Pautas de etnia negra são levadas a candidatos a prefeito de Bento

Pela primeira vez em Bento Gonçalves, os candidatos à prefeitura estão sendo provocados para pensarem ações voltadas à etnia negra no município. Por meio dos coordenadores do Movimento Negro Raízes, Solana Corrêa e Marcus Flávio Dutra Ribeiro, os nove candidatos estão sendo questionados sobre quesitos educacionais e culturais, a fim de combater o racismo, o preconceito e a intolerância religiosa e promover ações, se eleitos, que estimulem e acolham a cultura negra.  “Já conversamos com quatro candidatos e, nos próximos dias, vamos para o quinto. A pauta racial é uma pauta dominante, que se intensificou neste ano a nível mundial. Então, quem pretende ser nosso representante, precisa trabalhar em cima dessas questões”, analisa Ribeiro. 

No quesito educacional, os coordenadores estão direcionando a seguinte questão aos candidatos: “Envolvendo a Lei  10.639/13, que torna obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas das redes públicas e particulares, que ações podem ser aprimoradas quanto à formação e manutenção efetiva de todos os profissionais da educação para as relações étnico-raciais e combate efetivo do racismo, preconceito e intolerância religiosa?”.

Já no aspecto cultural, a pergunta é a seguinte: “O que pensa o candidato em relação à criação de mecanismos para inserção das manifestações culturais negras, como a religiosidade (envolvendo as religiões de matriz africana), musicalidade (samba, capoeira e outras identidades culturais negras) no sentido de apoiar e aproximar cada vez mais da comunidade essas manifestações, seja através de eventos culturais ou outros formatos que estimulem e acolham a cultura negra como um todo em nosso município?”. 

Pouca representatividade

“Você quer discutir as questões negras, então lhe aconselho a viver um dia de negro”, provoca Ribeiro. Apesar de pauta ser discutida e abraçada por pessoas de outras etnias, o coordenador do Movimento Negro Raízes ressalta a importância da representatividade negra dentro da política. “Me aponta um secretário negro, uma coordenadoria ou um vereador. Recebemos duas vezes o prêmio Zumbi dos Palmares na Assembleia Legislativa do RS. Mas eu recebo o maior prêmio de referência do estado, por mãos de pessoas brancas. Então muito mais que discutir, a gente precisa inserir”, analisa. 

Atualmente, o Movimento Negro Raízes estima que entre 15% a 20% da população de Bento Gonçalves seja de etnia negra – número que tem aumentado devido à imigração de haitianos e senegaleses. No país, a porcentagem chega a metade da população. “Até quando vamos visitar a vila apenas quando interessa? Quando vamos começar a levar cultura para a periferia? Os políticos até podem ter pautas positivas, mas vai passando o tempo e isso vira apenas discurso”, lamenta. “E é muita hipocrisia dizer que somos todos iguais. ‘Ai, porque a meritocracia’. A meritocracia talvez funcione para a ‘branquitude’, mas não para a ‘negritude’. Quem fala isso não tem conhecimento dos aspectos sociais que envolvem a nossa etnia”, complementa Ribeiro. 

Ainda conforme o coordenador do Movimento, na eleição de 2016 foi possível notar um leve aumento no número de candidatos negros, mas esses estariam ligados à ala evangélica – que ganhou mais força na política nos últimos anos. “Talvez até possam ter sido eleitas mais pessoas negras, mas a área evangélica tem pauta religiosa, e não racial. Não fala das questões de preconceito”, analisa. 

O assunto é debatido em diversas frontes do Brasil e do mundo. Entretanto, a pauta continua gerando desconforto e contrariedade para muitos que negam a existência do racismo. “Não há como discutir com números. Os partidos políticos sabem quem eles querem eleger e sabem em quem vão investir. Fora da política, por quantos médicos você já foi atendido? Quantos professores? Quantos engenheiros? Você não ter preconceito não significa você negar que ele não existe”, conclui.