Perdas e luto como parte do ciclo vital

Nos últimos anos, muitos registros sobre luto têm sido escritos no Brasil, sobretudo a partir de pesquisas realizadas no exterior, que contribuíram para o avanço das investigações referentes ao tema. A abordagem que envolve morte e processo de luto evidencia a importância de existir estudos cuidadosos no que tange às questões de conhecimento e aplicação terapêutica, bem como sua eficácia às pessoas que sofrem perdas. Inicialmente, observou-se que a proposta sobre luto abarcava questões referentes a um desligamento ou afastamento da pessoa falecida. Considerando que o luto abrange sempre um contexto sociocultural, dentre outros fatores, é possível dizer que o modo como as perdas eram vistas em um momento anterior, na sociedade, justifique as incansáveis tentativas das pessoas esquecerem o ente querido frente à necessidade de seguir como se nada tivesse que mudar, ainda hoje. Contudo, a perspectiva de ampliação dos estudos sobre luto demonstrou a possibilidade de construção de significado mesmo diante das perdas, num viés de esperança para a reorganização da vida ao longo do tempo. Entende-se, hoje, que há outras inúmeras alternativas que podem auxiliar o indivíduo enlutado a manter o vínculo de proximidade e carinho com a pessoa perdida. Torna-se mais que possível continuar os laços de afeto por meio de um viés diferente de amor: pela aprendizagem de amar em separado numa condição de lembrança e saudade que promovem movimento para a vida.

Atualmente, trabalha-se com o modelo do processo dual do luto para fins de compreensão dos fenômenos presentes nas perdas e no luto. Seus fundamentos podem ser encontrados e trabalhados tanto em pesquisas, como na prática clínica. Esta abordagem propõe uma revisão nas concepções teóricas a despeito da elaboração do luto ao apresentar dois diferentes vieses que compõem fatores estressantes diante das perdas, sendo um deles voltado para a perda em si e o outro voltado para a restauração do viver. Entende-se que é importante reconhecer a perda como dolorosa e desafiadora, permitindo-se sentir e vivenciar períodos mais intensos de tristeza e saudade, que compõem parte do processo de luto, uma vez que este momento também requer novas adaptações frente às mudanças (e a dor do luto é, sobretudo, a dor do rompimento e da mudança). De modo concomitante, a restauração busca momentos de alívio, numa espécie de “descanso” da dor para a possibilidade de reinvestimento na vida e no viver. Logo, há uma oscilação dinâmica, natural e esperada nesta compreensão de luto, em que acontece a regulação de enfrentamento da perda por meio da evitação/negação x confrontação/enfrentamento. Em outras palavras, é essencial que para tudo haja um tempo: tempo para chorar e tempo para aliviar, tempo para esgotar-se e tempo para descansar, tempo para ferir e tempo de cicatrizar. Quando se pensa em luto, é fundamental considerar processo, não necessariamente resultado. Na medida em que se olha para prazos longos sem considerar caminhos a percorrer, perde-se uma trajetória de tentativas e possibilidades de reconstrução que promovem novos sentidos e oferecem respostas de dentro para fora ao longo de um tempo individual (porque, no luto, as respostas são construídas de dentro para fora mesmo). Luto é isso: um convite para reorganizar, reconstruir, desenvolver instrumentos resistentes frente à dor e capazes de suportar os rompimentos do ciclo vital. 

Franciele Sassi
Psicóloga – ​CRP 07/24082
Especialista em Teoria, Pesquisa e
Intervenção em Luto e Perdas

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