Parte de casa histórica em Monte Belo do Sul é demolida e revolta comunidade

Novos proprietários da Casa Manzoni, construção centenária do centro da cidade, desrespeitaram resolução da prefeitura e do Conselho do Patrimônio Histórico da cidade e derrubaram parte da propriedade. Comunidade busca soluções através do movimento “Salve Monte Belo”.


Com novas atrações, empreendimentos gastronômicos e vinícolas, a pequena Monte Belo do Sul tem atraído cada dia mais turistas e, consequentemente, especulações imobiliárias e de investimentos. Com o desenvolvimento, também vem uma preocupação: a preservação do amplo patrimônio histórico que segue vivo na cidade. No final de outubro, porém, a comunidade viu parte da Casa Manzoni, construção do ano de 1882 e que abrigou a família de Carlo e Oreste Franzoni, provenientes de Fornovo Di San Giovanni, província de Bergamo, Itália, ser demolida por seus novos proprietários.

A ação revoltou lideranças, empreendedores e a comunidade. Isso porque, nem a prefeitura e nem o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural, de Desenvolvimento e Turismo Sustentável (COMPHACDTUR) da cidade haviam autorizado a demolição. De acordo com nota de esclarecimento enviada pelo Executivo Municipal, o primeiro pedido de demolição da casa foi protocolado pelos proprietários do imóvel no dia 2 de julho deste ano. A solicitação foi negada pelo município, amparado por parecer do conselho, pois o pedido versava o desmanche de toda a parte lateral da casa, que incluía a construção histórica.

No dia 3 de setembro, houve o segundo pedido, solicitando a demolição parcial do anexo lateral, fora do perímetro da construção histórica, além de pequenos anexos na parte traseira da casa. O pedido, então, foi autorizado. Contudo, no final de semana dos dias 30 e 31 de outubro, os proprietários desrespeitaram a autorização e demoliram toda a parte lateral, incluindo a construção histórica, infringindo a ordem municipal.

Quem acompanhou todo o processo foi a arquiteta Aline Canossa, que foi contratada pelos proprietários para orientá-los em relação às obras e a manutenção do prédio histórico. Ela, que após o episódio quebrou o contrato com os clientes, comenta que os proprietários desrespeitaram o que foi aprovado na demolição. “Estou bem chateada, porque parecia que eles tinham entendido que tinham em mãos o patrimônio mais valioso, em todos os sentidos, da cidade. Eles aproveitaram um feriado que quase não tinha pessoas na cidade e colocaram abaixo parte da edificação, que fazia parte da história da casa”, lamenta a arquiteta.

De acordo com relatos, os proprietários, que são residentes do interior de Monte Belo do Sul, teriam dito que a casa “estava toda em ruínas, que pertence a eles e, por conta disso, vão fazer o que bem entendem”. O SERRANOSSA tentou contato com os donos do imóvel, porém não obteve retorno.

OBRA EMBARGADA
Após a destruição, o Poder Público Municipal embargou a obra e notificou os proprietários. Embora a casa não seja tombada pelo patrimônio histórico, ela tem relevante importância histórica no município. Inclusive, a prefeitura trabalhava em um inventário das principais casas do município e esta era a primeira da lista. “Neste momento, Prefeitura e COMPHACDTUR estudam quais medidas cabíveis podem ser aplicadas para que a infração seja devidamente punida e, assim, possa inibir situações semelhantes. O setor jurídico do Município está analisando e revisando o conjunto de leis municipais vigentes e, de forma conjunta, outras instâncias que possam corroborar para o caso”, pontua a nota enviada pela prefeitura. “A Prefeitura Municipal reforça o empenho e o compromisso em zelar pelo patrimônio histórico de Monte Belo do Sul, vista a riqueza cultural e arquitetônica do município. Ao encontro disso, também será iniciado, em breve, um trabalho de inventariação de bens históricos locais, com uma equipe de técnicos especializados no assunto. O intuito é justamente salvaguardar essas construções e conscientizar a comunidade local sobre a importância da preservação”, conclui.


SALVE MONTE BELO
Não é a primeira vez que Monte Belo do Sul tem um episódio em relação à preservação do patrimônio histórico. Recentemente, a prefeitura abriu mão da construção de uma rua coberta na praça central do município, após críticas e manifestações do conselho e também da comunidade. O projeto, que já estava em fase de contratação de empresa para execução das obras, foi cancelado e, agora, o Poder Público apresetará uma justificativa junto à Caixa Econômica Federal solictando a realocação da estrutura para não perder a verba. Nesta oportunidade, empreendedores lançaram o movimento “Salve Monte Belo, com o objetivo de lutar pela preservação de espaços importantes da história da cidade.

Outra preocupação da comunidade é com grandes empresas que têm adquirido importantes áreas na região central da cidade. Existe especulação quanto à construção de um hotel, com 78 quartos, e outros empreendimentos que poderiam descaracterizar a região. “Querem construir elefantes brancos no centro da nossa cidade, tirando todo o valor histórico da cidade. Alguém precisa impedir isso”, pontuou uma empresária, que prefere não se identificar.
Pensando nisso, um grupo de 26 empreendedores, com o apoio da comunidade, está mobilizado em torno da preservação histórica e cultural da cidade. Uma das formas encontradas pelos empresários foi fortalecer a Associação dos Produtores de Monte Belo do Sul (Aprobelo). A entidade terá novas “categorias”, divididas em segmentos como turismo, gastronomia e hotelaria. De acordo com o empresário Diego Gerhardt, a ideia é juntar forças para conscientizar a comunidade sobre a importância da preservação histórica e cultural da cidade. “Nosso entendimento é que o perfil que vem a Monte Belo não busca prédios espelhados ou grandes centros comerciais. Ele quer vivenciar nosso cotidiano, nossa história, nosso ambiente bucólico. Muitos ficam encantados de ver os moradores conversando no dialeto italiano, então é isso que queremos mostrar e preservar”, destaca.

A Casa Manzoni

Construída parte em 1882 e parte na década de 1920, a Casa Manzoni abrigou a família de Carlo e Oreste Franzoni, provenientes de San Daniele Ripa Pó, província de Cremona, Itália. Por muitas décadas, a casa serviu, além de moradia, para a prática de comércio. Iniciou com a produção de vinhos e licores (cantina anexada à casa, hoje inexistente), fábrica de queijos, salames e serraria, tropa de 40 mulas para o transporte de mercadorias. Mais tarde, a instalação de uma loja praticou a venda de “secos e molhados” e tecidos, e permaneceu sob propriedade da família Manzoni até 2020.