Permanência do jovem no campo carece de incentivo

Na Serra Gaúcha, manter o jovem no campo pode ser considerado um dos grandes desafios nas últimas décadas. Mesmo com a forte influência da colonização italiana e sua tradição de agricultura familiar, a permanência na área rural é fraca: aproximadamente, 70% da população do interior de Bento Gonçalves tem mais de 50 anos de idade, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município. A falta de incentivo para o ensino na área preocupa o setor.

Desde 2013 a região conta com a Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha (EFA), que estimula os jovens a debater e aprender soluções para os problemas das propriedades de suas famílias em aula concomitantemente ao Ensino Médio. Alternando uma semana de internato e uma em casa, onde aplicam os conhecimentos aprendidos, a ideia é reforçar o interesse do adolescente em seguir com o trabalho dos pais. Inaugurada em Garibaldi, a EFA foi transferida para Caxias do Sul no início deste ano. De acordo com a coordenadora institucional Fernanda Flores, o espaço antigo, na área central do município, dificultava as atividades práticas de agropecuária – situação revertida nas novas instalações, uma antiga pousada na 3ª Légua, zona rural caxiense, para qual a instituição paga um aluguel simbólico.  

O plano de ensino aborda temáticas da realidade do estudante, da propriedade de sua família, somadas aos conteúdos do Ensino Médio. O conteúdo padrão é explicado com exemplos de situações que os jovens expõem vivenciar em suas áreas de terra. “O conhecimento empírico que eles levam é um grande fator para incentivá-los a permanecer no campo. O jovem com interesse vai se sentir mais motivado”, avalia a coordenadora. O próprio caráter comunitário da escola e sua administração são defendidos como base para o funcionamento. “Acreditamos que a gestão é uma necessidade da agricultura familiar”, Fernanda acrescenta. 

Dificuldades financeiras

De caráter comunitário, a escola se mantém financeiramente por meio de uma associação de pais. Cada família contribui mensalmente com R$ 300 por aluno e há ainda apoio federal, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que destina cerca de R$ 8 mil mensais. O valor, contudo, não cobre todas as despesas que a instituição tem, que incluem professores, alojamentos, alimentação, material, água e luz. O custo para manter cada um dos 41 alunos é cerca de R$ 1.500. 

“Não chegamos ao ponto de restringir as atividades, mas estamos com o orçamento limitado. Sobrevivemos de contribuições das famílias, cooperativas, empresas e outros projetos, mas todos estão afetados pela crise econômica”, lamenta Fernanda. Mais que arrecadar valores financeiros, o maior desafio, para ela, é fazer com que a comunidade conheça o trabalho e os benefícios da EFA para qualquer outro tipo de apoio, como a cedência de professores e de equipamentos, ou mesmo parcerias. 

A instituição busca firmar convênios com as prefeituras como alternativa. Garibaldi, Barão e Coronel Pilar destinam recursos municipais para a manutenção da EFA. Segundo a coordenadora da instituição, houve várias tentativas em Bento Gonçalves, mas as bolsas nunca foram efetivadas. 

Por meio de sua assessoria de imprensa, a prefeitura de Bento afirma ter convênio de cooperação técnica com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), para atividades de ensino, pesquisa e extensão. Por ter um campus em Bento Gonçalves, a administração municipal considera mais fácil e abrangente manter essa parceria. Na área, o IFRS oferece cursos de Agropecuária (técnico), Viticultura e Enologia (técnico e tecnológico) e Horticultura (tecnológico).  A expectativa de virada na situação financeira da EFA é com a consagração da instituição e, com ela, o ingresso de mais alunos. “Com 80 ou 100 estudantes, o valor arrecadado pelas famílias estabiliza os gastos. Na escola da cidade de Santa Cruz, primeira a funcionar no Estado, levou cinco anos para a estabilização. Esperamos chegar lá”, almeja o presidente da Associação Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha, Alceu Dalle Molle.

Vantagens da EFA

– Aproximação do jovem e da propriedade rural;

– Conhecimento da atividade econômica e ambiental;

– Formação técnica e de liderança;

– Convivência com realidades de outros jovens, pela estrutura de internato;

– Desenvolvimento da atividade rural local;

– Mesmas competências desenvolvidas pelos estudantes da área urbana.

Pela valorização e igualdade

Mais do que pela permanência no meio rural, o incentivo ao jovem é importante para a autoestima de toda a família, segundo a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Inês Fagherazzi. O investimento em cursos e palestras, para ela, é essencial para a sobrevivência digna no interior. “Estamos tentando fazer com que o agricultor se sinta valorizado. Para ele, é um orgulho ver que o filho ou neto está dando continuidade ao trabalho e que a propriedade não vai ficar abandonada”, ela afirma.  

O cenário, no entanto, é desanimador, na perspectiva de Inês. Com a falta de incentivo e de políticas públicas, o jovem não vê vantagem em permanecer no interior, com as facilidades encontradas no meio urbano. “Eles também querem lazer e receber um salário mensal. Dependendo da safra, na agricultura só recebem uma vez por ano. Complica até para eles encontrarem uma companheira nessa situação, já que a moça que cresce no campo busca, com razão, essas mesmas coisas”, avalia a presidente do sindicato. 

Uma das medidas para reverter a situação, segundo Inês, é a própria presença do Poder Público, acompanhando as atividades rurais, para que o produtor se sinta valorizado. “É preocupante a perspectiva de ninguém dar continuidade ao trabalho realizado no campo. Vamos regredir no caminho que fizemos até agora, crescendo só para o alto, com salário, mas sem alimentos”, prevê.

Palavra de quem estuda

Enquanto ajuda na comercialização de produtos orgânicos da família, Eduardo Cantelli (foto) diz que nasceu junto à Feira Ecológica de Bento Gonçalves, há 16 anos. Ao crescer acompanhando a atividade agrícola no distrito de São Pedro, onde mora, nunca pensou em estudar qualquer outra área que não essa. 

Aluno do 3º ano da Escola Família Agrícola da Serra, interessou-se pelo modelo inovador de ensino e os valores reforçados, que trabalham a família e religiosidade – temas muitas vezes esquecidos no meio urbano, onde também já estudou. “Lá não existe essa imagem do colono, tão menosprezada na cidade. Nunca dei importância para isso, sei que sem nosso trabalho as pessoas não têm o que comer”, pondera o jovem. 

Entre as vantagens da EFA ressaltadas por ele, está a maior atenção dispensada pelo professor, nas turmas de poucos alunos, e a possibilidade de apresentar as situações vividas em suas casas, o que desperta a curiosidade para adaptação dos colegas.

O sistema de internato adotado pela instituição é outro ponto positivo para Eduardo, que é filho único. “Morando com um grupo de 13 colegas se aprende a ajudar, a ouvir e conviver. É um crescimento além da aula, vale tanto quanto qualquer conteúdo”, garante o jovem. “Não adianta ser um técnico excelente sem saber lidar com gente”, finaliza.

Reportagem: Priscila Pilletti


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