Páscoa nas Casas: família Cantelli dá exemplo de fé mesmo a distância

Mais uma vez, a Semana Santa será marcada pela distância para muitos fiéis em Bento Gonçalves. Apesar de o decreto estadual permitir a ocupação máxima de 10% ou 30 pessoas nas igrejas, o número é pequeno em relação aos muitos bento-gonçalvenses que veem na Páscoa um momento de renovação da fé. Mas em muitas casas, a distância não parece interferir na ligação com a igreja. No interior de Bento, a família Cantelli é exemplo de fé e devoção, mesmo em momentos tão difíceis. 

Os agricultores Gilmar e Dalvina Cantelli, antes mesmo da pandemia, já acompanhavam algumas das celebrações religiosas, principalmente da Paróquia Santo Antônio, de forma on-line. Diariamente, as transmissões pelo Facebook da paróquia engajam cerca de 5 mil fiéis, sem contar o público alcançado pelo Youtube e Instagram. Com a necessidade do distanciamento, o que era usual se tornou ainda mais marcante na rotina do casal. “A nossa paróquia é São Marcos, de Farroupilha, mas sempre tivemos uma ligação muito forte com Santo Antônio. Fomos festeiros em 2019 e nunca faltamos às festas do padroeiro”, comentam. Sempre que possível, Gilmar e Dalvina iam até o Santuário para assistir às celebrações religiosas. Por conta da distância até o centro da cidade, as transmissões acabaram facilitando a participação. Agora, o celular de Dalvina não deixa esquecer uma celebração. “Ela é categórica, não perde uma. Mesmo trabalhando, ela coloca o celular na frente e assiste. Eu também, às vezes estou na horta, coloco o celular com o vídeo e vou assistindo. Até porque você não precisa estar olhando o tempo inteiro, porque você se sente presente”, comenta Gilmar. 


O casal Gilmar e Dalvina Cantelli não perdem uma celebração da Paróquia Santo Antônio. Foto: Eduarda Bucco/SERRANOSSA

A notificação do celular de Dalvina indica a celebração das 6h, pelo rádio, e das 18h, pelo Facebook. Por conta da rotina corrida, o aplicativo móvel é o melhor aliado para acompanhar as missas durante a semana. Mas no domingo, o casal desacelera, senta ao sofá e assiste junto à celebração religiosa. “Com a pandemia, parece que acentuou a vontade de fazer parte. Dá impressão de que, se não estamos lá assistindo, o Padre vai ficar sozinho rezando a missa. Então temos que estar junto para a coisa funcionar”, acredita o agricultor. 

Vida de fé, vida próspera

A religião está presente na família Cantelli há gerações. “A gente tem a fé como uma das bandeiras principais, porque se você não tiver fé, você leva a vida sem sentido. Se fizer o bem ou o mal, não vai importar. No fundamento, todas as religiões pregam o fazer o bem ao próximo, ajudar o próximo. ‘Faz ao teu próximo a mesma coisa que gostaria que te fizessem’”, reflete Gilmar. Com uma rotina regada de amor e fé, foi natural o caminho escolhido pelo filho Eduardo, que hoje é seminarista. Quando criança, Dalvina conta que ele corria para a casa da avó para assistir a missa. “Compramos parabólica justamente para ele assistir à missa com a nona. Ele não perdia uma, ia até a casa dela todas as noites”, recorda a mãe, Dalvina. 

Aos 16 anos, Eduardo decidiu seguir a vida cristã e, aos 18, entrou para o seminário. “Eu fui criando o hábito de ir à missa desde pequeno e isso é fundamental. Vai nos mostrando que a participação é algo importante na comunidade e acho que isso foi me chamando e me moldando para um dia entrar no seminário”, comenta Eduardo. “Com certeza o testemunho de casa e a vivência da fé fez parte do caminho”, reflete.  Na visão do pai, o exemplo de casa é a única forma de cativar as crianças ao caminho da fé. “Falar bonito é uma coisa, mas se agir bonito, o povo e as crianças vão junto. ‘As palavras convencem as pessoas e os exemplos arrastam multidões’”, cita o pai, Gilmar. 


Gilmar e Dalvina acompanhados do filho Eduardo. Foto: Eduarda Bucco/SERRANOSSA
 

Gilmar e Dalvina trabalham com produções orgânicas, de frutas e hortaliças, e participam semanalmente das feiras ecológicas em Bento. Além das amizades criadas por conta dessa função, sempre dispostos a ajudar o próximo, o casal é envolvido em uma série de ações sociais na comunidade. Gilmar já assumiu o cargo de secretário da Agricultura na gestão Roberto Lunelli, ajudou a fundar a Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha, faz parte da Associação Caminhos de Pedra, é presidente da Associação dos Moradores de São Pedro, foi vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e outras tantas frentes abraçadas de forma voluntária. “A gente gosta de participar da comunidade, de se envolver, de ajudar. Porque você tem que ser proativo para as coisas funcionarem”, acredita Gilmar.

E a recompensa pela disposição, pelo amor com que vivem a vida e pela fé que depositam em cada ação, tem se mostrado em diferentes aspectos. “Todas as terças-feiras vou na [igreja] Santo Antônio fazer meu agradecimento depois da feira. Também agradeço todas as manhãs os meus Santos. E parece que quanto mais agradecemos, mais estamos recebendo, e digo até em amizades”, comenta Dalvina. “A gente nunca leva em consideração o tempo que perde com as coisas. Fazemos com amor”, continua Gilmar. 

Acolhimento

Há mais de um ano, a rotina agitada de encontros, festas e confraternizações precisou ser deixada de lado pelo casal. Queridos por muitos, eram raros os fins de semana que Dalvina e Gilmar ficavam em casa. “Temos saudade dos familiares e amigos, principalmente daqueles que fomos festeiros [de Santo Antônio] juntos. As mulheres me mandam todos os dias bom dia e perguntam como estou. Aquela saudade de se encontrar, de dar aquele abraço, é grande. Formamos uma família que jamais imaginaria. Quanto mais a gente agradece e reza, mais coisas vêm”, declara Dalvina. 
Com essa necessidade de distanciamento, as celebrações vistas de casa têm trazido um alento ainda maior. “Quando assisto às missas, sinto que estou sentada lá na igreja, não em casa. É uma maneira de estar lá, participando”, afirma a agricultora. 

Com imagens sagradas espalhadas pela casa, com um pequeno altar montado na sala e com uma linda igreja construída pelo filho ao lado de fora, o lar do casal é um verdadeiro retiro de fé e amor. “Se escutamos todos os dias uma mensagem positiva, isso acaba se tornando parte de ti e faz muito bem. Temos que manter viva aquela chama. Hoje as pessoas estão muito revoltadas e eu penso que é porque a religião está em último plano. E a religião em si não é ir lá e rezar, é se fazer parte do conjunto de pessoas, de acolher e se sentir acolhido, de ajudar e ser ajudado”, acredita Gilmar. 


 


Pequena igreja construída pelo filho Eduardo. Foto: Eduarda Bucco/SERRANOSSA
 

Para esta Páscoa, a família relembra a importância de fazer o bem. “A Páscoa representa justamente a nossa fé, e cada um interpreta a fé de uma forma diferente. A minha fé é você fazer igual de uma pessoa que foi exemplo no mundo, que modificou o mundo de tal forma que o calendário se iniciou com Jesus Cristo. A Páscoa é momento de se lembrar de uma pessoa que fez o bem e acabou crucificada por isso, o que ainda acontece hoje em dia. A Páscoa é a renovação da nossa fé”, finaliza o agricultor.