às vagas compradas pelo município nas escolas infantis particulares, é o decreto 12.092/2023 que define diretrizes e procedimentos para o preenchimento de vagas em escolas de educação infantil privadas.”
Falta de professores e monitores
“Neste ano de 2025, foram abertas 15 turmas a mais em comparação ao ano anterior. No final de 2024, terminaram muitos contratos de monitores, auxiliares de educação infantil e professores. Por estarmos, naquele momento, com a lei vigente do período eleitoral, não houve novos processos seletivos.
A SMED tem chamado professores para contrato temporário nos anos iniciais do ensino fundamental; foram 45 chamamentos até o momento, e está suplementando professores. Foi realizado concurso no último dia 9 de fevereiro para professores dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) e auxiliar educacional, que fará a função de monitoria nas escolas municipais. Estamos aguardando a homologação dos aprovados no concurso para o chamamento desses profissionais.
Quanto aos monitores, já foi realizado um levantamento da necessidade. Há muita rotatividade nessa função, e esperamos suprir essa demanda com os novos contratos e o concurso, com maior brevidade. O concurso evita a rotatividade na função. Nos anos finais do ensino fundamental, estamos chamando professores do concurso para suprir as necessidades e suplementando outros.
Na educação infantil, neste ano de 2025, houve o chamamento de 23 educadores infantis do concurso público. Quanto às auxiliares de educação infantil, o início do processo seletivo foi em janeiro de 2025. Para validar um processo de contratação temporária, precisamos respeitar o edital. Todas as etapas foram seguidas com a maior rapidez possível, dentro da norma vigente, para validar todo o processo. Chamamos 199 auxiliares, com previsão de início do trabalho para o dia 20 de fevereiro.
Sabemos o quanto é difícil para as famílias esse momento, mas vai normalizar.”
Demora em retornos para famílias
“Recebemos muitas mensagens e respondemos todas em ordem cronológica. Entendemos que as famílias estão ansiosas por um retorno imediato, mas isso, como todos esperam, é humanamente impossível. São centenas de mensagens e muitos telefonemas, e atendemos todos que ligam solicitando informações. É necessário tempo para analisar a documentação e designar a vaga.
Outra situação bem comum é a ausência de documentação na inscrição da criança. Há casos em que solicitamos muitas vezes a mesma documentação. Nosso sistema permite o registro de todos os contatos com as famílias. Atualmente, temos duas pessoas atendendo as famílias na recepção, uma pessoa disponível para fazer as inscrições e quatro pessoas no setor de vagas, atendendo telefone, respondendo mensagens, analisando as inscrições e encaminhando para vagas.
As inscrições abriram novamente em janeiro e permanecem abertas até outubro. Todos são prioridade para o retorno do setor. Atualmente, temos uma projeção de atender aproximadamente 13 mil alunos. Foram contempladas com vagas na educação infantil da rede municipal 4.165 crianças, além da compra de vagas para 1.200 crianças, totalizando 5.365 crianças contempladas. Essas vagas estão assim distribuídas: 3.172 em creches e 2.193 em pré-escola.
Continuaremos trabalhando para diminuir a espera por vagas. Ainda estamos encaminhando as crianças para vagas nas escolas. Nosso compromisso com a comunidade também inclui melhorar a comunicação, os retornos e o acolhimento dos pais.”